Representante da esquerda francesa visita o Brasil

O Brasil recebeu neste fim de semana a primeira visita de um candidato às eleições legislativas da França, que se realizam (em dois turnos) nos dias 10 e 17 de junho.

Raquel Garrido, secretária nacional do jovem Partido de Esquerda (PG, da sigla em francês), disputará a cadeira que representa os franceses radicados nas Américas Central e do Sul e no Caribe — "do México à Patagônia", como definiu ela própria em entrevista por telefone, em meio aos preparativos finais para um périplo que incluirá escalas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Nascida no Chile, sob a ditadura do general Augusto Pinochet, acompanhou a família no exílio, primeiro no Canadá e por fim na França, onde se casou e construiu uma família que, na sua definição, retrata a natureza de seu país de adoção como "uma pátria política, republicana, a pátria da liberdade, da igualdade e da fraternidade".

Durante a campanha para o primeiro turno da eleição presidencial francesa, Raquel foi a porta-voz para assuntos internacionais do líder de seu partido, Jean-Luc Mélenchon, candidato pela Frente de Esquerda (FDG), uma coalizão integrada também pelo Partido Comunista e outras legendas à esquerda do Partido Socialista (PS), do recém-empossado presidente François Hollande.

Da origem americana e da filiação política, a candidata cultivou afinidades com os governos do PT, que incluem um típico encontro com a então candidata Dilma Rousseff quando ela visitou Paris, em junho de 2010 — as duas assistiram, em companhia de dirigentes do PG e do hoje ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, à estreia do Brasil na Copa da África do Sul, contra a Coreia do Norte. A seguir, algumas das principais passagens da conversa com Raquel Garrido:

Correio:
Qual é a mensagem da Frente de Esquerda para os franceses que vivem na América Latina?
Raquel: A América Latina é uma região de primeira importância do ponto de vista estratégico, para a França, no contexto desse novo mundo multipolar. Os governos de direita privilegiaram o isolamento da França em uma política atlantista que priorizou as relações com os Estados Unidos. Isso ficou evidente na reintegração das tropas francesas à cadeia de comando da Otan e na maneira como atrelaram o país às aventuras militares protagonizadas por Washington. A Frente de Esquerda defende que a França pratique uma diplomacia independente e soberana, que privilegie a aproximação com os grandes países emergentes — não apenas com o Brasil, apesar de toda a sua importância, mas com toda a América Latina.

Correio: Você espera alguma mudança de orientação com a vitória de Hollande e a escolha de Laurent Fabius para o Quai D"Orsay?
Raquel: Fabius não é um político de tradição atlantista, e terá uma nova visão como chanceler, talvez menos atrelada aos Estados Unidos. Mas resta saber como se colocará Hollande, que claramente não defende um rompimento com a Otan.

Correio: Com relação ao Brasil, que tem uma parceria estratégica com a França, qual é a sua expectativa? Como deve ficar a cooperação no terreno da defesa?
Raquel: As relações com o Brasil devem se aprofundar em todos os terrenos, dentro dessa visão de uma nova geopolítica para um mundo multipolar. Temos muitos pontos em comum, entre eles a concepção de que a ONU deve ser a instituição primordial nas relações internacionais. E isso dentro da perspectiva de uma reforma que reforce a voz dos grandes países emergentes em instâncias como o Conselho de Segurança. A ausência do Brasil no conselho é uma aberração. Por isso entendemos que a opção do Brasil pela cooperação com a França no terreno da defesa deve ser vista desse ponto de vista de uma opção pela soberania e pela independência.

Correio:
A América Latina viveu nas últimas décadas o debate entre crescimento e austeridade. Existe aí alguma lição para a Europa de hoje?
Raquel: Absolutamente sim. E os franceses da América Latina são os mesmos que acompanharam esse debate. A França votou nas eleições presidenciais sob essa mesma perspectiva e agora o governo de François Hollande fala em renegociar o tratado de austeridade firmado na União Europeia e imposto a países como a Grécia, a Espanha e a Irlanda. É o mesmíssimo remédio receitado pelo FMI aos países latino-americanos, nos anos 1980. A Frente de Esquerda se bateu na campanha presidencial não apenas pelo crescimento, mas por um novo paradigma de desenvolvimento que chamamos de planificação ecológica. Não se trata simplesmente de defender o crescimento pelo crescimento.