Caravana UNE testemunha retomada da concha acústica da UFC

Algumas bandas são as mais bonitas da cidade. Outras, as mais explosivas. Verónica Decide Morrer tirou o pino da granada. O impacto irrompeu o imaginário de mais de 2.500 pessoas que retomaram a Concha Acústica da Universidade Federal do Ceará (UFC) para salvar a personagem Veronica Valenttino, uma travesti que, de cima do palco, provocava a realidade e despejava toneladas de lirismo, teatro, rock e rhythm&blues.

Por Rafael Minoro, União Nacional dos Estudantes (UNE)


Fotos: Fábio Bardella e Ivan Russo

Às 21h10 daquele dia 20 de abril, no primeiro acorde da clássica “Sweet Transvestite”, que abriu o show do grupo no encerramento da Caravana UNE Brasil+10, a até então insuperável Lady Green do Pará, virou passado.

A luta pela vida de Verónica e a sobrevivência da cultura e da liberdade artística estava representada naquele dia também pela retomada da Concha Acústica, uma imponente construção inaugurada em 1959 com a presença do Presidente da República Juscelino Kubitschek. Há três anos que não ocorria uma atividade do movimento estudantil naquele palco. Com uma noite de luta pelo direito de festejar e de festa pelo direito de lutar, a Caravana da UNE devolveu o espaço para os estudantes e para toda a população de Fortaleza.

Com as arquibancadas, as laterais e todos os outros lugares possíveis tomados pelo grande público presente, a Caravana se despediu do Ceará também ao som regional da banda Sol na Macambira e do grupo de reggae Dona Leda.

O começo do fim

O fim da tarde chegava mas o Sol na Macambira rachava também no cocuruto de quem parou e contemplou, das arquibancadas ainda silenciosas da Concha Acústica, o som delicado da banda vinda de Juazeiro do Norte e que levou para a Caravana da UNE a cultura da região cearense do Cariri.

A banda, criada em 2005, tem uma estrutura familiar e, por isso mesmo, traz esse cuidado ao contar a sua história e de sua região. O pai canta, toca flauta transversal e pife. Os dois filhos, ainda moleques, seguram os tambores. A esposa é percussionista e ao seu lado um pequenino dorme já embalado pela musicalidade da trupe.

No palco, eles brincam de espada e reisado, declamam poemas, cantam cirandas. Nesse ambiente, a música transcende para uma apresentação teatral cheia de referência carirenses contando a história de seu povo, a crença, a fé, o sofrimento e as manifestações culturais.

O reggae do Ceará

Para os que gostam do som, sabem que a cena reggae brasileira é bem presente e atuante. Mas boa parte não sabe é que o Ceará é um representante fiel por ter um cultura regueira forte. Bandas cearenses como Rebel Lion e Tribe of Lions já representam a cena há algum tempo. E clubes e casas de shows, como Reggae Club, localizado perto do Centro Cultural Dragão do Mar, são especializados neste gênero musical e dão espaço para o reggae roots e bandas locais. Uma das noites mais famosas do lugar é batizada de “Na ponta da agulha” e só toca pedradas jamaicanas em vinil. Quem passar por lá, vale a pena conferir.

Representando o reggae cearense, foi convocada a banda Dona Leda, com mais de 10 anos de estrada, três discos nas costas e reconhecimento do público universitário não só em Fortaleza como em todo o Brasil. O show na Concha Acústica teve momentos com o público cantando junto e a felicidade do reggae contagiando a universidade.

Verônica não morreu

Já com a Concha Acústica completamente lotada, a expectativa era para a entrada no palco da banda Veronica Decide Morrer, que tem recebido elogios no cenário musical de Fortaleza e causado frisson entre os mais moderninhos e também entre quem curte um bom rock’n'roll. O repertório da banda inclui Roberto e Erasmo Carlos, Rita Lee, Amy Winehouse, Etta James e adentra o universo “travesti transexual da transilvânia” do filme “Rock Horror Picture Show”.

Ao lado do seu parceiro nos vocais, Jonas Sampaio, transfiguração de Renato Russo com Julian Casablanca, Verónica Valenttino é a personagem travesti do cearense Jomar Carramanhos quem conduz o público para uma viagem perturbadora a um cabaré do anti-amor, sem romantismos.

Embora tudo possa parecer impactante, o que Verónica quer mesmo é não morrer e se divertir curtindo um bom rock, como diz a letra de uma de suas músicas, Aqui Jazz Você: “Eu vou dançar no seu velório / E mijar no seu caixão / Fumar as suas flores / E por fogo no salão”. Mais inocente e divertido, impossível. O resto é bobagem.