Argentina: o símbolo da nova revolução latina

Inegavelmente, a América Latina vive um momento de profunda transformação. Apesar de vários problemas e incongruências ainda vigorarem, a época atual é marcada pela ascensão social, pela mudança de postura frente aos seus colonizadores.

Por José Jonathas Pereira*

Neste contexto histórico, se o Brasil pode ser considerado o símbolo econômico deste continente, eu diria que a Argentina é o símbolo sociopolítico da “Nova Era Latina”. O recente processo de (re)nacionalização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales, a YPF, no congresso argentino, confirma a retomada da soberania dos nossos hermanos.

O petróleo é um dos bens mais valiosos do mundo, gerando riquezas astronômicas. Nas mãos do capital privado, tais riquezas não são revertidas para a população local, mas enviadas para as sedes das transnacionais. O alarde internacional em torno disso apenas reproduz o discurso imperialista, de dominação dos mais pobres pelos mais ricos. Uma manifestação imoral e mesquinha, a julgar pelo período em que a YPF foi privatizada, quando Carlos Menem era o presidente argentino. Um governo que, aliado às forças do capital financeiro internacional, destroçou a economia e o aparato público do país.

Ilhas Malvinas, ou Falkland Island para os ingleses. Talvez, a demonstração mais clara de imperialismo na América Latina. Londres fica a mais de 12 mil quilômetros dessas ilhas, enquanto Buenos Aires, capital argentina, fica a pouco menos de dois mil quilômetros! O que os ingleses ainda fazem por lá? Claro que há uma explicação. Ou melhor, duas. Uma comercial, pela recente descoberta de petróleo na região. E, porque não, militar, já que as Malvinas ocupam uma posição estratégica no continente. Vale lembrar que os britânicos são historicamente os fiéis escudeiros do “Tio Sam”…

Por conta das Malvinas, a presidente Cristina Fernández Kirchner abandonou a 6ª Cúpula das Américas, encontro que reúne os países da América, inclusive os Estados Unidos. Por não ter recebido apoio sobre sua reivindicação quanto ao conflito com os ingleses pelas ilhas, a presidente se retirou do encontro. De cabeça erguida, Cristina deixou clara sua total insatisfação com a falta de posição dos países americanos. Essa atitude representa um fato marcante para Argentina e América Latina: a presidente Kirchner não baixou a cabeça diante do poderio monarquista dos ingleses.

Papel Prensa

Outra medida que provocou reações “terroristas” da mídia do capital financeiro foi a nacionalização da Papel Prensa, empresa responsável pela produção de mais de 70% do papel jornal na Argentina. De acordo com a matéria de Eric Nepomuceno, publicada no site da Agência Carta Maior, 47% das ações são do diário Clarín, 22% do La Nación, 27% pertencem ao Estado argentino e os 4% restantes estão nas mãos de vários outros acionistas. O Clarín e o La Nación são os dois maiores grupos comunicacionais argentinos e controlavam a empresa que produz o papel de imprensa. Claramente, a coisa já começa a cheirar mal daí.

Pois bem, por serem os dois jornais mais lidos no país, ambos tinham desconto pela compra em do papel imprensa larga escala. Os jornais de menor circulação chegavam a pagar 15% a mais pela compra em menor escala. Além disso, o Clarín e o La Nación são os únicos que vendem os jornais não lidos à Papel Prensa para fins de reciclagem.

Com a nacionalização, todo e qualquer veículo de comunicação que se utilize de papel de imprensa irá comprá-lo pelo mesmo valor, independentemente da quantidade. Como cita o próprio Nepomuceno em sua matéria, com a nacionalização o papel de imprensa é declarado de interesse público. E é de fato. Sob as mãos do capital privado, isso não ocorre. Apesar de a mídia esbravejar um “a presidente Kirchner está censurando a imprensa!”, o que verdadeiramente ocorre é exatamente o contrário. Com esta medida, a veiculação de informações pelos mais diversos jornais argentinos terão o mesmo custo.

A presidente Cristina Fernández Kirchner, assim como seu marido, Nestor Kirchner, ao dar calote nos credores da dívida pública e renegociá-la para um valor 70% menor, compraram a briga com o mundo do capital especulativo. Torço para que a vitória seja do povo argentino. Já está sendo. Torço também por uma sucessão presidencial que consolide essa mudança de postura, muito corajosa e louvável.

*José Jonathas Pereira: Mestrando em ecologia e recursos naturais na UFCE