Rubens Diniz: Cúpula das Américas e a crise do pan-americanismo

A recente Cúpula das Américas, finalizada neste domingo (15), é um retrato atual da crise vivida pelo pan-americanismo impulsionado pelos EUA, e da emergência de uma nova arquitetura regional de governança. Elementos que denotam o quadro de isolamento dos EUA com a América latina.

Por Rubens Diniz*

Convocada em 1994 por iniciativa dos EUA, no governo do presidente Bill Clinton, a Cúpulas das Américas tinha como projeto inicial constituir a Área de Livre Comercio das Américas (Alca). As origens desta iniciativa provêm das Conferências pan-americanas do final do século 19 e início do século 20. Sendo a primeira convocada entre 1889 e 1890, com o propósito de conformar uma união aduaneira, uma comunidade comercial sob sua égide dos EUA. Era o nascente imperialismo estadunidense tomando medidas efetivas dirigidas a estabelecer sua preponderância sobre a região.

Leia também:

Nunca quiseram nos ouvir; em Cartagena foram obrigados
 

A Cúpula das Américas é a expressão de um pan-americanismo unilateral, hegemônico, inspirada nos preceitos do Destino Manifesto, da Doutrina Monroe e do Corolário Roosevelt. Em suas seis edições (Miami, 1994; Santiago do Chile, 1998; Quebec, 2001; Mar del Plata, 2005; Trinidad y Tobago, 2009 e Cartagena das Índias, 2012), estes encontros foram palco de intentos dos EUA de impor sua agenda sobre a América Latina e da resistência nos últimos anos de governantes da região.

A fotografia desta Cúpula é um reflexo da crise desta concepção de pan-americanismo hegemonizada pelos EUA. A agenda política na região mudou. A proposta da Alca, obstruída pelo Brasil e enterrada no encontro de Mar del Plata, foi substituída por uma visão de integração regional fundada em uma concepção de complementaridade, combate as assimetrias, solidariedade e harmonia.

A emergência de uma nova arquitetura regional, da prioridade na interação da América do Sul através da Unasul, da constituição de fóruns regionais como a Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos, Celac e de iniciativas como o Mercosul e a Alba, são exemplos deste contexto.

O encontro anterior em Trinidad e Tobago (2009) foi marcado pela repercussão imediata da vitória de Obama e sua promessa de relançar as relações com a América Latina.

No entanto, os últimos quatro anos a política estadunidense para a América Latina manteve o mesmo perfil. A busca por transferir a crise econômica para os países do sul, o apoio ao golpe de Estado em Honduras, a manutenção do funcionamento da Quarta Frota, a instalação de novas bases militares na Colômbia, a continuidade do bloqueio a Cuba e uma política de ingerência em países como Venezuela, Bolívia e Equador, são exemplos da ação dos EUA na América Latina nos últimos anos.

A resposta dos países latino-americanos veio nesta Cúpula. Na reunião de chanceleres que precedia o encontro de presidentes, em duas ocasiões, na votação sobre a participação de Cuba no encontro e no reconhecimento da soberania da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, os EUA obtiveram, além de seu próprio voto, somente o do Canadá. Nunca antes seu isolamento havia sido tão grande.

Merece destaque a participação do Brasil. Ao reafirmar suas criticas à política de combate à crise desenvolvida pelos EUA, ao defender a participação de Cuba e o reconhecimento da soberania argentina sobre as Malvinas, a presidenta Dilma foi uma das principais vozes questionadora da política estadunidense para a região.

Um exemplo disto se dá quando a presidente Dilma passa um “pito” em Obama, no momento em que ele discorria sobre as relações comerciais entre ambos os países e foi interrompido pela brasileira que fez referencia à Embraer, que recentemente teve um contrato quebrado nos EUA, tendo sido amplamente aplaudida.

Ao insistir na idéia de que a relação deve ser “entre iguais”, a presidente resgata a visão do Barão do Rio Branco de que o pan-americanismo para ser o que se propõe deve ser multilateral e fundado em uma relação entre iguais. Sem acordo sobre esta concepção, o mais provável é que esta tenha sido a última Cúpula neste formato.

*Rubens Diniz é da Comissão de Relações Internacionais do PCdoB e Secretário Geral do Cebrapaz.