Mário Augusto Jakobskind: A mídia que torce pela morte de Chávez
Acompanhar o noticiário dos jornalões brasileiros e latinoamericanos sobre a Venezuela e em especial a doença do Presidente Hugo Chávez acaba se tornando um exercício sobre a mídia. Serve para o mundo acadêmico elaborar teses que ajudariam aos futuros profissionais de imprensa a refletir o conceito de parcialidade e imparcialidade.
Por Mário Augusto Jakobskind*, no Direto da Redação
Publicado 13/04/2012 19:44
Cerca de 19 milhões de eleitores poderão votar para Presidente no próximo dia 7 de outubro. O "poderão" fica condicionado a vontade de cada um, porque o voto por lá não é obrigatório. Neste momento, em plena pré-campanha, as atenções se voltam para o tratamento que o Presidente Chávez está se submetendo em Cuba.
Até bem pouco tempo, o noticiário da doença vinha de Miami através de fontes como Roger Noriega, um funcionário do Departamento de Estado norte-americano que há um ano prevê a morte do líder da Revolução Bolivariana, que estará se submetendo a décima sétima eleição desde que foi escolhido presidente em 1998.
De algumas semanas para cá, o Brasil substituiu Miami, cujo filme está queimado. As agências de notícias geralmente começam os informes assinalando que "segundo o jornal brasileiro O Globo" e também "segundo o jornalista brasileiro Merval Pereira". O complemento tem sido sempre a indução da notícia segundo a qual Chávez está muito mal com metástese e pode não resistir a campanha eleitoral.
De vez em quando surge como "informante" o jornalista Nelson Bocaranda, muito familiarizado entre grupos anticastristas de Miami, para dizer que Chavez vai fazer isso e aquilo, mas poucas previsões se confirmam.
No último comentário de Merval Pereira, com base em Bocaranda, o leitor fica na prática com a certeza de que Chávez está nas últimas. O jornalista tinha anunciado também que o Presidente venezuelano viria para o Brasil continuar o tratamento contra o câncer no hospital Sírio-Libanês de São Paulo, fato desmentido menos de 24 horas depois da revelação de Merval Pereira, que de quebra ainda "informou" que o tratamento em Cuba foi mal feito etc e tal.
Há informações nos bastidores que o jornalista brasileiro está inserido em um esquema internacional que visa exatamente induzir os leitores dos mais variados quadrantes a acreditar que não adianta votar em Chávez porque ele está nas últimas.
A direita internacional, capitaneada pelo Departamento de Estado norte-americano sabe prefeitamente que o seu candidato, Capriles Radowsky, não tem condição de reverter o quadro de vitória de Chávez e que a estratégia que lhe resta é exatamente a que está sendo colocada em prática e vem sendo executada com a ajuda de Merval Pereira, o jornalista que na prática virou um setorista da doença de Chávez, só que com base em informações distorcidas.
De um modo geral o noticiário demonstra claramente a vontade do jornalista de que Chávez morra o mais rápido possível. Não se está fazendo jornalismo, mas sim uma estratégia que se põe a serviço de uma causa, exatamente a de impedir a continuidade de um processo de transformação em curso na Venezuela e com reflexos em toda a América Latina.
É preciso deixar claro o seguinte: a eleição na Venezuela é fundamental para o atual momento latinoamericano. Uma vitória consagradora de Chávez, como até agora indicam as pesquisas, representará o avanço no processo de transformação em todo o continente. Já uma vitória do esquema Capriles Radowsky & Departamento de Estado norte-americano significaria um retrocesso
A direita venezuelana mudou de estratégia e procura apresentar Capriles Radowsky não mais como o extremista que sempre foi, inclusive militante do grupo de direita católico Tradição, Família e Propriedade (TFP), apoiador incondicional da frustrada tentativa de golpe de abril de 2002, incluisive com participação direta no cerco à embaixada cubana em Caracas.
Na tentativa de mudança de imagem, como se sabe, dois marqueteiros do governador Sergio Cabral foram contratados para cuidar da imagem de Capriles, apresentado agora como seguidor de Luis Inácio Lula da Silva, que restabelecido da doença deverá participar, em Caracas, em julho, da reunião do Fórum de São Paulo, o organismo político que reúne os partidos de esquerda da América Latina. Lula deverá confirmar seu apoio a Chávez.
Este sinteticamente é o quadro atual da pré-campanha eleitoral venezuelana. Não será nenhuma supresa se figuras como Fernando Henrique Cadoso e outros políticos do gênereo forem acionados pelos marqueteiros de Radowsky, sobretujdo depois da declaração de apoio de Lula a Chávez. Não será nenuma supresa também que qualquer dia destes o candidato da direita apareça no Brasil, quem sabe a convite do Instituto Millenium.
O ex-presidente brasileiro (FHC) esteve recentemente em Caracas participando, juntamente com o ex-premier espanhol Felipe González e o ex-presidernte chileno Ricardo Lagos de debate sobre os rumos da economia mundial. Os três mencionados são responsáveis em seus países por modelos econômicos que – para ser mais suave – deixaram a desejar.
González, socialista, não se diferenciou em seu governo em termos concretos dos partidos defensores de estatégias neoliberais, como o direitista Partido Popular, de José Maria Aznár e do atual chefe do governo espanhol Mariano Rajoy. Lagos, no Chile, levou adiante o esquema da chamada Concertación, que não conseguiu mudar a política neoliberal inicada pelo ditador Augusto Pinochet.
Depos de esgotado o modelo da Concertación, o Chile hoje está às voltas com Sebastián Piñera, o presidente que também não se difere muito do esquema anterior, mas com o agravante de ter ressucitado companheiros de Pinochet e de ter servido ao ditador.
Fernando Henrique Cardoso é conhecido por estas bandas como defensor do Estado mínimo, embora em seus artigos dominicais nos jornalões tente induzir os leitores a pensar ser ele um político moderno.
E, para finalizar, aqui no Brasil seguem os reflexos da manifestação realizada no último dia 29 em frente ao Clube Militar. Nos sites de seguidores do ideário da época da Guerra Fria, um deles o coronel Brilhante Ulstra, militares da reserva, utilizando-se da mesma estratégia dos serviços de inteligência da ditadura, estão apresentando as imagens de jovens considerados por eles como responsáveis pela manifestação com fotos e os ameaçando de processo pelo "crime" de se exprimirem contra quem comemorava o golpe de 1 de abril de 64.
Ah, sim: um dos palestrantes no Clube Militar foi o jornalista Aristóteles Drumond, citado na página 229 do livro de René Dreifuss "A Internacional Capitalista – Estratégia e Táticas do Empresariado transnacional 1981-1986" como responsável por levar ao Chile dinheiro e armas para o grupo extremista Patria y Libertad, que conspirava contra o governo de Salvador Allende.
Este é o nível dos que comemoravam no Clube Militar o golpe contra Jango.
*Correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes – Fantástico/IBOP