Rádio Debate relembra 40 anos da Guerrilha do Araguaia
Nesta quinta-feira, dia 12 de abril, completam 40 anos do início da Guerrilha do Araguaia, um marco na história do Brasil liderado pelo PCdoB. Movimento guerrilheiro existente na região amazônica brasileira, a guerrilha lutava pela democracia no país e exerceu papel primordial para o fim da ditadura militar.
Publicado 12/04/2012 13:58 | Editado 04/03/2020 16:29
O tema foi abordado no programa Rádio Debate, veiculado pela Universitária FM, na tarde desta quinta-feira. Participaram das discussões o Presidente Estadual do PCdoB, Carlos Augusto Diógenes (Patinhas); o Secretário Estadual de Comunicação, Inácio Carvalho; e Tânia Gurjão, irmã do cearense Bergson Gurjão, que tombou lutando na guerrilha.
Bergson Gurjão
O estudante universitário cearense teve grande atuação durante a guerrilha e seu nome teve destaque nacional após, quase quatro décadas, ter os restos mortais identificados e ser enfim sepultado em Fortaleza.
Tânia destacou que o contato com o irmão o familiar. “Eu não conheci o Bergson guerrilheiro. A gente não tinha nenhuma informação sobre a atuação dele na clandestinidade. Todos nós lá em casa tivemos uma formação com lado social muito forte e legítima”, ratifica. O último contato entre os irmãos, antes dele partir para a região do conflito, deu-se sem muitas explicações. “Ele me falou que iria estudar na antiga Tchecoslováquia e que ninguém se preocupasse. Caso acontecesse alguma coisa, o Partido daria notícias. Foi quando desconfiei que ele estava omitindo informações para nos preservar”, recorda. “Foi a última vez que nos falamos”.
Patinhas relembrou a convivência próxima que teve com Bergson. “Nós éramos contemporâneos, ele estudante de Química e eu da Engenharia. Atuamos juntos no DCE ele sempre se mostrava espontâneo e alegre. Era uma liderança querida por todas as forças e tinha forte influência no movimentos estudantil”.
Além de Bergson, outros três cearenses também participaram da Guerrilha do Araguaia e são desaparecidos políticos: Teodoro de Castro (estudante de Farmácia), Jana Barroso (que atuava no movimento estudantil no Rio de Janeiro) e Custódio Saraiva (estudante secundarista).
Sobre a Guerrilha
O Presidente do PCdoB/CE ressaltou que muito se fala dos que tombaram na guerrilha, mas outros crimes também foram cometidos durante o confronto. “Além dos mortos, são incontáveis os números de torturados, dentre eles inclusive os camponeses que moravam na região”.
Patinhas destacou durante a entrevista datas relevantes para o movimento armado. “O dia 12 de abril foi uma delas. Esta data marca o início dos combates, quando os moradores da região foram atacados por tropas militares. Os futuros guerrilheiros ainda estavam se organizando para iniciar as ações. Outra data emblemática foi o dia 25 de dezembro de 1973, quando foram mortos muitos combatentes, dentre eles o comandante Maurício Grabois”.
Inácio Carvalho, Secretário Estadual de Comunicação do PCdoB/CE, também participou do debate. Ele ressaltou a herança de resistência que ainda hoje caracteriza a região. “A guerrilha aconteceu numa região de fronteira entre os estados do Maranhão, Goiás (norte do estado, hoje Tocantins) e Pará. Até hoje percebemos que são constantes os conflitos na área e as pessoas defendem seus direitos de forma organizada”.
Para Patinhas, o movimento armado liderado pelos comunistas exerceu grande papel para o fim da ditadura. “Estávamos no período mais difícil da repressão. Os militares afirmavam que não existia mais resistência ao regime e qualquer tentativa de levante era logo liquidado. Mas com o Araguaia, a informação sobre a luta pela defesa da democracia foi passando de boca em boca, e isso contribuiu para criar novo ânimo. Nossa atuação contribuiu para acelerar o fim da ditadura”, considera.
O dirigente comunista considera importante a herança que a Guerrilha do Araguaia deixa para o país. “Quando há opressão, falta de liberdade, há reação. Com quase três anos de resistência, o Araguaia foi derrotado de certo ponto de vista, mas com viés libertário foi um movimento que contribuiu para a democracia em que vivemos hoje”, ratifica.
Questionado pela audiência do programa sobre a falta de informações da guerrilha, Inácio Carvalho considera que a abertura de espaços como o Rádio Debate contribuem para uma maior divulgação sobre o movimento. “Há pouco tempo atrás, seria inimaginável a veiculação deste tema, e isso tem grande significado para nós, comunistas. Assim como os guerrilheiros abriram espaço na mata para conseguir ultrapassar as barreiras, hoje continuamos abrindo espaços para falar dessa luta. A guerrilha é episódio que se junto às jornadas heróicas do nosso país”.
Comissão da Verdade
A instalação da Comissão da Verdade pelo Governo Federal também foi tema abordado durante o Rádio Debate. Para Carlos Augusto Diógenes, é importante que a comissão possa atuar no sentido de esclarecer os crimes militares que ainda hoje não foram solucionados. “Defendemos a comissão e a importância de serem apurados os crimes e que as famílias possam ter de volta seus parentes. Este é o movimento da consciência democrática do país e consideramos que é preciso avançar na consolidação da democracia brasileira”, reforça Patinhas. Apenas dois corpos de desaparecidos políticos foram identificados. Além de Bergson Gurjão, o da paulista Maria Lucia Petit.
Inácio Carvalho destacou a declaração do Major Sebastião Curió, que comandou os militares na mais dura repressão à guerrilha, que admitiu ter prendido e executado 41 pessoas na região do conflito. “Ele confessou o crime e admitiu ter infringido a Convenção de Genebra. A Corte de Direitos Humanos da OEA determina que se esclareça o que houve durante o regime. Defendemos que as forças armadas se reaproximem da sociedade e reconhecer que alguns seguimentos cometeram erros é um passo para isso. A luta por democracia ainda continua. No Estado Brasileiro existem entraves que impedem que a verdade venha à tona".
Durante o debate, Tânia Gurjão fez um questionamento. “Se os militares estão protegidos e dizem que os crimes foram prescritos, por que insistem em manter em sigilo?”. Mesmo já tendo recebido os restos mortais do irmão, que por quase quatro décadas foi considerado desaparecido político, Tânia ainda fala em nome das famílias que perderam parentes em confrontos. "Queremos enterrar nossos mortos, se ainda existe pó, queremos esse pó. As famílias somos todos nós", defende.
Emocionada, a irmã do guerrilheiro cearense fez um apelo. “Peço em nome do Bergson aos defensores da nossa pátria para que sejam abertos os arquivos da ditadura e possamos recuperar os corpos dos nossos entes queridos. Se os militares já estão beneficiados com a prescrição dos crimes, não há o que temer. Eles, como pais e mães, devem pensar nisso”.
De Fortaleza,
Carolina Campos (Fotos: Raquel Chaves)
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