Mauro Santayana: Demóstenes e a privatização do jogo
Há males que vêm para bem. A situação do Senador Demóstenes Torres, devido às suas ligações com o contraventor Carlinhos Cachoeira e a divulgação de conversas gravadas – segundo as quais o parlamentar do DEM teria promovido reuniões da cúpula da máfia dos caça-níqueis em seu próprio apartamento funcional, com o objetivo de discutir estratégias visando à legalização do jogo – nos oferecem a oportunidade de discutir o futuro dessa atividade no Brasil.
Por Mauro Santayana, em seu blog
Publicado 09/04/2012 16:14
De vez em quando, ouvem-se pronunciamentos, no Congresso Nacional, articulados ou não, em defesa da legalização dos bingos ou dos cassinos e caça-níqueis. Alegam que a alteração constitucional poderia dinamizar a indústria do turismo e aumentar a distribuição de renda, gerando milhares de empregos.
Ora, se o jogo, nas mãos do Estado, vai tão bem – ninguém discute o resultado da Loteria Federal, da Quina ou da Mega-Sena, ou suspeita de desvio do dinheiro arrecadado – por que privatizar a atividade?
Em todos os lugares do mundo, sabe-se, sobejamente, que a jogatina, quando entregue à iniciativa privada, não se resume a tomar dinheiro, principalmente de velhinhas e aposentados. Os cassinos e os bingos, assim como as máquinas de pescar moedas, quando não estão sob o controle do Estado, sempre acabam sob o controle de grupos mafiosos. O jogo em mãos mafiosas favorece outras atividades criminosas, como a lavagem de dinheiro, a corrupção da polícia, a prostituição e o tráfico de drogas.
Ninguém precisa ver um filme americano ou visitar Las Vegas para saber como isso é verdade. Há alguns anos, eu estava hospedado em um flat próximo aos Jardins, em São Paulo, cujo nome poderia citar aqui, se quisesse, quando reparei que, todos os dias, às seis, sete da tarde, muitos estrangeiros vestidos esmeradamente de terno, se reuniam no lobby e depois, partiam, um a um ou de dois em dois, em diferentes carros, tomando variadas direções, na noite de São Paulo.
Curioso, me aproximei deles e reparei, pelo sotaque, que eram corsos. E não corsos comuns. Tratava-se de compatriotas de Napoleão que, apesar dos ternos caros, tinham caras de poucos amigos.
Quando saíram, me aproximei do porteiro e perguntei quem eram. – é o pessoal do bingo – respondeu, entre reverente e tímido – cada um toma conta de uma casa. E são mais de vinte…
Vendo a reação daquele porteiro, imaginei aquele bando de corsos que, na minha época, teriam a cara cortada a navalha pela malandragem que conheci nos meus tempos de repórter de editoria de polícia – exercendo a sua arrogância e prepotência em cima de centenas de garçons, porteiros, motoristas e garçonetes brasileiras. Quando deixei o hotel, levei o fato às autoridades, o que não deu em nada.
Há empresários e nobres deputados e senadores preocupados com os empregos do bingo? Simples. Faça a Caixa Econômica Federal um convênio com o SENAC, treinem-se, capacitem-se, cozinheiros e garçons, manobristas, recepcionistas; instalem-se nas futuras casas de bingo ou cassinos, máquinas como as que existem hoje nas agências lotéricas, para controlar a entrada e a saída de dinheiro; abram concursos para a contratação do pessoal, e mãos à obra.
Os empregos das pessoas de quem houvesse trabalhado nessas casas, quando clandestinas, poderão ser preservados, milhares de outros serão criados e o dinheiro perdido pelos incautos apostadores, e auferido pelo sistema, será revertido, como já ocorre com as loterias, em beneficio de toda a sociedade.
É claro que sempre haverá espertas raposas para dizer que o governo não deve mexer com bingo. Que é um absurdo o governo entrar em uma atividade que, em outros países, é explorada pela iniciativa “privada”; que o papel do governo é cuidar, e que está cuidando mal, da saúde e da educação; que a questão do jogo no Brasil – como é o caso do “bicho”, por exemplo – está uma bagunça, que é preciso determinar como irão funcionar as coisas, como será calculado o ganho dos apostadores, qual será a “parcela” da União, Estados, Municípios na féria. Que não sendo o jogo coisa de governo, que o poder público deveria “terceirizar” essa atividade, entregando a sua exploração a “empresários” de “fora”, que tenham experiência, associados a brasileiros.
O caso do Senador Demóstenes Torres, apanhado em ligações perigosas, permitiu que, ao menos por enquanto, as uvas cobiçadas pela raposa – a privatização do jogo no Brasil – ficassem, repentinamente, verdes. Quando essa discussão amadurecer de novo, esperemos que ela seja conduzida levando-se em consideração não os interesses de meia dúzia de malandros, mas, sim, os de todo o povo brasileiro.