“Começaram o desmonte de fato”, afirma trabalhador da TV Cultura
O processo de privatização da TV Cultura começou em 2004, no governo Geraldo Alckmin. Na gestão de Marcos Mendonça, a diretora Julieda Puig de Paz começou o desmonte com um “Planejamento Estratégico” que resultou em pouco mais de 300 demissões.
Por Fábio Nassif*
Publicado 31/03/2012 13:37
Já era o projeto de transformar a TV em uma “grande prestadora de serviços”. No final da gestão passada, quando José Serra já havia deixado o governo para disputar a Presidência pelo PSDB, o seu vice, Alberto Goldman, então no cargo, indicou o nome de João Sayad para a presidência da Fundação Padre Anchieta. Sayad, de volta a um governo Alckmin, está completando o projeto.
Esta é a visão de Sérgio Ipoldo Guimarães, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão no Estado de São Paulo e funcionário da TV Cultura há 25 anos, que acompanhou de perto o desmonte da tevê educativa do Estado – um projeto tucano, uma vez que não sofreu solução de continuidade ao longo dos dois últimos governos do PSDB.
Em entrevista à Carta Maior, Guimarães aponta a pouca transparência na gestão da emissora, nos últimos governos, e para o uso eleitoreiro da “privatização” da Cultura para empresas de jornalismo. “Eu acho que nas campanhas os caras do PSDB serão beneficiados por meio desses veículos”, afirmou. Abaixo, a íntegra da entrevista:
Carta Maior: Em sua opinião, quando começou o processo de privatização da TV Cultura?
Sérgio Ipoldo Guimarães: Se eu não me engano em 2004, na gestão do Marcos Mendonça, quando eles colocaram uma diretora chamada Julieda Puig de Paes. Ela tinha um cargo de superintendente, mas era uma espécie de interventora. Ela começou a fazer uma série de levantamentos sobre a emissora e instituiu um café da manhã com os funcionários que, na verdade, serviu para sugar informações dos próprios trabalhadores – por exemplo, se determinado setor tinha muita gente, se poderia funcionar com menos trabalhadores e esse tipo de coisa. Sabe como é, o peão quando tem oportunidade de conversar com alguém grande da empresa, se sente parte da empresa e acaba prejudicando a vida dele mesmo. Isso findou com 300 e poucas demissões e também com um documento que ela fez chamado “Planejamento estratégico”. E este documento previa tudo o que está acontecendo hoje.
Carta Maior: O que dizia esse documento?
SIG: A síntese era que a TV Cultura viraria uma grande prestadora de serviços, que é o que está acontecendo. Haviam contratos com a TV Justiça, Tribunal Superior Eleitoral e mais uns seis ou sete nesta esfera do Legislativo e do Judiciário. Não sei se houve algum problema político que impediu João Sayad de mantê-los, mas de resto o projeto foi mantido: a Univesp – que virou um canal – e várias parcerias com a Secretaria de Cultura. Ou seja, você tem um plantel mínimo, faz a rescisão de alguns contratos de trabalhadores provisórios que geralmente não incluem alguns direitos trabalhistas e não podem gerar processos judiciais contra a emissora. Assim, reduziram drasticamente a folha de pagamento.
Carta Maior: E as demissões?
SIG: O que o Paulo Markun e Marcos Mendonça não concretizaram desse planejamento estratégico da Julieda, o João Sayad está fazendo. Mas tem um diferencial nas demissões. Desta vez eles estão eliminando postos de trabalho. Segue esta lógica, da diminuição das equipes e a compra desses enlatados, como é com a Folha de S. Paulo. Eu acho que agora eles começaram o desmonte de fato. Até então eles demitiam, mas depois contratavam e mantinham mais o menos o mesmo número de funcionários. Agora não, eles estão peitando inclusive algumas estabilidades. Na última leva foram demitidas quatro ou cinco pessoas que são ditas estáveis lá por aquela coisa chamada Constituição de 88. Acharam uma brecha jurídica pelo fato de estarem aposentados.
Carta Maior: Falta transparência nesta gestão?
SIG: Nós já fizemos há algum tempo atrás denúncias com indícios de rolo pra Procuradoria das Fundações. Recebemos um retorno de um procurador solicitando mais subsídios para tal denúncia, sendo que cabe ao Ministério Público esse papel. Vamos ver se agora com mais entidades e mais força conseguimos recolocar estas denúncias. Teve o episódio da TV Assembleia, por exemplo, quando foi afastado o diretor de comunicação Antonio Rudnei Denardi e o ex-diretor da Cultura Alberto Lucchetti. Nós já havíamos denunciado, mas a Procuradoria das Fundações ignorou. Tem rolo pra todo lado. Eu acho que só se tiver muita pressão da sociedade esses promotores fazem alguma coisa.
Carta Maior: Outros direitos trabalhistas foram retirados?
SIG: Já tiveram processos de trabalhadores aposentados demitidos que foram reintegrados. Para nossa surpresa, mandaram embora esses quatro ou cinco que estão nesta situação e existem outros que mais cedo ou mais tarde podem sofrer o mesmo ataque. No dia 10 haverá uma reunião do Conselho da Fundação Padre Anchieta. Precisamos fazer uma mobilização lá na frente.
Carta Maior: Qual sua opinião, especificamente sobre o contrato com a Folha, Estadão, Veja etc?
SIG: A informação que a gente tem é que a Folha não está pagando absolutamente nada. O que é pior. Deve estar pagando de alguma outra forma.
Carta Maior: Passou pelo Conselho esse contrato?
SIG: Segundo o deputado Simão Pedro (PT), passou em um dia em que ele não estava e houveram várias ausências. Eles nem enviam as pautas antes das reuniões do Conselho ou mandam muito em cima. As pessoas vão pra lá sem saber o que vão discutir.
Carta Maior É preciso democratizar o Conselho?
SIG: Com certeza precisa democratizar. Em primeiro lugar, o Conselho dificilmente tem quórum. Só quando tem eleição seus integrantes se mobilizam. De resto, não tem representatividade da sociedade. Nem pegar boletim dos trabalhadores da TV Cultura eles pegam. Qual o compromisso que eles tem com a TV? Outra questão que ilustra o problema do Conselho: os dois sindicatos que representam as categorias, dos radialistas e dos jornalistas, não têm assento. Tem uns poucos que podemos contar e mesmo assim falham.
Por exemplo, um cara da União Nacional dos Estudantes (UNE) faz discursos na reunião da Frente Paulista pela Democratização da Comunicação mas não aparece nas reuniões do Conselho. Nós recebemos a ata, pelo e-mail interno da TV, um mês depois das reuniões, então sabemos quem comparece. Os deputados também: dependendo do ano de eleição, podemos contar ou não com eles. E são sempre poucos. Além deles, tem os reitores de universidades, secretários municipais e estaduais e essas personalidades indicadas pelos conselheiros que não ajudam.
Carta Maior: De quem é a responsabilidade por esse processo de privatização?
SIG: Do governo do Estado de São Paulo.
Carta Maior: Acha que existe corrupção e mal uso da verba pública?
SIG: Com certeza, pois qual a transparência que temos? Só como exemplo, os trabalhadores que são chamados para gravar as reuniões do Conselho, são orientados a ligar o equipamento e sair da sala. Qual o problema de um funcionário que está trabalhando ouvir o que está acontecendo, se é um órgão público? Nós não sabemos porque eles gravam as reuniões, pois só recebemos o que dizem ser a íntegra da ata. As propagandas, parcerias, balanços financeiros não são divulgados em lugar nenhum.
Carta Maior: Por que escolheram especificamente esses veículos para usarem espaço na TV Cultura?
SIG: Isso tem fim eleitoreiro. Eu acho que nas campanhas os caras do PSDB serão beneficiados por meio desses veículos.
Carta Maior: Posso publicar tudo isso ou você corre algum risco?
SIG: Pode. Já estou mais riscado do que tudo.
Fábio Nassif é jornalista.
Fonte: Carta Maior