ONU apoia denúncia contra Curió; Justiça protege torturador
A alta comissária adjunta das Nações Unidas para Direitos Humanos, Kyung-wha Kang, deixou claro que, na visão da ONU, a Lei de Anistia não blinda crimes relacionados com o desaparecimento de pessoas e devem ser investigados. A entidade apoia a iniciativa do Ministério Público Federal de denunciar o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura. Já a Justiça Federal no Pará rejeitou denúncia do Ministério Público para prender Curió.
Publicado 20/03/2012 18:29
Com base na Lei de Anistia, de 1979, o juiz federal João César Otoni de Matos considerou um "equívoco" o pedido dos procuradores. Em nota divulgada à tarde, Otoni de Matos diz que o Ministério Público não apresenta elementos "concretos" na denúncia contra Curió.
"Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição", diz o juiz.
Juiz: desaparecidos não bastam?
O Ministério Público apresentou à Justiça o argumento de que o desaparecimento dos guerrilheiros é um sequestro qualificado e um crime continuado, pois os militantes não apareceram. Os procuradores argumentaram que o crime, por ter "caráter permanente", não estaria coberto pela Lei de Anistia, de 1979. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que a anistia foi ampla, geral e irrestrita, perdoando agentes do Estado que cometeram crimes.
Ao rejeitar o pedido, o juiz Otoni de Matos afirma que, em 1995, o Estado reconheceu as mortes dos guerrilheiros que estiveram no Araguaia e, para qualificar um crime de sequestro, não basta o fato de os corpos dos militantes não terem sido encontrados.
"Aliás, dada a estrutura do tipo do sequestro, é de se questionar: sustenta o parquet (Ministério Público) que os desaparecidos, trinta e tantos anos depois, permanecem em cativeiro, sob cárcere imposto pelo denunciado? A lógica desafia a argumentação exposta na denúncia", diz o juiz federal.
ONU apóia denúncia
“Nossa visão é de que leis de anistia não cobre o desaparecimento”, disse a número dois da ONU para Direitos Humanos. “A avaliação é que não há anistia sobre um crime que continua no tempo e, portanto, ele pode e deve ser investigado”, explicou. A avaliação dos juristas na ONU é de que, assim como um sequestro sem uma conclusão, o desaparecimento de uma pessoa não pode ser um crime que tenha prescrição.
O coronel comandou as tropas que atuaram na região em 1974, época dos desaparecimentos de Maria Célia Corrêa (Rosinha) Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Corrêa (Lia).
A notícia foi vista como um “passo positivo” por alguns dos principais nomes da ONU na construção do direito internacional nos últimos anos. Para Louis Joinet, ex-relator da entidade por 30 anos e que atuou em diversos países no esforço de criar leis para combater o desaparecimento de pessoas, a iniciativa do MPF é “um alívio”.
Na quarta-feira (14) a líder do Bloco PCdoB, PT, PSB na Câmara dos Deputados, Luciana Santos, comemorava emocionada a iniciativa do MPF:
Militares
Sobre a reação de militares brasileiros de que a iniciativa é “revanchismo”, Kyung-wha Kang entende os comentários como “naturais”, mas diz que a tendência em vários países é a de seguir com os processos, mesmo com resistências.
Segundo ela, a ONU tomou a decisão de agir em um caso similar ao que foi aberto no Brasil. “Na Guatemala, decidimos enviar uma comunicação a uma corte que está julgando um caso também de desaparecidos”, disse.
A alta comissária adjunta não dá qualquer indicação, por enquanto, se a ONU vai agir também no caso brasileiro. Mas a cúpula da entidade já vem insistindo que o governo brasileiro precisa agir para permitir que os crimes cometidos durante a ditadura sejam investigados.
Nos últimos anos, a ONU tem adotado uma postura cada vez mais clara de que leis de anistia e pactos nacionais fechados em períodos de transição têm impedido que as vítimas sejam devidamente reparadas.
Na entidade, princípios como o direito à verdade ganharam um novo status nos últimos anos. Para os especialistas da organização, não há um modelo único de lidar com o passado e cada sociedade deve encontrar sua forma. O que a ONU insiste, porém, é que o silêncio é a única opção que não pode ser considerada.
O Brasil também já foi condenado pela OEA (Organização dos Estados Americanos) por não tomar nenhuma medida relativa às mortes praticadas pela ditadura militar durante a Guerrilha do Araguaia.
Da Redação, com agências