Memorial do Guerrilheiro Glênio Sá – Cidadão Natalense – II
Por Walter Medeiros*
Publicado 19/03/2012 07:31 | Editado 04/03/2020 17:07
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Outra forte lembrança vem de uma noite de 1976, na qual, por acaso, conheci o amigo, futuro cunhado da minha mulher e vizinho. Foi no Braseiro, um bar da orla marítima de Natal, um dos pontos preferidos pelos estudantes universitários para conversar sobre política, mesmo cientes de que eram sempre observados por policiais disfarçados. Naquela noite, como que num desabafo incontido, o ex-guerrilheiro contou parte da sua história a três companheiros. Desde as lutas como secundarista, em Fortaleza, até a vida clandestina no Norte, a peregrinação pelas prisões e a libertação. Ele trabalhava pela implantação do Partido, cujos documentos reconstituía através de citações ouvidas nas transmissões da Rádio Tirana, da Albânia ou de algum registro em jornais alternativos.
Minha chegada à Universidade se deu em 1974. Fazia o curso de Direito, que dividia um bloco com o Curso de Serviço Social. Aos poucos os alunos reestruturavam suas entidades dentro do que permitia o Decreto 477, uma norma que proibia estudante de se manifestar e fazer política partidária. O campus era coalhado de policiais disfarçados nas salas de aula e corredores. Qualquer assunto político, para eles, comprometia a segurança nacional e era motivo para o estudante ser chamado a depor na Assessoria de Segurança e Informação – ASI.
Era, porém intrínseco o sentimento de revolta pela falta de liberdade de expressão no país, onde havia também uma Lei de Segurança Nacional que proibia a imprensa de divulgar informações que não passassem pela censura. Alguns jornais tentavam levar uma mensagem democrática, mas eram perseguidos e empastelados freqüentemente. Os estudantes sentiam prazer, apesar do medo, em ajudar jornais chamados de alternativos, como o Movimento, Em Tempo e EX, que noticiavam fatos não divulgados pelos jornais convencionais.
Reunidos num aparelho que funcionava no quarto dos fundos de uma casa, Glênio, eu e Graça sintonizávamos a Rádio Tirana, da Albânia. Em meio à audição, o guerrilheiro lembrou dos tempos em que não sabia ainda qual seria seu destino. E começou, emocionado, a falar sobre suas lembranças. Recordou que em maio de 1969 era estudante e foi preso no Crato, porque estava tentando junto aos meus colegas rearticular a União de Estudantes. A prisão foi divulgada no Correio do Ceará, quando ele foi recambiado para Fortaleza. O jornal dizia que ele tentava fazer uma rearticulação subversiva. Dizia também que tinha participado de uma reunião secreta, na qual fizera severas críticas ao regime e ao mesmo tempo conclamara a participação de uma representação da região caririense em uma reunião grande que seria realizada em Fortaleza, em fins daquele mês.
A primeira prisão tinha sido tão marcante, que ele lembrava mais detalhes da notícia, a qual chamava a sua participação de manobras. A notícia dizia ainda que ele tinha distribuído boletins considerados subversivos pelas autoridades. Ele esteve preso na Delegacia Especial daquela cidade, do Crato – relembrava. Lembrava também que somente no outro dia prestou depoimento, sendo ouvido oficialmente pela Polícia Federal. Eles achavam que o seu depoimento poderia determinar a efetivação de novas prisões, inclusive dos demais que participaram do encontro secreto. Glênio ficou recolhido a um dos xadrezes da Polícia Militar, em Fortaleza, e no dia seguinte saiu outra notícia no jornal. Desde 1968 ele participava ativamente do movimento estudantil secundarista. Foi preso outra vez, depois de liberado, em 1969.
*Jornalista