Walter Aranha Capanema: caldo amargo
O Brasil tem a triste mania de copiar os outros países, tanto nas coisas ruins, quanto nas boas. No caso, estamos copiando uma péssima.
Por Walter Aranha Capanema*
Publicado 14/03/2012 18:10
Os Estados Unidos, recentemente, criaram um projeto de lei chamado Stop Online Piracy Act, conhecido pela sigla SOPA, que, com o propósito de acabar com a pirataria na Internet, mataria a própria rede, ao destruir a liberdade de expressão.
Pois bem: copiamos essa ideia tola de vigiar a Internet. O deputado Walter Feldman (PSDB/SP) propôs o projeto de lei nº 3336/2012, que dispõe “sobre a proteção dos direitos de propriedade intelectual e dos direitos autorais na Internet”.
Esse PL é uma versão menor e abrasileirada do temível SOPA, razão pelo qual recebeu já ganhou o apelido pejorativo de “Caldinho”.
Assim, a “autoridade registradora” (o CGI.br) terá de implantar um sistema que permita notificações (denúncias) de sites que estejam praticando o crime previsto no art. 184 do Código Penal, ou seja, violando direito autoral (art. 3º).
Se essa notificação corresponder a uma prática criminosa, ou se existir uma decisão judicial nesse sentido, o CGI poderá declarar o site como “Sítio de Internet Infrator” (art. 4º).
Essa “menção honrosa” provocará os seguintes efeitos: o provedor de internet deverá:
• “I – bloquear o acesso dos usuários de seus serviços ao Sítio de Internet Infrator;
• II – bloquear a resolução do Nome de Domínio em Endereço IP do Sítio de Internet Infrator;
• III – suspender o funcionamento dos sítios de Internet domésticos que forem classificados como Sítio de Internet Infrator;
• IV – bloquear o acesso aos nomes de domínio e endereços IP dos sítios de Internet domésticos ou estrangeiros classificados como Sítio de Internet Infrator;” (art. 5º).
Se não bastasse isso, ainda há uma pena de banimento: as ferramentas de busca deverão retirar dos seus resultados qualquer referência ao site infrator (art. 6º).
E, ainda, copiando as disposições do SOPA, há o golpe de misericórdia: o corte dos pagamentos online (art. 7º) e da publicidade no site (art. 8º).
Dentre tantos erros, o mais perigoso é conferir poder a um órgão administrativo para tomar todas essas medidas apenas a partir de uma notificação, que é uma simples medida extrajudicial.
O ilustríssimo deputado esqueceu de algumas garantias que são caras a um Estado Democrático: o contraditório e a ampla defesa, que estão previstos no art. 5º, LV, da nossa Constituição Federal. Imagine causar essa série gigantesca de sanções sem que o proprietário do site possa se apresentar sua defesa, com suas razões, argumentos e provas?
E, pior, a interpretação do art. 184 do Código Penal é muito ampla: o que é “violar direito autoral”?
Exige-se, sem dúvida, uma combinação da legislação criminal com a Lei de Direitos Autorais – LDA (Lei 9.610/98), mas, mesmo assim, situações absurdas surgem.
O exemplo sempre citado pelos doutrinadores é a impropriedade do art. 46, VIII da LDA, que dispõe que não constitui violação do direito autoral a “a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes (…)”.
Logo, o que não for considerado “pequeno trecho”, será qualificado como crime.
São 10 linhas? 200 caracteres? 2 Mb de texto puro? A lei é silente. Cada pessoa interpreta da sua maneira.
Como as regras jurídicas não são claras, temos uma séria situação de insegurança jurídica. Qualquer site poderá ser bloqueado de acordo com a interpretação de alguém.
O direito autoral, sem dúvida alguma, é importantíssimo para a evolução cultural, social e econômica de uma sociedade, mas a sua proteção não deve inviabilizar a liberdade de expressão, que é uma grande vitória da democracia.
*Walter Aranha Capanema é Advogado. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).
Fonte: blog Trezentos