Jaime Sautchuk: Antártica puxa Alcântara
A tradição popular brasileira ensina que, quando alguma coisa não vai lá muito bem, há que se pôr "fogo no rabo", para que ande. É o efeito que deve ocorrer com a desgraça do incêndio na base brasileira na Antártica, na semana retrasada, destruindo edificações, equipamentos, material de pesquisa e matando dois militares da Marinha.
Por Jaime Sautchuk*
Publicado 10/03/2012 10:31
A previsão é do ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antônio Raupp, nas incontáveis reuniões e entrevistas de que tem participado após o acidente. Pela maneira com que ele tem tratado do assunto, podemos recorrer a outro dito popular: "há males que vêm para o bem".
A principal notícia que ele deu, inclusive em reunião com onze cientistas de instituições que têm pesquisa na Antártica, foi a de que a base será reconstruída de imediato. Levará pouco mais de um ano para ficar pronta, num formato moderno, até mesmo na técnica para produção de energia elétrica, que será principalmente solar e eólica.
A base no gelo será beneficiada, também, por outra novidade divulgada pelo ministro. Mas esta é relacionada ao Programa Espacial Brasileiro, cujos prazos previstos em seu cronograma serão encurtados. Assim, o satélite geoestacionário brasileiro será lançado, segundo ele, já em 2014 e, não, em 2020, como vinha sendo programado.
Os testes com um novo veículo lançador serão realizados já em 2013, para que no ano seguinte esteja pronto para transportar o satélite que dará alguma autonomia para o Brasil nas telecomunicações. A própria base da Antártica estará em conexão com os pontos de controle em solo brasileiro através desse novo satélite, que terá amplo uso militar e civil.
Por isso, os recursos para as duas bases serão ampliados, tanto na esfera da ciência e tecnologia, como na militar. Seu discurso coincide, aliás, com o do ministro da Defesa, Celso Amorin, que já colocou os dois navios oceanográficos da Marinha à disposição dos pesquisadores para que sirvam de bases temporárias a seus projetos.
Ambos asseguram que há dinheiro para isso, seja no âmbito dos próprios ministérios, seja nas reservas que a União mantém para situações de emergência.
Entra em cena também o Ministério das Relações Exteriores, que negociará espaços temporários com países que mantêm bases próximas à do Brasil, na Antártica. Aliás, o Itamaraty já agradeceu formalmente aos governos do Chile e de outros países que ajudaram os brasileiros que estavam na base no dia do incêndio.
Como é de amplo conhecimento público, para jogar no espaço seu VLS (Veículo Lançador de Satélites), o Brasil vem enfrentando sérios problemas, com pressões que vêm principalmente dos Estados Unidos. Os dois primeiros foguetes lançados na Base de Alcântara, no Maranhão, tiveram de ser explodidos no espaço, por desvios de rota, em 1997 e 1999.
O terceiro foi alvo daquela explosão nebulosa, em 2003, ainda em terra, dias antes de ser lançado, em que morreram 21 pessoas, entre técnicos e cientistas brasileiros. Havia técnicos estadunidenses na base naquele dia, mas não foram atingidos pela explosão.
É forte a pressão para que o Brasil não entre na chamada corrida espacial. Não é nem só pelo controle estratégico do espaço, um assunto de ordem militar. O domínio de tecnologia nesse campo, porém, incomoda aqueles que hoje dominam a área. E aí entra o aspecto que, no fim das contas, é o que mais interessa: o econômico.
São poucas as empresas no mundo que controlam o setor. Por coincidência, as mais poderosas são estadunidenses. Mas, colocar o satélite no espaço requer, primeiro, o domínio da tecnologia do foguete, que o Brasil tem capacidade de construir, como já o fez. Mas isto, por enquanto, em parceria com algum país que tope transferir tecnologia.
Aqui, vale uma explicação. Os dois maiores detentores de conhecimento neste campo são os EUA e a Rússia, herdeira do aparato central da antiga União Soviética. O que eles querem evitar é que novos países entrem no grupo dos que já detêm tecnologia de VLSs, um negócio de bilhões e bilhões de dólares por ano.
Atualmente, os países que formam esse grupo, além dos dois maiores, são China, Índia, França, Israel, Japão, Ucrânia, Coréia do Norte e Irã. Dois desses sistemas têm linhagem genealógica bem clara. O de Israel é filhote dos EUA. O da Ucrânia vem da antiga URSS, mas hoje sem interferência da Rússia. Os demais têm fontes próprias, ainda que em parceria com os maiores.
Para obter plena capacidade de lançamento, no entanto, o Brasil fez um acordo com a Ucrânia, assinado pelo ex-presidente Lula. Foi criada uma empresa binacional brasileiro-ucraniana denominada Alcantara Cyclone Space, que, no Brasil, tem sede em Brasília e na Base de Alcântara, no Maranhão.
Esse, pelo adiantado das coisas, é o caminho mais fácil para o Brasil encurtar o percurso para ter seu foguete de lançamento. Mas aí é que o bicho pega. Sempre houve, no próprio governo brasileiro, quem discordasse da parceria com a Ucrânia, em favor de uma abertura para o setor privado, que iria favorecer empresas dos EUA.
Por isso, o acordo com a Ucrânia, embora formalmente em funcionamento, vem sendo levado meio em banho-maria. São fortes as pressões dos EUA e também da Rússia para que o a parceria não funcione. Mas, agora, parece que as ondas das comunicações via espaço irão andar com mais rapidez. Pelo menos é o que indica o ministro Raupp, após longas conversas com a presidente Dilma Rousseff.
Nisso tudo, há a vantagem de que Marco Antônio Raupp não é um político que virou ministro. Ele é um cientista, que trata com profundo conhecimento desses assuntos e com respaldo no Palácio do Planalto.
* Jornalista, escritor, trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS. É colunista e colaborador do Vermelho