Elias Jabbour: Cromwell, Gorbachev e a China
“Mentiras convencionais” travestidas de “bom senso econômico” é mais comum do que imaginamos. Vira e mexe aparece um “especialista” para vaticinar as ditas (não) verdades convencionais sobre a China: “cresce porque acumulou poupança interna” (sic), “a inflação é uma ameaça” (sic), “sobreinvestimento na indústria pesada” (sic), “o sistema financeiro está por um fio” (sic), “trabalho escravo, cuidado” (sic).
Publicado 04/03/2012 09:19
Existem verdades a serem lamentadas: “os oligopólios são estatais”, “O Estado é pesado”, “o câmbio é manipulado”, “o crédito é estatizado e politizado”, “o mercado é um passarinho na gaiola”.
A China não cresce porque poupou antes de investir. Na China o que meus amigos keynesianos chamam de “princípio da demanda efetiva” não é observada de forma “estática” e sim “dinâmica”. Ou seja, o “princípio da demanda efetiva” foi alçado à política oficial de Estado, logo instrumento de planejamento, assim como o próprio comércio exterior. Para isso existe o sistema financeiro e o crédito. “Poupança financeira” é com Wall Street e não com Wanfuging Street.
Inflação em países com as características da China se soluciona com manejo de alguns mecanismos macroeconômicos e aumento da produção agrícola e industrial. A produção de cereais da China cresceu pelo oitavo ano consecutivo e bateu um novo recorde este ano, chegando a 571,21 milhões de toneladas, uma alta anual de 4,5%. A produção industrial cresceu 13,5%. Assim, o “problema da inflação” foi domado e decresceu no último semestre de 2011. O crescimento de 9,2% em 2011 pegou de surpresa a todos. Menos os chineses, evidentemente.
Mas este “problemático” país, na falta de viabilização de uma solução líbia, precisa gestar urgentemente um Cromwell, pronto para matar o rei (no caso, o Partido Comunista da China). Cromwell está muito longe. Pode ser um “Gorbachev chinês”. É assim que a cada dez anos que os “especialistas em China” estabelecem parâmetros para a análise da sucessão presidencial no país. Jiang Zemin foi o primeiro Gorbachev chinês. A China entrou na OMC e está subvertendo a ordem estabelecida em Bretton Woods. Hu Jintao foi alçado ao mesmo status do apóstata soviético. Outro problema, pois em sua gestão encerrou um amplo processo de fusões e aquisições culminando na formação de 149 conglomerados estatais, o país tornou-se a segunda economia do mundo, Karl Marx tornou-se o autor estrangeiro mais comentado nas universidades e as Obras Completas de Marx e Engels estão prontas a serem editadas – pela primeira vez na história – em inéditos 100 volumes.
Agora o candidato a Gorbachev, o atual vice-presidente Xi Jinpeng, é o “novo príncipe”, ou seja, um filho de burocratas que ascendeu ao poder por seu “guangxi” (contatos). A ignorância como argumento impede os “especialistas” perceberem que numa sociedade confuciana onde uma revolução nacional-popular (1949) mobilizou toda a sociedade, o que mais existe são “filhos de príncipe”.
Sua visita recente aos Estados Unidos foi mais um “sinal”, segundo a imprensa norte-americana, de que agora vai. Gorbachev está vivo na China! Nada. Antes de desembarcar em Washington, Xi Jinpeng deu uma passada em Cuba onde assinou 36 contratos de investimentos e deixou por lá US$ 2 bilhões para os “irmãos socialistas cubanos” (nas palavras do próprio candidato à Gorbachev chinês) pagarem quando puder. “Fundo perdido” como tem sido nos últimos dez anos da relação entre os dois países. Nem Brejnev fez melhor.
Sinal de frenesi. A “revolução capitalista” está a ser completada na China. Abertura da conta de capitais no horizonte. É verdade, está bem no horizonte. No mínimo cinco anos. A doença da “análise estática” parece não ter cura. Se for pela “dinâmica” dará para se perceber que abertura da conta de capitais deve ser precedida pelo fortalecimento de empresas internamente. Firmas capazes de agüentar o tranco da concorrência externa. Os chineses tiveram 30 anos para construir as condições para uma abertura lenta, gradual e segura de suas contas de capitais. E com sistema financeiro agindo de acordo com os interesses nacionais e os instrumentos cruciais do processo de acumulação sob controle de mãos bem visíveis.
A taxa de juros é baixa e o que mais se transaciona nos mercados de capitais chineses são ações de “empresas públicas concedidas para empresas públicas” voltadas a financiar imensas obras de infraestrutura. O dinheiro de fora deve servir, no limite, para financiar imensas empresas públicas. Operações de hedge fund serão bem improváveis.
Mas o “nó estratégico” é outro. O yuan deverá se tornar conversível, logo moeda de troca no comércio internacional. Petróleo e outras commodities em breve serão transacionados em yuan. Pela “dinâmica”, no fundo quem tinha razão era Keynes. Os chineses estão ressuscitando a agenda apresentada (e infelizmente derrotada) por John Maynard em Bretton Woods. Como bons comunistas, os chineses leram e levaram á sério o britânico genial. Será o início do fim da hegemonia do dólar? Essa é a questão a ser respondida.