Paul Craig Roberts: Silenciar os críticos
Em 2010, o FBI invadiu a casa de ativistas pela paz em vários estados e apreendeu bens pessoais, no que chamou (e tendo orquestrado falsos “grupos terroristas”) de investigação de “atividades relacionadas com o apoio ao terrorismo”.
Paul Craig Roberts*
Publicado 25/02/2012 23:06
Os que protestavam contra a guerra foram intimados a depor perante um júri, enquanto a acusação fabricava o argumento de que a oposição às guerras de agressão de Washington representa apoiar e encobrir terroristas. O objetivo destas buscas e intimações era refrear e desmobilizar o movimento anti-guerra.
Na semana passada, de uma assentada, os últimos dois críticos do imperialismo de Washington / Tel Aviv foram eliminados dos grandes meios de comunicação social. O popular programa de Andrew Napolitano, Freedom Watch, foi cancelado pelo canal Fox, e Pat Buchanan foi despedido da MSNBC. Ambos especialistas tinham muitos espectadores e eram apreciados por falarem com franqueza.
Muitos suspeitam de que Israel usou a sua influência junto dos anunciantes da TV para silenciar os que criticam os esforços do governo israelita para levar Washington para a guerra com o Irã. A questão é que a voz dos grandes meios de comunicação é agora uniforme. Os norte-americanos ouvem uma voz, uma mensagem, e a mensagem é propaganda. A dissidência é tolerada apenas em assuntos como, por exemplo, saber se os cuidados de saúde a cargo dos empregadores deverão incluir contraceptivos. Os direitos constitucionais foram substituídos por direitos a preservativos grátis.
Os média ocidentais demonizam aqueles a quem Washington aponta o dedo. As mentiras chovem para justificar a agressão de Washington: os Talibã são misturados com a Al-Qaeda, Sadam Hussein tem armas de destruição massiva, Kadhafi é um terrorista e, ainda pior, dava Viagra aos seus soldados para que violassem as mulheres líbias.
O Presidente Obama e membros do Congresso, ao lado de Tel Aviv, continuam a afirmar que o Irã está a construir uma arma nuclear, apesar de terem sido publicamente desmentidos pelo Secretário de Estado da Defesa dos EUA, Leon Panetta, e pelo relatório dos Serviços Secretos da CIA. De acordo com relatórios noticiosos, o chefe do Pentágono, Leon Panetta, disse aos membros da Câmara dos Representantes, a 16 de Fevereiro, que “Teerã não tomou uma decisão quanto a prosseguir com o desenvolvimento de uma arma nuclear” (ver aqui).
No entanto, em Washington, os fatos não contam. Apenas os interesses materiais de poderosos grupos de interesse têm importância.
Neste momento, o ministério da verdade [1] norte-americano divide o seu tempo entre mentiras relativas ao Irã e à Síria. Houve recentemente algumas explosões na longínqua Tailândia e o Irã foi responsabilizado por isso. Em outubro passado, o FBI anunciou a descoberta de uma conspiração iraniana para pagar a um vendedor de carros usados mexicano que teria contratado traficantes de droga mexicanos para matar o embaixador da Arábia Saudita nos EUA.
O imbecil que falava pela Casa Branca afirmou acreditar nesta inacreditável conspiração e declarou ter “fortes evidências”, mas nenhuma foi divulgada. O objetivo do anúncio desta conspiração foi justificar as sanções de Obama, que representam um embargo (um ato de guerra) contra o Irã pelo desenvolvimento de energia atômica.
Como um dos signatários do Tratado de Não-proliferação Nuclear, o Irã tem o direito de desenvolver energia nuclear. Os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) estão permanentemente no Irã e nunca reportaram qualquer desvio de material nuclear para um programa de armas.
Por outras palavras, de acordo com os relatórios da AIEA, o relatório dos Serviços Secretos e o atual Secretário de Estado da Defesa, não há evidência de que o Irão tenha armas nucleares ou de que esteja a fabricá-las. No entanto, Obama impôs sanções ao Irã quando a própria CIA e o seu próprio Secretário de Estado da Defesa, em simultâneo com a AIEA, reportaram que não existe base para as sanções.
A ideia de que os EUA são uma democracia, não tendo, em absoluto, uma imprensa que funcione como um observador atento é risível. Mas os média não se estão a rir. Estão a mentir. Tal como o Governo, cada vez que os grandes meios de comunicação abrem a boca ou escrevem uma palavra, estão a mentir. De fato, os grandes senhores corporativos pagam aos seus empregados para mentir. É esse o seu trabalho. Se disserem a verdade, passam à história, como foi o caso de Buchanan e Napolitano e Helen Thomas.
O ministério da verdade chama “manifestantes pacíficos brutalizados pelo exército de Assad” ao que são, na verdade, rebeldes armados e financiados por Washington. Washington fomentou uma guerra civil. Reclama a intenção de salvar o povo sírio, vítima de opressão e maus-tratos, de Assad, tanto quanto salvou o povo Líbio, vítima de opressão e maus-tratos, de Kadhafi. Hoje, a Líbia “libertada” é uma imagem do seu passado, aterrorizada por milícias em confronto. Graças a Obama, mais um país foi destruído.
Os relatórios de atrocidades cometidas contra civis sírios pelo exército poderão ser verdadeiros, mas provêm dos rebeldes que querem a intervenção do Ocidente para subirem ao poder. Além disso, em que diferem estas baixas civis das infligidas à civis no Bahrein pelo seu governo, apoiado pelos EUA, e cujo exército foi reforçado com tropas da Arábia Saudita? Não se ouvem protestos na imprensa ocidental quando Washington fecha os olhos às atrocidades cometidas pelos seus estados fantoches.
Em que diferem as atrocidades sírias, se forem reais, das atrocidades de Washington no Afeganistão, no Iraque, no Paquistão, no Iêmen, na Líbia, a Somália, em Abu Ghraib, na Prisão de Guantánamo, e em prisões secretas da CIA? Porque se mantém o ministério da verdade norte-americano em silêncio em relação a estas violações massivas dos direitos humanos e sem precedentes?
Recordem-se também os relatórios das atrocidades sérvias no Kosovo que Washington e a Alemanha usaram para justificar o bombardeamento de civis sérvios pela NATO e EUA, incluindo o consulado chinês, considerado outro dano colateral.
Treze anos mais tarde, um destacado programa de TV alemão revelou que as fotografias que despoletaram a campanha de atrocidades foram mal interpretadas e não eram fotografias de atrocidades cometidas por sérvios, mas de separatistas albaneses mortos num tiroteio entre albaneses e sérvios. As baixas sérvias não foram reveladas. (ver aqui)
O problema no conhecimento da verdade é que os media ocidentais mentem continuamente. Nas raras instâncias em que as mentiras são corrigidas, isso acontece sempre muito depois dos acontecimentos terem tido lugar e, portanto, os crimes permitidos pelos média já estão consumados.
Washington pôs a Síria em causa perante os seus fantoches da Liga Árabe, com o objetivo de isolar perante os seus congêneres, para melhor poder atacá-la. Assad evitou que Washington pusesse a Síria no caminho da destruição quando marcou um referendo nacional para 26 de Fevereiro por uma nova constituição que possa alargar a perspectiva de poder para além do Partido Baath (o partido de Assad).
Poderíamos pensar que, se Washington e o seu ministério da verdade realmente quisessem a democracia na Síria, Washington apoiaria este gesto de boa vontade por parte do partido do poder e aprovaria o referendo. Mas Washington não quer um estado democrático. Quer um estado fantoche.
A sua resposta é de que o covarde Assad enganou Washington dando passos em direção à democracia na Síria antes que Washington conseguisse esmagá-la e instalar um fantoche. Eis a resposta de Obama às medidas de Assad pela democracia: “É na verdade risível; é gozar com a revolução síria”, disse o porta-voz da Casa Branca Jay Carney a bordo do Air Force One.
Obama, os neoconservadores e Tel Aviv estão realmente contrariados. Se Washington e Tel Aviv conseguirem descobrir como contornar a Rússia e a China e derrubar Assad, irão julgá-lo como criminoso de guerra por propor um referendo democrático.
Assad era oftalmologista na Inglaterra até que o seu pai morreu e ele foi chamado para chefiar o conturbado governo sírio. Washington e Tel Aviv demonizaram Assad por recusar ser seu fantoche.
Outro ponto nevrálgico é a base naval russa em Tartus. Em Washington estão desesperados para expulsar os russos da sua única base no Mediterrâneo, para fazer deste um lago norte-americano. Washington, inculcada com visões neoconservadoras de domínio mundial, quer o seu próprio mare nostrum [2]
Se a União Soviética ainda existisse, os planos de Washington para Tartus seriam suicidas. Mas a Rússia é política e militarmente mais fraca que a União Soviética. Washington infiltrou-se na Rússia com organizações não-governamentais que trabalham contra os interesses da Rússia e irão perturbar as próximas eleições. Além disso, as “revoluções coloridas” [3] financiadas por Washington fizeram do que eram partes da antiga União Soviética estados fantoches de Washington. Washington não espera que a Rússia, esvaziada de ideologia comunista, prima o botão nuclear. Deste modo, a Rússia está lá para tirar proveito.
A China representa um problema mais difícil. O plano de Washington é cortar-lhe o acesso a fontes independentes de energia. O investimento chinês em petróleo no leste da Líbia é a razão pela qual Kadhafi foi derrubado e o petróleo é uma das razões fundamentais por que Washington aponta agora para o Irã. A China tem grandes investimentos em petróleo no Irã e vai buscar 20% do seu petróleo ao Irã. Vedar-lhe este acesso, ou converter o Irã num estado fantoche de Washington, ameaça 20% da economia chinesa.
A Rússia e a China levam tempo a aprender. No entanto, quando Washington e os seus fantoches na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) fizeram um uso abusivo da resolução da Organizações das Nações Unidas (ONU) relativamente à zona de exclusão área na Líbia infringindo-a e transformando-a numa agressão militar contra as forças armadas líbias, que tinham todo o direito de reprimir uma rebelião apoiada pela CIA, a Rússia e a China finalmente perceberam que não podem confiar em Washington.
Desta vez, a Rússia e a China não caíram na armadilha de Washington. O seu veto no Conselho de Segurança da ONU impediu um ataque militar à Síria. Agora Washington e Tel Aviv (nem sempre é claro quem é o fantoche e quem o manipula) têm de decidir se irão prosseguir face à oposição russa e chinesa.
Os riscos para Washington multiplicaram-se. Se Washington prosseguir, a mensagem que é transmitida à Rússia e à china é que, a seguir ao Irã, chegará a sua vez. Portanto, a Rússia e a China, ambas dispondo de armas nucleares, provavelmente irão pôr o pé na linha traçada sobre o Irão. Se os loucos militaristas em Washington e Tel Aviv, com a fúria arrogante que lhes corre forte nas veias, ignorarem a oposição russa e chinesa, o risco de um confronto perigoso aumenta.
Por que razão os média norte-americanos não questionam estes riscos? Vale a pena rebentar o planeta para impedir o Irã de ter um programa de energia nuclear ou mesmo uma arma nuclear? Pensará Washington que a China ignora que aquela aponta para as suas fontes de energia? Pensará que a Rússia ignora que está a ser cercada de bases militares hostis?
Que interesses estão sendo servidos pelas guerras infinitas de Washington, que custam tantos trilhões de dólares? Certamente não os interesses de 50 milhões de norte-americanos que não têm acesso a cuidados de saúde, nem os 1 500 000 crianças sem abrigo, que vivem em carros, quartos de motéis abandonados, cidades de acampamentos e coletores de águas dos temporais no subsolo de Las Vegas, enquanto enormes somas de dinheiros públicos são usados para resgatar bancos e esbanjados em guerras pela hegemonia mundial (ver aqui).
Os EUA não têm imprensa e televisão independentes. Tem prostitutas mediáticas [4] pagas pelas mentiras que proferem. O Governo dos EUA, na prossecução dos seus fins imorais, obteve o estatuto do governo mais corrupto da história da humanidade. E, no entanto, Obama discursa como se Washington fosse a fonte da moral do homem.
O Governo dos EUA não representa os norte-americanos, representa uns poucos interesses especiais e um poder estrangeiro. Os cidadãos dos EUA não contam, e certamente não contam os do Afeganistão, Iraque, Líbia, Somália, Iêmen e Paquistão. Washington encara a verdade, a justiça e a misericórdia como valores risíveis. O dinheiro, o poder, a hegemonia, são tudo o que conta para Washington, a cidade sobre a colina, a luz das nações, o exemplo para o mundo.
Notas da tradução:
[1] Trata-se de um dos ministérios do governo imaginado por George Orwell em 1984, que se ocupa de fabricar a verdade histórica conforme as conveniências políticas do momento.
[2] Os Romanos chamavam Mare Nostrum ao Mediterrâneo.
[3] “Revoluções coloridas”: muitos meios de comunicação social têm assim designado uma série de manifestações políticas no que foi território da URSS, depois CEI, supostamente contra governos e líderes “tiranos”, acusados de serem “ditadores”, etc., desde começos da década de 2000.
[4] No original: “presstitutes”
*Paul Craig Roberts estadunidense, economista e cronista. Já foi editor e colunista do Wall Street Journal.
Fonte: O Diário.Info