Pinheirinho não foi desapropriação, foi estupro social, diz líder
Desde o último dia 22, o país acompanha o drama das 1,6 mil famílias que moravam no Pinheirinho, área de 1,3 milhão de m² localizada em uma região nobre de São José dos Campos, no interior de São Paulo. A reportagem do Vermelho esteve no lugar onde antes estava organizada a comunidade, conversou com ex-moradores e pôde verificar que, além do drama de ter perdido todos os bens, eles ainda têm que enfrentar uma série de problemas e situações extremas.
Por Vanessa Silva, da Redação do Vermelho
Publicado 06/02/2012 16:26
de retirar os pertences – Foto: Vanessa Silva/ Portal Vermelho
Após a desapropriação feita às pressas pela Polícia Militar e Guarda Civil de São José dos Campos, devido a uma controvertida sentença proferida pela juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, Márcia Mathey Loureiro, as famílias foram levadas para abrigos. O líder da comunidade, Valdir Martins, o Marrom, denuncia que nesses locais “falta água, falta tudo”. E a maior parte “do que se tem hoje nos alojamentos veio de doação. As pessoas só estão sobrevivendo porque existe doação. Hoje (quinta-feira, 2) o MST veio com 4 caminhões de comida para os moradores do Pinheirinho”.
“Sem falar que as pessoas estavam cada um na sua casinha, trabalhando. Simplesmente a polícia entrou no acampamento às 6 horas da manhã, tirou o pessoal só com a roupa do corpo e depois passou os tratores e derrubou tudo. (…) Eu digo que não foi uma desocupação, foi um estupro social o que aconteceu em São José dos Campos”, sentencia Marrom. Segundo ele, hoje “as pessoas estão amontoadas. Não tem banheiro suficiente (…). Parece mais um campo de concentração do que um acampamento para pessoas”. A reportagem constatou que não se trata de um exagero.
“Moça, vai lá nos abrigos e fala pra todo mundo como é a condição lá. A gente não aguenta o calor, a sujeira dos banheiros. (…) A comida é horrível. Tem dia que nem dá pra comer. Vai lá, moça. Tira foto e mostra pra todo mundo como é que a gente tá vivendo”, pediu em tom de súplica Rita de Cássia, que trabalha como ambulante no centro da cidade.
Campo de concentração
Nos abrigos, as pessoas têm pouco espaço para transitar devido ao amontoado de colchões, roupas e outros pertences que conseguiram ser retirados antes da demolição de todas as construções do local. No alojamento, localizado no centro poliesportivo no bairro Morumbi – descrito pelos moradores como o melhor dos quatro locais destinados aos moradores – faltam janelas e os ventiladores não dão conta de refrescar o local onde estão cerca de 420 pessoas.
A adolescente Camila, de 16 anos, mãe de uma criança de três meses, reclamou da falta de chuveiros e disse que dá banho na bebê na ducha. “Falta privacidade também, né? Não tem porta entre os chuveiros e ‘todo mundo’ vê a gente tomando banho”. No entanto, ela garantiu que não faltam leite e fraldas. “É só ir lá e pedir pro guarda”.
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Para ela, a pior coisa é o barulho incessante do local: “quase não durmo”. E é taxativa: “Isso aqui é muita humilhação. Me sinto humilhada aqui. Só queria poder chegar lá, abrir a porta e estar na minha casa”. E conta que passa o dia todo sentada em cima dos colchões doados pela prefeitura: “a gente não pode sair para não perder o lugar e ninguém pegar nossas coisas”. Questionada sobre o que faz para passar o tempo ela se queixa: “nada. Aqui não tem nada pra fazer”. Como ela, tantos outros passam os dias em um ócio nada produtivo.
“Eles falam que lá tem conforto, mas eles não passam um dia lá com as esposas deles. Ele [o prefeito Eduardo Cury (PSDB)] nunca foi lá para saber como está a população lá dentro. Nunca foi”, diz Maria Sueli, que está na casa dos pais em Jacareí, mas, segundo ela, “sempre vai aos abrigos ver os amigos”.
Completa o cenário a dificuldade para colocar os filhos na escola. “não. Meus filhos não estão matriculados ainda”, diz Rita de Cássia, que tem sete filhos em idade escolar. “Como é que eu vou fazer, moça? Tô procurando casa, mas a gente não acha. Com o que a Prefeitura deu, não dá pra alugar nada”.
Aluguel social
A alternativa oferecida pelo governo para “amenizar” o drama dessas pessoas foi o chamado aluguel social, que será pago até que as famílias sejam contempladas com moradias no programa habitacional. Elas estão recebendo um cheque, no valor de R$ 500, sendo R$ 400 provenientes do governo estadual e R$ 100 do orçamento do município. Os moradores, no entanto, reclamam que o valor não é suficiente para o aluguel. “Eu tô procurando todos os dias desde que saí do abrigo, mas tá difícil. Com esse valor não dá”, reclama Rita de Cássia. Ela saiu do alojamento com a família de 11 pessoas no último dia 31. “Já rodei todas as imobiliárias e não acho nada. Não tem nada nesse valor. Eu fui achar uma casinha de R$ 700, R$ 800”.
A missão parece realmente difícil. Uma busca no site Imóveis SJC para uma casa de até R$ 500 não retorna resultados. Já a imobiliária Nova Freitas Imóveis oferece duas opções, ambas com apenas um quarto.
Além da dificuldade de encontrar o imóvel, há ainda outro problema: o preconceito contra os moradores da ocupação: “a moça da imobiliária chegou a dizer que estava com a chave lá, mas quando eu mostrei o papel dizendo que eu era do Pinheirinho, ela fingiu que estava falando com alguém e disse que a chave não estava mais lá e não quis alugar pra gente”, relata Rita de Cássia. Além disso, a falta de fiador é outro entrave. “O que eu vou fazer, moça? Eu não tenho ninguém aqui. Não tenho parente. Só meu marido, meus filhos e netos. (…) Já que eles fizeram isso com a gente, a Prefeitura deveria ser nossa fiadora. Eles tinham que dar um papel para garantir que as imobiliárias alugassem pra gente”.
A questão chegou a ser discutida, mas foi rechaçada, como conta a vereadora Amélia Naomi (PT). “A nossa proposta era que a Prefeitura entrasse como fiadora. Essa emenda do projeto não foi votada, infelizmente”. Todas as oito emendas apresentadas pela oposição foram rejeitadas, inclusive a que garantia transporte e vaga em escola para crianças do Pinheirinho.
“Eu acho que esse aluguel social do governo do estado é absolutamente insuficiente. Eles sabem que os moradores do Pinheirinho ficam estigmatizados por essas imobiliárias. Aquilo era a casa deles. (…) Então muito mais do que o aluguel social, que é uma ninharia, nós deveríamos ter uma solidariedade global e uma intervenção muito mais imediata nas três esferas de governo no sentido de garantir a moradia popular no curto prazo e mais solidariedade da ação social e não só do auxílio aluguel”, propõe o deputado Ivan Valente (PSOL/SP).
A vereadora Amélia, no entanto denuncia: “não existe uma política habitacional na cidade. Em São José dos Campos o governo é muito ligado ao setor imobiliário. A especulação imobiliária é quem manda. (…) Agora, a Prefeitura quer criminalizar e barbarizar os pobres. Infelizmente é essa a situação”. E alerta: conseguimos que o aluguel social dure “até eles conseguirem uma casa. Mas precisa ter vigilância porque neste ano, neste período em que o movimento social está organizado, vão continuar pagando, mas depois vão fazer manobras, como em outras vezes já fizeram”, diz a vereadora.
Esperança
Os moradores, no entanto, têm esperança de que o governo federal ainda possa intervir e devolver a eles a terra pela qual lutaram por oito anos. “A Dilma é a presidente. Ela pode fazer isso por nós. É só fazer as casas pra gente pagar. A gente não quer nada de graça não. Nem que a gente demorasse cem anos pra pagar, mas ia ser tudo nosso, como cidadãos”, diz Rita de Cássia.
Ela fazia curso de costura e de tapetes e pretendia incrementar as vendas e aumentar a renda familiar, mas após a desapropriação teve que parar. “Isso prejudicou muitas mães de família. Meus filhos também tiveram que sair do judô. Eu tenho até as roupas deles, eles ganhavam medalhas, mas agora vão ter que parar”. E desabafa: “Eu só queria o meu cantinho, com meus filhos estudando. Só vou ficar tranquila quando eu tiver minha casinha. Nós queremos paz, ninguém aqui quer guerra não. (…) Agora, por que o prefeito não coloca a gente em uma dessas casas que estão aí fechadas? Tem um monte de casa fechada aqui”.
Boa pergunta, Rita!