"Opção política precisa estar à frente das decisões econômicas"
O economista, professor e pesquisador, Pedro Cezar Dutra Fonseca, tem um currículo invejável. Ex-vice-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) entre 2004 e 2008, foi o ganhador do prêmio Pesquisador Gaúcho 2011, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Fonseca é considerado Pesquisador Destaque na área de Economia e Administração.
Publicado 06/02/2012 15:07 | Editado 04/03/2020 17:10
Em janeiro deste ano, aceitou gentilmente palestrar sobre a crise do capitalismo num debate proposto pela Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) realizado em Porto Alegre/RS no acampamento da juventude do Fórum Social Temático.
Nesta ocasião, concedeu entrevista exclusiva ao Portal da CTB, na qual afirma que a onda liberal de desregulamentação bancária e aumento de gastos com guerras dos Estados Unidos e países ricos da Europa nos anos 80 e 90 contribuiu para o agravamento da crise do capitalismo, e declara a necessidade de um projeto nacional que coloque "a opção política na frente das decisões econômicas". Confira abaixo.
Portal CTB: O senhor citou numa entrevista o pensamento de Celso Furtado de que a política econômica não pode ter sua estabilização como um fim em si mesmo, sendo o fim último a melhoria do bem-estar, o que se consegue com mais renda e emprego. Essa afirmação tem implícita a disputa de concepção entre o neliberalismo e o chamado novo desenvolvimentismo, sendo Furtado um teórico associado a segunda concepção. Na sua opinião, a atual crise do capitalismo é uma consequência da opção política dos países centrais do sistema pela doutrina neoliberal?
Pedro Fonseca: As crises cíclicas constituem característica inerente das economias capitalistas. A crise econômica é resultado da opção política dos governos dos países centrais, mas apenas em parte. De um lado, é claro que a onda liberal das décadas de 1980 e 1990 aumentou a desregulamentação do sistema bancário em países como Estados Unidos e Reino Unido e isso contribuiu para a majoração da crise a partir de 2008.
Também o gasto público aumentou, especialmente na área de segurança (guerras) a partir de Reagan, ao mesmo tempo em que se cortava impostos, especialmente dos mais ricos. Os governos republicanos tentaram, então, manter o equilíbrio orçamentário através do corte dos gastos sociais, mas esta medida não foi suficiente para cobrir o volume dos gastos de guerra. Mas há razões que vão além das simples opções políticas de um ou outro governo, pois são estruturais e decorrem da própria lógica do sistema, ou seja, da expansão cada vez maior das transações financeiras e do chamado “capital fictício”.
De um lado, a dificuldade de os governos e os bancos centrais criarem legislações nacionais e internacionais que estabeleçam marco regulatório à mobilidade de capitais. Por outro, a emergência da China não só como concorrente na produção de itens industriais mas como financiadora e credora de países centrais, como os Estados Unidos. Estes conseguiram manter um alto nível de consumo via endividamento, que obviamente teria limite. A situação a qual chegamos é inusitada: a nação hegemônica passou de credora e exportadora de capitais para devedora, possui balanço de pagamentos deficitário e ainda emite a moeda reconhecida como das trocas internacionais (o dólar). E não tem força suficiente para fazer com que a China reverta a política de desvalorizar sua moeda.
Portal CTB: As centrais sindicais estão realizando atos pela redução de juros como forma de geração de mais empregos, e reivindicando em favor de um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho. Por muito tempo, a ideia do projeto nacional foi considerada coisa do passado. Com a crise do sistema capitalista em nível global e a notável emergência do Brasil e outros países do Sul do mundo, a ideia do projeto nacional pode voltar a tona como uma possibilidade de superação da crise? Em caso afirmativo, seria este Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento aos moldes do que Goulart e mesmo os militares implantaram no Brasil?
Pedro Fonseca: Entendo que um projeto nacional é absolutamente necessário para o país. Ele significa a busca de um consenso, por mínimo que seja, sobre o que denominamos “longo prazo”: para onde queremos ir, como o Brasil se inserirá em mundo cada vez mais competitivo, em que setores industriais e agrícolas iremos colocar as fichas para uma aposta no futuro. Um projeto significa colocar a opção política na frente das decisões econômicas, ter consciência quanto a um rumo que se quer tomar e subordinar o mercado e as decisões privadas a essas diretrizes. Projeto não significa abolir o mercado como apregoa o pensamento neoliberal, mas delimitar seu espaço, ou seja, fazer com que o público predomine sobre o privado. Mas claro que um projeto nacional hoje deve ser diferente da época de Goulart ou dos governos militares.
Hoje o Brasil já é uma nação industrializada, a economia mais internacionalizada, a agricultura com liderança mundial em vários segmentos. O projeto tem de ser outro, o que não muda é a necessidade de se ter um projeto. Por exemplo: a opção do Brasil de ser exportador de commodities para atender a demanda chinesa é algo que deve ser um modelo para o desenvolvimento futuro, ou uma situação que sem dúvida deve ser aproveitada, mas sem correr o risco da desindustrialização? Há sentido em se comprar calçados asiáticos e fechar as fábricas do vale do Sinos? Como sustentar o crescimento de amplas faixas de população que saem da linha da pobreza e passam a demandar mais alimentos, vestuário, transportes, educação, segurança? Que setores sustentarão o nível de emprego em uma sociedade com intenso progresso tecnológico e com conseqüente liberação de mão de obra? Há questões de vulto a serem enfrentadas e respondidas; um projeto tenta concatenar e estabelecer prioridades e prazos. Se a sociedade não fizer isso de forma organizada e politizada, as respostas virão de qualquer forma – e, na maioria das vezes, de forma trágica, aumentando as desigualdades e os problemas econômicos e sociais.
Por Igor Correa Pereira, membro do Coletivo de Juventude da CTB/RS.