Luís Carapinha: Provação, luta e mudança
Já corre 2012, desafortunadamente prometido como o ano de todas as provações. Não se pense, porém, que a ameaça de tempestade perfeita que assoma no horizonte devenha da desfavorável metafísica dos astros, ostente o halo providencial da infalibilidade do destino, nem mesmo se deva ao insano exercício conjugado das vontades humanas.
Por Luís Carapinha, no Avante!
Publicado 05/01/2012 05:47
Não, as origens do contexto agravadamente adverso que sobre nós pesa, sendo bem terrenas, inscrevem-se na materialidade do ser social. Remetendo para a dinâmica e o momento da crise geral do modo dominante de (re)produção capitalista e colocando a necessidade de prosseguir a identificação das suas coordenadas concretas e a configuração das contradições prementes; de estabelecer o rumo do seu movimento e analisar a graduação e sentido dos processos distintos e diferenciados que labutam desde o seu interior. Necessidade que, tanto mais, se apresenta como exigência fundamental da própria ação revolucionária de resistência, acumulação de forças e mudança. Da luta organizada a partir de circunstâncias dadas, visando alterar a correlação de forças e assegurar o avanço transformador.
Desde as alturas a pino da finança mundial, a angustiosa constatação dos perigos que envolvem a «economia mundial» tornou-se ato corriqueiro (veja-se recentes declarações da diretora do FMI). Se há um ano a trupe encartada de ideólogos e moduladores do sistema alinhava o compasso, trombeteando aos quatro ventos os sinais inglórios de pretensa recuperação, agora é afinal reconhecida a iminência de uma queda mais cavada do que em 2008. Nos últimos meses esboroou-se o manto sagrado envolvendo a chamada «construção europeia» da UE e dentro desta o processo da moeda única, o euro, que passou a ser visto como malfadado e até ferido de pecado original. Com a zona euro convertida no foco infeccioso que ameaça os vértices da Tríade e o tecido econômico mundial, a dramatização teatral da crise pelos seus principais atores surge como água benta borrifada sobre os sucessivos e mais cruéis pacotes antissociais. No mesmo passo que a ofensiva frontal contra o mundo do trabalho atinge níveis inauditos, abocanhando conquistas históricas
No jogo do empurra e da vilanagem de Estado do capitalismo mundial, os EUA – principal fautor dos desequilíbrios econômicos que repercutem no mundo – perseguem a obsessão de escapar entre os pingos da chuva e, sobretudo, reverter o declínio hegemônico pela via da corrida armamentista e ameaça militar global.
Não se pode esquecer, contudo, que a crise capitalista não afeta o mundo de modo uniforme. Cresce a evidência do aumento do peso dos BRICS e do conjunto das potências emergentes na economia global. A trajetória de rearrumação de forças em curso no plano internacional em que desponta o papel da China representa, sem desdenhar da sua dialética e contradições, um elemento histórico de fundo no âmbito do desenvolvimento da crise no centro da arquitetura capitalista mundial. Apesar da escalada e sofisticação da ofensiva imperialista, os contornos de um mundo em transição que desafia a ordem dominante não deixaram de perpassar 2011. Bastará olhar para o outro lado do Atlântico e fixar o acontecimento maior que constituiu a cimeira fundadora da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe, realizada há um mês em Caracas. Corolário de décadas de resistência revolucionária, plasmadas no exemplo de Cuba, e dos mais de 10 anos da vaga de mudança progressista que, em contra-ciclo, atravessa a América Latina, o seu exemplo ilumina os desafios e o caráter contraditório da época. Através dos quais a imperativa justeza da luta continuará a trilhar o seu caminho libertador.
Luís Carapinha é membro da Seção Internacional do Partido Comunista Português