Publicado 28/12/2011 10:30 | Editado 04/03/2020 16:30
O início do julgamento pelo STF da ação que questiona a vinculação horária da classificação indicativa dos programas de televisão deixou preocupados os movimentos que defendem a democratização da comunicação. A tese proposta pelo PTB e encampada pelas emissoras de TV contesta o artigo 254 Estatuto da Criança e do Adolescente, e defende que elas não possam ser punidas se optarem por desrespeitar o horário determinado na classificação indicativa. Em outras palavras, que programas com fortes cenas de sexo, violência e drogas, por exemplo, possam ser exibidos a qualquer hora do dia.
Os argumentos centrais apresentados pelas emissoras são dois: o primeiro é que a determinação de faixas horárias protegidas fere a liberdade de expressão e que a classificação deve ser indicativa e não impositiva. O segundo é que a classificação seria uma tentativa do poder público de substituir o pátrio poder.
Os dois argumentos são totalmente contestáveis. Em primeiro lugar, a Constituição Federal é clara em equilibrar o direito fundamental à liberdade de expressão com o direito de crianças e adolescentes a proteção integral. O mesmo artigo 220 que garante a liberdade de expressão prevê a classificação indicativa, sendo explícito que o poder público tem o papel de informar a faixa etária e o horário em que a exibição seja inadequada. A classificação, portanto, é indicativa para os pais, mas as emissoras devem obrigatoriamente segui-la.
Ademais, em nenhum país do mundo a liberdade de expressão é tratada de forma absoluta; é sempre um direito equilibrado com outros direitos fundamentais. A visão expressa no voto do relator José Dias Toffoli, no entanto, afirma uma noção fundamentalista de liberdade de expressão, que não encontra respaldo em nenhuma democracia ocidental.
O segundo argumento também não se sustenta. Ao contrário de tentar substituir o poder dos pais, o que a vinculação horária faz é viabilizar que os pais exerçam esse poder. Primeiro porque nem sempre os pais estão em casa ao lado dos filhos. Segundo, porque a televisão é um meio intrusivo, que entra sem pedir licença e sem escolha prévia de programação pelo espectador.
Por essas razões, organizações como a Andi, Conectas, Artigo 19, Inesc, Instituto Alana, Intervozes, Conselho Federal de Psicologia e Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação estão se mobilizando para sensibilizar os ministros sobre o retrocesso que seria a aprovação da ação direta de inconstitucionalidade. A liberdade de expressão é um direito fundamental a ser defendido contra medidas autoritárias, mas não pode ser usado como desculpa para proteger interesses estritamente comerciais.
*João Brant é Mestre em regulação e políticas de comunicação pela London School of Economics e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Fonte: O Povo