A Rússia deixará a Síria sozinha?
“A Rússia deixa Damasco e a ONU se agita”, publicava com destaque o jornal francês Libération de 17 dezembro (1). O diário amarelo – propriedade do bilionário Édouard de Rothschild – se agita desde há alguns meses, em uníssono com alguns outros franceses, e reclama uma agressão ‘humanitária’ contra a Síria, vítima de infiltração de esquadrões da morte, de atiradores de elite e mercenários que recebem ajuda francesa, turca, israelense e estadunidense (2).
Por Robert Bibeau
Publicado 28/12/2011 09:59
O jornal, obediente a seu criador – membro do Estado Maior sarkozysta – se regozija bruscamente da reviravolta diplomática russa, que, na quinta-feira, 15 de dezembro, apresentava à ONU um projeto de resolução sobre a Síria cercada entre o Cáspio e o Mediterrâneo.
O leitor que lesse apenas o título e o primeiro parágrafo do artigo teria a falsa impressão de que o Krêmlin capitula completamente e se apressa a apoiar uma resolução “à la libanesa” no Conselho de Segurança da ONU. O suficiente para dizer que as aviações franco-britânicas e israelenses obteriam a autorização para bombardear a população civil, massacrar milhares de sírios sob o pretexto de impedir seu massacre – um ‘remake’ do trágico drama líbio, do “déjà vu”, escreveriam os roteiristas hollywoodianos.
A leitura atenta do artigo revela, entretanto, a verdadeira natureza do projeto de resolução que o cínico embaixador francês na ONU qualificou de “manobra russa” para enganar a ‘comunidade internacional’. Com efeito, no projeto de resolução o Krêmlin sugere condenar a violência de todas as partes (inclusive das jihads apoiadas pela Otan e dos atiradores de elite pagos pela CIA) e denuncia o ilegal fornecimento de armas e munições aos esquadrões da morte implantados na Síria por algumas potências estrangeiras, uma alusão evidente à França, à Turquia, a Israel e aos Estados Unidoss (3).
A posição da diplomacia russa mudou muito pouco, se é que não tomou efetivamente a iniciativa de uma resolução do Conselho de Segurança a fim de permitir aque os jornalistas a soldo da AFP, Liberation, Le Monde, Figaro, TV França 1 e TV França 2 acreditem na mentira de um suposto isolamento de Damasco no cenário internacional, o que é estritamente falso. Um grande número de países apóiam o governo sírio, mas os meios de comunicação ocidentais não informam sobre isso.
Cada pessoa tem o direito de se perguntar por que esse compromisso da diplomacia russa que até agora tinha condenado todo tumulto na Síria. Algumas páginas adiante o jornal Libération fornece a resposta a essa questão.
Depois de 18 anos de negociação entre o Krêmlin e a Organização Mundial do Comércio (OMC) – os Estados Unidos levantaram recentemente seu veto –a Rússia ingressa na OMC. Eis, então, por trinta dinheiros (4).
A mais longa maratona de negociação da história da OMC tem por resultado a capitulação de Washington e a vitória do modelo da organização. Contudo, o povo russo não deve esperar nada dessa adesão, a não ser a submissão de sua economia nacional aos ditames desse organismo de comércio internacional. A Europa está há muito tempo sujeita a essa ditadura com os resultados financeiros e comerciais que conhecemos.
A política e a diplomacia sem princípios dos poderosos deste mundo dão frequentemente lugar a esse tipo de negociação. A Rússia traiu a Síria em benefício dos Estados Unidos que em troca acomodam a Rússia junto à OMC. Mas astuta Rússia tenta não entregar o encomendado e praticar sutilezas sobre a redação do documento a apresentar ao Conselho de Segurança. Pois a Rússia mantém uma velha aliança militar com a Síria e mantém uma base militar em Tartous no Mediterrâneo. As potências imperialistas jogam assim sem levar em consideração a vida dos povos que lhes são submetidos.
O editorialista do jornal Le Monde informou sobre as maquinações russas para obter seu bilhete de entrada na OMC, sem entregar a redação de resolução desejada e propõe como alternativa criar um “grupo de contato” sobre a Síria, ao qual o primeiro interessado, o governo sírio legitimo, não seria convidado, nem a China, nem numerosos países que apoiam a Síria. Somente participariam a Rússia vendida, a Liga Árabe de triste fama, e a ‘comunidade internacional’ de Sarkozy e de Obama, ou seja, alguns países que presentemente armam e financiam ilegalmente os jihadistas infiltrados, os bandidos em liberdade e os atiradores de elite pagos por seus cúmplices e que atacam a população síria nas ruas de Homs e Alepo (5).
Um tal “grupo de contato” sobre a Síria organizaria complôs contra o povo sírio idênticos ao grupo de contato criado há anos sobre a questão da colonização e da ocupação da Palestina pelos criminosos de guerra sionistas com o único resultado de assistir complacentemente ao bombardeio de Gaza, a cidade mártir, e de condenar o Hamas por ter resistido ao extermínio.
A Rússia defende aqui seus interesses imperialistas e joga com a vida dos sírios para obter algumas vantagens para os seus – a França e os Estados Unidos defendem seus interesses imperialistas e fazem complôs para derrubar o governo de Bachar Assad que consideram subserviente ao Krêmlin, a fim de impor um novo governo subserviente ao palácio dos Campos Elíseos. Qual o interesse do povo sírio em tudo isso?
Todas essas potências complotadoras esperam que em seguida a rota para Teerã será aberta para as hordas bárbaras europeias e as legiões estrangeiras do Norte. Todos esses bandidos se esquecem que Bagdá sob dominação iraniana bloqueia sempre a rota para os poços iranianos e que o Estreito de Ormuz é sempre vulnerável às armas de Teerã (6).
Triste “Primavera árabe”, em que os revoltosos sofrem e morrem na Praça Tahrir, em Tunis, no Bahreïn ou em Sanaa, pensando em contribuir para libertar seus países devastados pela peste imperialista de uma aliança como de outra, de um campo como de outro, cassando um tirano antes que outro se instale no trono dos “Reis negros árabes” para impor as mesmas submissões, as mesmas traições, as mesmas colaborações com as potências que maquinaram para lhes impor. Toda essa farsa leva o nome de democracia burguesa em neocolônia ; é dessa paródia de democracia impopular que os povos devem se livrar. O poder dos povos árabes está na rua, bem na ponta do fuzil (7).
(1) Libération. Sábado e domingo, 17/12/2011, página 10.
(2) “O embaixador americano em Damasco recruta insurgentes”. Sílvia Cattori. 27/11/2011.
(3) dailymotion.com>
(4) “A Rússia integra finalmente a OMC”. Libération, sábado e domingo, 17/12/2011, página 19.
(5) “É preciso criar um grupo de contato ssobre a Síria”. Le Monde, segunda-feira, 19/12/2011, página 1.
(6)france-irak-actualite.com
(7) “O plano americano do Grande Oriente Médio bate asas”». Robert Bibeau, 19/10/2011.