Bloqueio a Cuba é política permanente dos Estados Unidos
No contexto das complicadas relações entre Estados Unidos e Cuba, o professor Luis Renê Fernandez-Tabio é um dos acadêmicos que mais se aprofundaram no tema, com 20 anos de experiência profissional vinculados aos estudos da política gerada em Washington, entre outras disciplinas sociológicas e científicas com impacto internacional.
Por Jorge V. Jaime *
Publicado 27/12/2011 06:13
Fernández-Tabio é pesquisador do Centro de Estudos Hemisféricos e sobre os Estados Unidos da Universidade de Havana (CEHSEU), e antes esteve vinculado ao Centro de Pesquisas sobre Ásia, África e América Latina, do Instituto de Ciências Sociais, com sede na capital de Cuba.
Ele é também doutor em Economia da Universidade de Havana e mestre da Universidade de Carleton, Ottawa, no Canadá, e foi entrevistado por Prensa Latina.
Prensa Latina: Professor, chegando ao final do ano de 2011, poderia falar-se neste período de uma “flexibilização” do bloqueio imposto pelos Estados Unidos a Cuba?
Fernandez-Tabio: Embora há muitos anos a política dos Estados Unidos em relação a Cuba continue centrada nas sanções econômicas, as autoridades norte-americanas na prática a definem como uma estratégia baseada nas chamadas "Duas vias".
No governo de George W. Bush tendeu-se a restringir a implementação da chamada segunda via que é – explicando em grandes traços – o esforço sistemático de Washington por influir na sociedade e realidade cubanas a partir das comunicações, viagens familiares e remessas monetárias.
Durante a administração de Clinton, esta mesma política era definida como a chamada diplomacia povo a povo.
É certo que Barack Obama flexibilizou algumas medidas relacionadas com as viagens e as remessas. Estes grupos de medidas e outras táticas aplicadas por Obama, como um discurso mais moderado e um relativo maior nível de comunicações, são elementos positivos em certo sentido.
Contudo, deve ficar claro que nenhuma dessas medidas elimina o bloqueio, nem as sanções unilaterais, que têm funcionado tal como na época da administração de Bush. Hoje se mantêm o bloqueio e as sanções a Cuba no mesmo nivel.
O organismo encarregado de aplicar o bloqueio, dentro do esquema do Departamento do Tesouro, é conhecido por sua sigla em inglês: Ofac. Esta entidade ditou sanções muito fortes a organizações e bancos que mantiveram alguma relação econômica com Cuba, dificultando em um grau extremo vínculos da Ilha com outras nações.
Esta é uma política de ingerência que não tem cessado. Recentemente, se aplicou um castigo deste tipo contra um banco alemão, o Commerzbank, por meio de uma multa de US$ 175,5 mil. São elementos que evidenciam que a política coercitiva contra Cuba se mantém.
O bloqueio não foi aliviado em nenhum sentido, ao tempo em que essas medidas da mencionada segunda via têm voltado ao nível do período da administração Clinton, e inclusive em alguns aspectos se ampliaram ainda mais.
O atual presidente estadunidense facilitou algumas ações relacionadas com viagens e remessas monetárias. Sem dúvida, um elemento positivo, mas assim como o bloqueio se mantém intacto em todas as suas partes, praticamente similar ao momento em que Obama entrou na Casa Branca.
A complexa engrenagem do cerco econômico e financeiro não permite relações diretas entre entidades empresariais cubanas e entes comerciais norte-americanos, e torna mais difícil as possibilidades de viagens, as compras de alimentos e outras mercadorias, devido ao labirinto dos créditos e a exigência de pagamentos em dinheiro e à vista, entre outros requerimentos pesados.
PL: Como você avalia as últimas ações e reações contra Cuba impulsionadas pela comunidade direitista conservadora cubano-americana, radicada majoritariamente nas cidades de Miami e Nova Jersey?
FT: As pesquisas mais recentes demonstram que, do total dos residentes ou vinculados a essa mesma comunidade cubano-americana, 61% se opõem à introdução de leis que pretendam restringir, por exemplo, as viagens familiares à nação caribenha. E entre aqueles cidadãos registrados como votantes, o critério é que 54% se opõem a este tipo de normas.
Isto é um fato que sem dúvida põe para pensar setores da direita que sempre trataram de manipular as políticas em relação a Cuba. Um setor que não quer que estas mudanças ocorram porque conhece que tais tendências pressagiam o fim do bloqueio.
Um setor de direita que não quer que estas aberturas aconteçam porque sabe ademais que isto beneficiaria o povo cubano quanto à renda através do setor do turismo.
Neste ponto, os próprios princípios que Washington pretende defender em sua filosofia são prejudicados por uma política de pressão e bloqueio a Cuba, ou seja, são prejudicadas as próprias liberdades individuais dos estadunidenses, que hoje não podem viajar livremente a Cuba.
A última rejeição ao bloqueio que se conseguiu dentro dos setores progressistas por meio de diversas atividades dá uma esperança no sentido de que é possível frear medidas como a recém impugnada emenda maquinada pelos congressistas Marco Rubio e Mario Diaz-Balart, um plano que teria revertido o tema das viagens a Cuba.
Estas forças progressistas que já viveram essas sanções durante a administração Bush se uniram e conseguiram impedir esse passo. Isso não significa que devam ser esperadas outras mudanças mais radicais, mas é um tipo de anteparo, porque é a primeira vez que se fecham as portas no Congresso a uma medida de tal natureza.
A maioria dos emigrados cubanos residentes nos Estados Unidos depois dos anos 1980 e 1990 são os que mais têm relações com Cuba e mais vínculos familiares e, portanto, sabem que estas leis os afetariam muito.
Eles representam a existência de uma maioria de cidadãos cubano-americanos, que a partir de dentro dos Estados Unidos se manifesta, em diferentes níveis, contra o bloqueio imposto por Washington há meio século.
Também devemos esclarecer que as pesquisas refletem que não se trata de uma massa homogênea. Os emigrados mais recentes são os mais favoráveis às medidas de alívio, em geral estamos diante de expressões que provavelmente estão entrando em um novo momento histórico.
PL: Que conclusão podemos extrair a respeito da histórica, insistente e sustentada política hostil e agressiva do governo dos Estados Unidos para com Cuba?
FT: Desde o tempo dos chamados pais fundadores, os Estados Unidos têm demonstrado interesse na posse de Cuba, entre outros aspectos, por sua situação geográfica. Historicamente, os Estados Unidos trataram de absorver a Ilha para que este país regressasse à esfera de influência norte-americana, isso tem sido um elemento permanente e que perdurará.
Os Estados Unidos consideram Cuba um espaço estratégico econômico fundamental e sobre essa questão não há discussões possíveis por parte da classe política dominante em Washington. As variações sobre este tema estão somente nos métodos para fazer valer este antigo objetivo da Casa Branca.
Todas as políticas norte-americanas estão montadas nessas alternativas únicas, que baseiam suas metas de mudar Cuba e tentar desenhar um país que incube sua rendição política perante o vizinho poderoso do norte.
Não importa quantas condenações das Nações Unidas o bloqueio receba, os Estados Unidos mantêm um sistema estratégico arbitrário que eles identificam como unilateralismo. Atuem com ou sem a anuência da ONU, as diretrizes do poder estadunidense são sempre agir unilateralmente.
Eles consideram que podem fazê-lo porque se consideram a única superpotência global sobretudo em duas frentes importantes: a militar e o setor midiático, da informação.
Não obstante, ao constatar exemplos como a recente constituição da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, entre outros foros continentais, confirmamos que já estão muito longe os tempos em que os Estados Unidos podiam pressionar a América Latina, como elo de suas manobras para tratar de alcançar suas velhas e sempre frustradas pretensões de isolar Cuba.
*Chefe da Redação de América do Norte da Prensa Latina.
Tradução da Redação do Vermelho