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Renato Rabelo: Crise pode criar oportunidades para o Brasil

Em entrevista ao Vermelho, o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, fez uma ampla análise do cenário econômico e político no Brasil e no mundo. O dirigente nacional fez um balanço do primeiro ano de governo da presidente Dilma Rousseff e classificou o atual quadro de crise como um dos grandes desafios a serem enfrentados.

Por Mariana Viel

“A defesa do país diante de uma situação como essa é garantir o nosso desenvolvimento, abrindo caminho para os objetivos do governo e pelos quais o PCdoB tem lutado”, afirmou.

Renato falou ainda da liderança e do prestígio que Dilma conquistou diante da nação e da tentativa da mídia reacionária de impor uma agenda ao governo federal. “A grande mídia procurou colocar o governo na defensiva, atacando-o com bandeiras demagógicas e que eles sabem que têm uma influência grande em setores da sociedade”.

Segundo o dirigente comunista, o agravamento da crise econômica tem como consequência o aumento da luta anticapitalista e anti-imperialista.

Ele explica que à medida que os governos e o próprio sistema capitalista demonstram incapacidade de apresentar soluções para a crise, os confrontos aumentam. “Cada vez mais os povos vão tomando consciência de que os obstáculos maiores são as grandes potências imperialistas e o capitalismo, que se chocam objetivamente contra eles.”

Dividida em duas partes, a entrevista de Renato Rabelo ao Portal Vermelho será publicada neste sábado (24) e domingo (25). Leia abaixo a primeira parte da entrevista:

Vermelho:
Qual o balanço que você faz do governo da presidente Dilma Rousseff diante do cenário de agravamento da crise econômica mundial em 2012?
Renato Rabelo: Podemos salientar que é um primeiro ano de governo em que a presidente Dilma está diante de desafios muito importantes. O primeiro é que o Brasil está inserido em um quadro de crise mundial, econômica e financeira de grandes proporções – que em nossa avaliação é uma crise estrutural do capitalismo. Uma grande questão é como o país se defender e não ser envolvido por essa crise que passa por uma fase aguda – que tem como centro a Europa. A defesa do país diante de uma situação como essa é garantir o nosso desenvolvimento, abrindo caminho para os objetivos do governo e pelos quais o PCdoB tem lutado.

Vermelho: Como você analisa as medidas tomadas esse ano pelo governo para tentar deter os efeitos da crise no Brasil?
Renato Rabelo: O governo procurou ver como começar a diminuir os juros levando em conta que a inflação – que é sempre um perigo na nossa realidade – poderia ser contornada não através de um processo em que se estabeleceria um plano de metas para essa inflação em um prazo maior. Antes se procuraria estabelecer um prazo menor, ou quase que imediato, para manter a inflação no centro da meta.

Ao mesmo tempo, o governo passou a adotar uma postura de tentar baixar os juros num momento em que os círculos financeiros exigiam ainda pelo menos a manutenção desses índices. Esse foi um sinal importante que o governo atual deu. Rompendo inclusive com uma espécie de protocolo existente – o que o mercado financeiro definia o Banco Central seguia. Acho que foi um passo importante do governo, procurando harmonizar melhor a relação entre o BC e o Ministério da Fazenda.

Vermelho:
Essas medidas se chocam diretamente com os interesses de certos círculos financeiros no Brasil. Como se deu esse enfrentamento?
Renato Rabelo: Nós sempre enfrentamos uma resistência muito grande desses círculos financeiros que têm muito poder no Brasil. Toda a política macroeconômica é baseada em uma política monetária que exige juros muito altos como garantia para manter os preços. A presidente começou a enfrentar isso, mas ainda encontra muita resistência. É tanto que em nossa opinião esse é um processo que ainda mostra que toda essa transição para uma política macroeconômica mais livre dos paradigmas neoliberais não é tão simples de ser feita. É sempre um processo gradativo e difícil. Nossa posição é que no mundo de hoje, em que o Brasil precisa se desenvolver e se defender, deveríamos atualizar nossa política macroeconômica.

Vermelho: O Brasil pode aproveitar esse momento de crise em benefício do seu desenvolvimento?
Renato Rabelo: Isso faz parte de uma questão importante que defendemos. A crise, paradoxalmente, pode ser um momento de oportunidade para o Brasil. Ou seja, em meio à crise, o país deve buscar um caminho próprio que leve em conta um desenvolvimento acelerado e que amplie a taxa de investimento. Temos um grande potencial para esse investimento que é o mercado interno. Já que no mundo existem restrições importantes com referência ao crescimento, sobretudo dos países centrais, é o momento de ampliarmos o nosso mercado interno.

Em resumo, defendemos um investimento maior, uma ação maior do governo com referência ao investimento em infraestrutura do país – que ainda é muito débil para o tamanho do Brasil – e um investimento que leve em conta o desenvolvimento de uma indústria moderna, de inovação tecnológica.

Aproveitaríamos esse momento para criarmos uma base mais moderna e mais avançada – com salários melhores e melhores condições para o povo. Esse deveria ser o momento para criarmos essa alternativa. Se não fizermos isso, o Brasil pode perder oportunidades e permanecer, mais uma vez, um país dependente. Dessa vez em pior situação, porque a dependência seria em relação a países capitalistas centrais em crise.

Vermelho: Como se caracterizou o cenário político esse ano?
Renato Rabelo: Outro grande desafio que a presidente enfrenta é o que temos caracterizado como uma maior democratização e liberdade política. A presidente conseguiu sustentar uma liderança que vai ocupando um papel importante diante da nação. É uma liderança que tem aumentado seu prestígio e sua autoridade diante do povo. Ela manteve uma ampla base política que vem sustentado o governo e tem conseguido êxitos no Congresso Nacional.

Na prática, é a grande mídia que exerce o papel mais efetivo de oposição – o que vem desde o governo Lula. Podemos até dizer que ela é acossada desde o primeiro mês de sua posse por essa grande mídia que procura impor uma agenda ao governo brasileiro. É uma luta política importante porque essa grande mídia é monopolizada – podendo ser classificada ainda como um oligopólio, que tem acesso a milhões de pessoas.

Não é uma luta política qualquer. A grande mídia procurou colocar o governo na defensiva, atacando-o com bandeiras demagógicas e que eles sabem que têm uma grande influência em setores da sociedade.

Vermelho: Qual foi a reação do governo diante desse quadro?
Renato Rabelo: Do nosso ponto de vista, o governo não reuniu ainda condições para reverter essa situação. Esse é que é o ponto importante. Por isso mesmo, achamos que esses obstáculos candentes deveriam ser enfrentados através de um pacto, uma aliança em torno da produção, do trabalho e da democratização política do país – reunindo os trabalhadores, os empresários da produção e nacionais, os movimentos sociais, a intelectualidade progressista, no sentido de superarmos esses obstáculos.

Vermelho: Como você avalia o avanço do processo de reformas estruturais – defendidas amplamente pelo o PCdoB?
Renato Rabelo: Em nossa opinião, a superação no plano econômico desse círculo de ferro que impõe uma lógica rentista e especulativa e a democratização da mídia são desafios fundamentais para que possamos avançar no que o PCdoB considera como primordial para a efetivação de um Projeto Nacional de Desenvolvimento – que seria a realização das reformas estruturais.

Enquanto isso não é feito, se torna sempre difícil a luta pelas reformas estruturais. Por exemplo, uma reforma tributária que seja progressiva e que tribute mais diretamente quem tem mais renda – é muito importante, levando em conta o problema da desigualdade que existe em nosso país.

A reforma urbana, que é outro aspecto importante, tem que enfrentar também a especulação imobiliária. O próprio avanço da reforma agrária também enfrenta muitos obstáculos nessa realidade atual. Igualmente, a própria reforma política na qual não conseguimos avançar. Em síntese, se não superamos esses dois grandes obstáculos, não abriremos possibilidades para avançar nessas reformas estruturais.

Os avanços sobre essas reformas estruturais são muito pequenos, a não ser no terreno da Educação, em que demos poucos passos. Na questão da Saúde se abre hoje um grande debate sobre como tornar o SUS uma realidade, mas isso requer mais recursos. Não é apenas gerenciamento, como eles dizem. Países da América do Sul como o Chile, a Argentina e outros gastam bem mais em termos per capita com a saúde do que o Brasil. Relativamente, precisamos ter um investimento muito maior. Tudo isso faz parte das reformas estruturais – que é uma espécie de universalização de direitos.

Vermelho: Como você avalia a evolução da luta anti-imperialista dos trabalhadores e dos povos no mundo?
Renato Rabelo: A crise, a profundidade dela e, sobretudo, suas perspectivas – porque é uma crise que ainda pode levar anos – coloca na ordem do dia a luta contra o capitalismo e contra o imperialismo. Cada vez mais os povos vão tomando consciência de que os obstáculos maiores são as grandes potências imperialistas e o capitalismo, que se chocam objetivamente contra eles.

Há um processo de crescimento dessa luta, que às vezes toma posições espontâneas – a consciência das massas ainda não é muito nítida quanto aos seus alvos e inimigos. Com o tempo a tendência é exatamente a luta se chocar contra o imperialismo que numa realidade de crise se torna mais agressivo. É uma tentativa do imperialismo manter sua hegemonia, porque a crise leva a seu declínio progressivo.

Então o imperialismo reage enfrentando tudo isso de maneira agressiva e se tornando ainda mais belicista. Ao fazer isso ele se choca cada vez mais com outros povos e abre novos focos de guerra. Procura exatamente se armar mais ainda, abrindo mais bases militares pelo mundo, concentrando forças militares em regiões importantes. A luta anti-imperialista está na ordem do dia e tende a crescer.

Vermelho: Nesse cenário a luta anticapitalista também se revela como um elemento presente na atual crise?
Renato Rabelo: Outra questão é a luta anticapitalista, porque no comando desses governos em crise se mantêm as mesmas forças responsáveis por ela. São forças com uma concepção ainda neoliberal, que vão enfrentar a crise com mais crise. É uma lógica de privatização, de diminuição de salários e de austeridade, que leva à perda de direitos importantes dos trabalhadores. Isso tudo leva os trabalhadores a se chocar contra o sistema. Eleva-se a consciência de que o sistema se torna impotente para dar respostas à crise. São lutas que num crescendo se chocam contra o capitalismo.

Em resumo a luta anti-imperialista e anticapitalista vai pouco a pouco se elevando como o único caminho que os povos devem percorrer na busca por uma nova alternativa – que supere a profunda crise atual, na busca por um mundo de paz e justiça social. É um caminho que vai abrindo possibilidades para uma nova alternativa, fora dos marcos do capitalismo.

Claro que esse é um processo que pode levar um certo tempo de acumulação. Considero inevitável que essa acumulação leve essas lutas a se chocar exatamente contra esses dois maiores inimigos de uma alternativa nova, um mundo novo. Essa consciência contra as grandes potências imperialistas e o capitalismo é inevitável.

Num primeiro momento aparece mais a reação das forças de direita – que tenta se defender a todo custo, se tornando mais ofensiva e agressiva. Mas à medida que isso acontece vai também se chocando contra os povos, que vão se levantando contra eles e aumentando a consciência. Nada melhor para educar e elevar a consciência política e social do que exatamente essas lutas ou essas crises mais profundas, porque o povo vai tendo uma compreensão e uma indicação melhor de quais são seus inimigos, quais são os verdadeiros obstáculos.