Da Líbia à Síria: um voo imperialista sem escalas
Na noite desta quarta (14), o cônsul geral da República Árabe Síria em São Paulo, Dr. Ghassan Obeid, recebeu convidados — entre membros da comunidade e autoridades brasileiras — para esclarecer o que de fato está acontecendo no seu país.
Por Christiane Marcondes*
Publicado 15/12/2011 20:52
Obeid lamentou a manipulação midiática, que coloca a opinião pública mundial contra o presidente Bashar Assad, e as articulações imperialistas de bastidor, que infiltram terroristas entre manifestantes pacíficos, causando horror e morte entre os cidadãos sírios.
Também mostrou um vídeo com cenas em que os militares são assassinados violentamente, decapitados e jogados ao mar por esse exército de infiltrados. Afirmou que 1.500 militares e cerca de mil civis já morreram em função dos confrontos armados que estão acontecendo desde março de 2011.
Não há guerra civil, garantiu, mas um plano em andamento – sob a coordenação dos Estados Unidos e Israel, com apoio de países europeus e também árabes — de levar membros de diferentes religiões a brigarem entre si. A pressão será aumentada até o ponto em que os conflitos se tornem insolúveis e gerem a divisão de um país que é o “berço da humanidade” e trincheira da tolerância, segundo o cônsul.
O diplomata garantiu: “Nosso presidente está atento e brigando por manter uma Síria unificada e democrática. Enquanto as ações terroristas crescem no país, Assad continua a institucionalizar as reformas, desejadas pelo povo e necessárias para o país. Ele está trabalhando nesta frente ao mesmo tempo em que tenta apaziguar a violência”.
Entre as reformas já realizadas por Assad estão os direitos assegurados de manifestações pacíficas, de liberdade de imprensa e de adesão livre a qualquer partido político. Também estão a criação de um comitê independente para apurar corrupção em território árabe, aumentos salariais de 30% e isenção de juros em empréstimos bancários com o objetivo de melhorar a qualidade de vida. Mas a maior conquista do povo com o atual governo é uma nova constituição, que já está sendo elaborada e deve chegar junto com as eleições, em 2012. Antes de ser votada, será submetida à aprovação popular.
Mas não é fácil, reconhece o cônsul, governar com democracia e transparência em meio ao caos encomendado que provoca desde desordem nas ruas até incêndios criminosos em gasodutos, estações ferroviárias e prédios públicos, como o do Palácio da Justiça. “Já perdemos bilhões de dólares com a destruição do patrimônio e dos bens públicos”, afirmou Obeid.
Claramente, todos esses ataques buscam legitimar uma ofensiva bélica de trágicas proporções como a que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) impetrou contra a Líbia, exterminando não uma “ditadura ou um ditador”, como a imprensa manipuladora afirmou, mas a soberania de uma nação: “O armamento usado na Líbia está sendo contrabandeado para a Síria”, contou o cônsul.
A Síria está sendo apoiada pelos Brics, entre os quais o Brasil e a China, pelo Iraque, que viveu a mesma intervenção: na época, a Síria deu abrigo a milhares de iraquianos que fugiram da guerra. Líbano e Palestina são outros “queridos” aliados, acrescentou o cônsul, elogiando sobretudo o Brasil em sua postura não só durante a invasão à líbia como agora, diante da nova ameaça ao mundo árabe.
Por outro lado, a Turquia, antiga parceira, já trocou de lado e se aliou aos países que adotaram sanções econômicas contra a Síria, caso dos Estados Unidos, Israel e países europeus.
Com relação à Liga Árabe, Obeid disse que uma liga que não conta com a Síria entre seus membros não pode ser considerada uma representante dos países árabes na sua totalidade.
Meia verdade é uma mentira
O objetivo maior do pronunciamento público do cônsul foi conclamar os presentes no sentido de que eles divulguem esses fatos, que estão sendo omitidos pela grande imprensa. Não só: também manipulados. “Como é que uma multidão sai às ruas para apoiar um ditador, conforme as manchetes de jornais como O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo mostraram? Isso não existe, as pessoas foram demonstrar solidariedade ao seu legítimo presidente”.
Atos como esse confirmam que a primeira vítima, em uma guerra, é a verdade. O principal clérigo islâmico sunita da Síria, o grande mufti Ahmad Badreddine Hassoun, em entrevista a uma revista alemã logo após o assassinato de seu filho de 20 anos, em novembro, relata como a verdade foi abatida em março, com os primeiros conflitos: “É preciso estar consciente de como tudo começou para entender como o caminho para a reconciliação ainda é longo. Algumas forças, especialmente no exterior, têm um interesse em escalar ainda mais o conflito. Em março, houve um protesto totalmente justificado em Daraa contra o governador da região, que havia colocado crianças na prisão. Daraa é uma cidade perto da fronteira da Jordânia conhecida pelo contrabando. Eu fui para lá imediatamente e acalmei a situação, e prometi para as pessoas uma investigação independente. Por sugestão minha, o presidente retirou o governador do poder. Mas então os imãs que vieram de fora, especialmente da Arábia Saudita, atiçaram as coisas com seus discursos inflamados. Os canais de notícias dos estados do Golfo, Al-Jazeera e Al-Arabiya, ajudaram alegando falsamente que os clérigos estavam do lado dos manifestantes anti-Assad”, explicou Hassoun.
O conflitou logo migrou para um local estratégico. Hassoun reconstituiu o fato: “Observe o segundo centro de conflito, perto de Daraa: Homs. Aquela cidade também é muito próxima da fronteira, neste caso com o Líbano. Elementos desagradáveis – iraquianos, afegãos, sauditas e iemenitas – também vêm de lá, todos com uma agenda fundamentalista radical. Os provocadores atacaram até chefes de polícia e oficiais militares em suas casas”.
Esta versão jamais chegou aos lares ocidentais, que assistem à “novela” síria roteirizada e legendada pela mídia imperialista em emissoras como Globo e Bandeirantes.
A "verdade inteira" está na Síria e nas mídias alternativas, como as que anunciaram o movimento “Ocupar Wall Street”, até então ignorado pela imprensa. Está também nas declarações e atuações de entidades como o Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz), e de partidos como o Pátria Livre (PPL) e o PCdoB. Este último,, durante a reunião com o cônsul, apresentou um manifesto de apoio à soberania e integridade síria, assinado pelo Comitê Central.
Embora o mundo esteja ao alcance de um clique, na internet e na televisão, a verdade pode estar muito longe. É preciso senso crítico afiado e muita disposição para buscá-la e, finalmente, encontrá-la.
*da redação do Vermelho