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Ocupe Brasília: um dia com os vizinhos de Dilma

O sol e o calor são fortes. Logo de manhã, dentro das barracas, mais ainda. É cedo e hora de acordar. Pão com mortadela e suco. O terceiro dia começou no #OcupeBrasília. Acampados desde a terça (6/12), na Esplanada dos Ministérios, cerca de 250 estudantes, de 24 estados diferentes, suportam as diversas dificuldades para defender mais investimentos para a educação e conquistar direitos para a juventude.

O engraçado é que há quatro dias eles se tornaram os vizinhos mais “famosos” da presidenta Dilma e dos 513 deputados e 81 senadores, já que estão acampados bem em frente ao Congresso Nacional.

A Rádio Ocupação – “a rádio que toca em seu coração” – já começa a vibrar nas primeiras horas do dia. Comandada hora por um, hora por outro, a programação é diversificada, já que tem que agradar desde o piá do sul, o mano do sudeste e o cabra do nordeste.

A “cidade dos estudantes” é organizada por bairros e ruas de maneira bem criativa. São cerca de dez barracas por região. Em cada uma pode chegar a morar até quatro estudantes. A urbanização de todo o alojamento ganhou nomes de ilustres figuras, como as avenidas Edson Luís e Honestino Guimarães. Os bairros Lampião, Luís Inácio e Vila Sarneylândia fazem parte da ocupação, que está sempre recebendo novos moradores.

As comissões de limpeza, saúde, pedágio, infraestrutura, alimentação, segurança, congresso e cultura já acordam agitados para as tarefas do dia. Algumas atividades, às vezes, são adiadas, pois o acampamento sempre recebe visitas de parlamentares e moradores que passam pelo acampamento, declarando seu apoio.

A temperatura é um convite para o picolé do tio do sorvete que instalou por lá o seu carrinho. Enquanto isso, os tubos de protetor solar comprados pela comissão do pedágio começam a circular. O diretor da UNE, Renan Alencar, é um dos que sofreu com a falta do protetor nos primeiros dias e acabou queimando a palavra “Brasil” em sua testa. Motivo de piada no acampamento, claro.

Acampados

E é nesse cenário que começam a surgir os relatos de vida de tantos brasileiros que deixaram para trás suas famílias e amigos e assumiram a função de protagonizar os livros de histórias da próxima geração de estudantes, com a vivência neste acampamento em um momento histórico da política nacional.

Na cadeira em baixo da Tenda Carlos Mariguella (que de noite se transforma na Tenda Gonzagão), está o sempre sorridente estudante de história do Amapá Elton Coelho, de 26 anos, fugindo do sol. De calça jeans, pronto para adentrar com o traje certo a Câmara dos Deputados, ele conta o motivo do cansaço físico. Depois de viajar 24hs de barco do Macapá até Belém, no Pará, o estudante e toda sua delegação tiveram que encarar mais 52hs de estrada, até chegar em São Paulo, para o 39º Congresso da UBES. De lá, vieram para Brasília, engrossar a ocupação. Mais 16hs de ônibus.

“Estamos 15 dias fora do nosso estado e ficaremos aqui o tempo que for preciso. Mesmo cansados sabemos que a luta é importante e temos que nos sacrificar pela conquista de uma educação gratuita e de qualidade”, conta o estudante, que brigou com a namorada para estar no acampamento. “Ela não consegue entender. Brigamos antes da minha vinda e estamos brigando por telefone. Não posso deixar de participar deste momento histórico”, afirma.

O caldeirão de sotaques começa a esquentar. As amizades começam a surgir e a unidade do movimento começa a tomar forma. Geovane está no canto, paralisado enquanto a amiga pinta o seu rosto. Não contente, pede que ela pinte também suas pernas, mãos e braços. Com a camiseta do Olodum, quer mostrar que a Bahia está ali com o seu dendê.

Enquanto isso, acontece a oficina de cartazes. No chão da tenda, papéis em branco vão se transformando em “armas de combate coloridos”. E é fato. A fome sempre chega muito antes da comida.

Mas quando o rango chega… A saudade do tempero de casa e da pimenta malagueta dá lugar ao discurso. Não dá pra ficar só comendo. A galera organiza um debate sobre sexualidade durante o almoço. Ao som do grito “O corpo é da mulher, ela dá para quem quiser”, os estudantes expõem suas opiniões, suas vivências e combinam uma marcha contra o preconceito, na própria Esplanada.

O calor do cerrado começa a mostrar sua força. O som não para, até que toca uma música da banda Calipso e Felipe Pereira da Silva, estudante da 4ª série do ensino fundamental noturno de Recife (PE) começa a balançar a perna. Se desdobrando em dois empregos, um de dançarino e outro de jardineiro, ele acredita que sua presença no acampamento é importante. “Me sinto na obrigação de apoiar a luta por uma melhor educação”, pontua.

A gente não quer só comida

O prefeito do #OcupeBrasília, Alexandre “Cherno” Silva, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP), anuncia ao microfone: Vai começar o “afoga o ganso”, brincadeira de água na lona, onde os estudantes se jogam de barriga. A grama verde molhada do jardim da Esplanada começa a ficar vermelha com a cor da terra da capital federal. Momentos de refresco e diversão.

Outros que não querem se molhar, buscam forma inusitadas de fugir do sol. A parte de baixo do caminhão-gerador, que está no acampamento desde o começo da ocupação, transforma-se em um guarda-sol improvisado. No estádio de futebol Doutor Sócrates Brasileiro, a bola rola.

Parado no meio do acampamento, com seu celular na mão, está o cearaense de Joazeiro do Norte, Heygue Arrais, de 18 anos. Tentando sozinho encaixar na foto seu rosto e o Congresso Nacional, o estudante conta que está em na capital federal pela quarta vez. “Já é!”, disse, quando foi convidado a participar do #OcupeBrasília. “Estar aqui na Esplanada é um fato histórico, quero dar a minha cara a bater e participar da construção dessa nova juventude. Não arredo o pé daqui enquanto não forem aprovadas as nossas pautas”, diz.

No microfone, um dos nomes que mais se escuta por todo o acampamento o do “Pouca Perna”. É Luiz Ricardo Matos, estudante de Santo André (SP), de 21 anos, que ganhou o apelido devido a baixa estatura. Ele é quem comanda a diversão na hora da batalha de MCs, atividade que sempre acontece na tenda. Sua vinda para Brasília gerou um desconforto na família. “Meus pais apoiam, mas sempre ficam pesando quando o assunto é trabalho. Mas, não estou aqui de bobeira. Posso levar até uma surra quando chegar em casa, mas quero contar que estive aqui e fiz parte da conquista dos 10% do PIB e dos 50% do pré-sal para a educação quando tiver meus filhos”, pensa.

Inspirado, “Pouca Perna” criou um som para o movimento: “Aqui é nóis, a UNE não gela/ Avante pra guerra, Avante pra guerra/ Aqui é nóis, a UBES não gela/ Avante pra guerra, Avante pra guerra/ Ocupe Brasília, Ocupe Brasília / Todos os estados, na mesma sintonia”.

Ocupe por amor

Curtindo o fim da tarde e o baixar do sol, do lado de uma barraca, abraçados, está o casal Ariel Vianna, estudante de 16 anos, e Rodrigo Mateus, de 18, que começaram a “ficar” no dia anterior. Ela, de Minas Gerais. Ele, de Brasília. “Nos conhecemos aqui no acampamento em uma debate sobre política começamos a conversar”, conta.

A roda de vôlei começa na “praça 10% do PIB”, e quem estava na Câmara ou no Senado já começa a voltar contando as novidades e conquistas do dia. Ouvindo piadinhas amigáveis dos outros acampados o tempo todo por morar “longe”, está o estudante Clauderson da Silva Santos, do Acre. Ficar 3 dias e meio em viagem até SP e depois mais 16 horas para Brasília compensou. “Viria até a pé do Acre, se fosse preciso. Estou muito feliz de estar aqui, aprendendo bastante. Nunca pensei que conheceria alguém do Rio Grande do Sul”, comemora.

E com essa combatividade toda é que o sol vai se pondo, e a fome chegando. E como Santo Cristo, personagem da música Faroeste Caboclo, canção da banda brasiliense Legião Urbana, os estudantes ficam impressionados com a cidade, vendo as luzes de natal que iluminam todos os Ministérios e o Congresso Nacional.

Junto com a comida da noite, chega também a primeira visita internacional, secretários de organizações latino-americanas que, contando a realidade de suas nações se sensibilizam e apóiam a luta dos estudantes. Em silêncio, todos escutam e, ao abrir o microfone para as falas, cada um conta a luta em seu Estado.

Na tenda Gonzagão, desta vez, será o longa do Cazuza que aparecerá na tela. Escolha certeira, contando a vida de um dos maiores ídolos da música brasileira que, assim como todos estes jovens, não vieram ao mundo a passeio. No dia anterior, a sessão do Ocupe Cine Esplanada tinha sido dupla, com os longas “A Máquina” e “Meu tio matou um cara”.

Alguém começa a dedilhar algumas notas no violão, um coro de vozes se unem ao músico, que juntos cantam como se quisessem dizer que o Planalto Central está tomado. O quintal da casa do povo se transforma na colônia de lutas do movimento estudantil, que a cada nascer do sol se reinventa todos os dias.

Fonte: EstudanteNet