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Correia da Fonseca: A mudança frustrada

Em 1996, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma proposta que consagrava o dia 21 de Novembro como o Dia Mundial da Televisão e, simultaneamente, apelava para a permuta entre os diversos Estados de programas acerca de temas como a Paz, a Segurança e o Intercâmbio Cultural entre diferentes povos.

Por Correia da Fonseca, em O Diário.info

De então para cá não passou muito tempo, é certo, mas a meia dúzia de anos entretanto transcorridos foi bastante para que saibamos que nada de relevante foi feito nessas matérias, e não só entre nós. Em Portugal, a celebração da data foi tão discreta que mal se deu por ela, quer na operadora pública de TV quer nas estações privadas. Com uma exceção: a RTP Memória dedicou todo o seu dia, desde a manhã até para lá da fronteira horária da meia-noite, a um programa de produção externa dedicado à «caixa que mudou o mundo», fórmula ambiciosa e excessiva desde há anos usada para designar a conquista tecnológica que na verdade podia ter suscitado por todo o planeta alterações radicais. A questão é que a TV podia na verdade ter mudado profundamente o mundo, mas não fez. Alterou hábitos, sim, fez alguma ampla divulgação de conhecimentos avulsos, permitiu que massas populacionais de todas as longitudes assistissem a acontecimentos raros e históricos (de que o desembarque de homens na Lua foi o mais espetacular), mas mudar o mundo é outra coisa.

Não nos demoraremos aqui a avaliar a emissão comemorativa da RTP Memória: diremos apenas, para cumprimento breve de uma espécie de obrigação, que todas aquelas horas foram sobretudo aplicadas a uma revisão retrospectiva do que foi a própria RTP desde o seu aparecimento em 1957, com a transmissão total ou parcial de alguns antigos programas nacionais ou não, nem todos excelentes ou emblemáticos. Algumas entrevistas distribuídas ao longo do dia, todas com interesse ainda que maior ou menor, completaram a ementa. Não foi, enfim, uma emissão desastrosa, longe disso, mas teria sido mais adequada se estivesse em comemoração um Dia Mundial da RTP, passe o absurdo. Coisa diferente e mais esclarecedora teria sido uma emissão destinada a esclarecer porque é que, afinal e ao contrário do afirmado na frase supostamente patrocinadora do programa, a tal caixa não mudou o mundo ainda que introduzindo nele algumas alterações. Na verdade, porém, talvez a própria RTP não estivesse muito interessada nesse tema e, mesmo quanto à comemoração que acedeu fazer, o fato de tê-la remetido para um canal pouco frequentado pelos telespectadores em vez de para ela ter reservado o seu canal principal indicia um escasso entusiasmo talvez significativo.

Feitas as contas possíveis, apuraremos sem margem para dúvidas que o mundo, mesmo apenas o mundo dos últimos séculos, foi mais radicalmente mudado pela máquina a vapor e pela eletricidade, por exemplo, isto para não recuarmos aos milênios em que aconteceram a descoberta do fogo ou a invenção da roda. Mesmo no estrito campo da comunicação, já é obvio que a recente adoção de meios informáticos de utilização individual está a ser mais importante que a já «velha» televisão. Ainda assim, é certíssimo que a TV mudou alguma coisa e não menos certo que podia e devia ter mudado muito mais. Quando ela chegou, vinha acompanhada por projetos a que hoje bem podemos chamar sonhos, e sonhos falhados. Graças a uma tecnologia que quase parecia miraculosa, haveria de ser um variado espetáculo fornecido ao domicílio, sim, mas também um decisivo instrumento para a promoção cultural das populações e um meio de informação que permitiria um melhor entendimento entre os povos. Era talvez para ser assim, mas não foi. E porque não o foi, bem se pode dizer que não mudou o mundo.

Resta dizer porquê, embora o motivo esteja ao alcance de toda a gente: a televisão foi afinal «a caixa que não mudou o mundo» porque a maravilhosa invenção que ela era e que devia ter resultado em enormes avanços para toda a humanidade foi apropriada, confiscada, aprisionada pelos detentores do poder financeiro que a colocaram ao serviço dos seus interesses e como arma na permanente guerra de classes que percorre o planeta de uma ponta a outra. Onde devia estar a promoção cultural mandaram colocar a distração superficial e alienadora, onde devia estar a informação mandaram instalar a manipulação e a mentira, onde devia ser semeada a fraternidade sobre as fronteiras políticas ou ideológicas mandaram disparar os ódios. Por isso o mundo ficou, no essencial, como estava. O que suprime quase totalmente a motivação para grandes festejos.

Correia da Fonseca é escritor português