Roberto Abdenur: Quem depende da China?
Analistas tanto no Brasil quando no exterior começam a indagar-se até que ponto está nosso país a tornar-se altamente dependente da China. Para ser avaliado, merece o tema ser colocado em perspectiva.
Por Roberto Abdenur*
Publicado 30/11/2011 10:13
Ao início de minha gestão como embaixador em Pequim, em 1989 (lá fiquei até 1993), tinha o Brasil – surpreenda-se o leitor – PIB maior que o da China (US$ 400 bilhões ante US$ 380 bilhões). O comércio bilateral era pouco superior a US$ 3 bilhões/ano até o final dos anos 1990.
Na última década, contudo, deu-se crescimento exponencial das trocas, que hoje se aproximam dos US$ 70 bilhões. Pela primeira vez, a China desponta como nosso principal parceiro comercial, superando décadas de liderança dos EUA. Assume também, quase da noite para o dia, o papel de principal investidora no país em termos correntes. Foram quase US$ 10 bilhões em 2010.
Quanto aos PIBs, após três décadas de crescimento vertiginoso, de cerca de 10% ao ano, a economia chinesa é hoje o triplo da brasileira (US$ 6 trilhões contra US$ 2 trilhões). Uma parceria estratégica foi lançada em 1993, quando havia paridade entre os dois países em termos de dimensões econômicas.
Hoje, a parceria se desdobra em quadro de forte assimetria quantitativa, dada a brecha entre os PIBs. E há uma assimetria qualitativa: cerca de 90% de nossas exportações são commodities, e a parcela de manufaturados chineses em nossas importações é de 90%. Quanto ao poder de fogo financeiro, as reservas chinesas (US$ 3,3 trilhões) são dez vezes as nossas.
Esse quadro se afigura carregado de conotações negativas. Não é bem assim. O relacionamento bilateral não pode ser visto em termos estritamente mercantilistas. Desde 1993, armou-se aos poucos uma frondosa e bem organizada tessitura de esquemas de diálogo, intercâmbio e cooperação. De resto, há mutualidade na dependência, pois são essenciais para Pequim muitas commodities fornecidas pelo Brasil.
A questão da "China-dependência" não se coloca apenas para o Brasil. A esta altura da crise, é toda a economia internacional que se vê dependente do dinamismo chinês. É a China a única gigantesca usina de intenso crescimento a contrabalançar a estagnação geral (também Brasil, Índia e outros emergentes vão na contramão da recessão, mas só a China tem dimensões capazes de realmente compensar a queda nas outras grandes economias).
A indagação é a de saber-se até que ponto certo desaquecimento na economia chinesa pode agravar-se a ponto de afetar perspectivas mundiais já pouco animadoras. Não há dúvida de que a ligeira desaceleração em curso afeta as commodities.
Mas cabe ter-se em conta que a China inicia agora um novo plano quinquenal, em que a ênfase está em obter, como lá se diz, um crescimento harmonioso. A demanda por algumas commodities pode arrefecer-se, mas por outras – como alimentos – tenderá a expandir-se.
Não está o Brasil, portanto, tão mal assim em sua interação com a China. Interdependência é o que melhor define esse relacionamento. Mas, não há como negar, temos de estar atentos ao que possa suceder no autodenominado país do centro, na esperança de que não descarrilhe aquela que hoje é a maior locomotiva da economia internacional.
* Roberto Abdenur é diplomata. Foi embaixador brasileiro em Washington, D.C., no Equador, na China, na Alemanha e na Áustria
Fonte: Folha de S. Paulo