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Capiberibe: “Sou um político sem controle”

O senador, que havia sido inicialmente barrado pela Lei da Ficha Limpa, toma posse hoje. Em entrevista ao Congresso em Foco, ele diz que processo contra ele teve José Sarney como principal orquestrador.

Por Fábio Góis

Depois de mais de um ano de espera, o amapaense João Capiberibe (PSB), segundo candidato a senador pelo Amapá mais votado nas eleições de 2010 (130.411 votos), vai poder ocupar uma das cadeiras azuis do Senado. A cerimônia está prevista para esta terça (29), às 15h30. Segundo o protocolo regimental, o ato da Mesa Diretora deve ser conduzido pelo presidente da Casa – no caso, José Sarney (PMDB-AP). Caso Sarney não decline da tarefa, será o encontro de Capiberibe com aquele que, segundo a sua avaliação, foi o responsável pelas denúncias que o levaram a, inicialmente, ser barrado pela Lei da Ficha Limpa no ano passado. “Sera a hora de encarar aquele que mais sintetiza as correntes contrárias ao meu retorno”, disse Capiberibe ao Congresso em Foco.

Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Capiberibe diz contrariar muitos interesses de poderosos, e que por isso sofre perseguição política. Sua conduta, diz, não admite “controle”. “A política é uma atividade muito complicada, não é feita de anjos nem demônios. É feita de cidadãos comuns que têm virtudes e defeitos. E é exercida sob um certo controle. Agora, eu sou um político sem controle. Ninguém me controla, porque eu não represento grupo econômico, não tenho nenhuma relação com banqueiros, com latifundiários”, garante.

Além de ter de conviver com ele no Senado, teoricamente, pelos próximos quatro anos (o peemedebista está na segunda parte do mandato de oito anos), Sarney ainda vê Capiberibe reaver a vaga até hoje ocupada por um de seus aliados no Amapá, Gilvam Borges (PMDB-AP), a quem Capiberibe chama de “aprendiz de feiticeiro’. “O senador Gilvam Borges é um coadjuvante. A figura principal é o senador José Sarney. É o homem que tem poder, que tem influência, e que é o meu real adversário. Gilvam é um ajudante de feiticeiro”, dispara.

Capiberibe foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa após uma denúncia de compra de votos, que levou à cassação de seu mandato anterior como senador. O mesmo processo atingiu também sua mulher, a deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), que já tomou posse. Ele sustenta que a denúncia foi uma armação feita no Amapá por seus adversários políticos. Mas, como político enquadrado na Lei da Ficha Limpa, Capiberibe acaba externando opiniões polêmicas sobre a ficha limpa, a lei de iniciativa popular que em 2010 recebeu o Prêmio Congresso em Foco como melhor iniciativa popular.

Capiberibe chega ao ponto de defender o direito do eleitor de escolher políticos desonestos. “Estamos complicando o processo político na medida da judicialização do processo, e eu acho que isso contraria o fundamento básico da democracia, que é o direito de o cidadão escolher. Se ele quer escolher um sujeito decente, um representante correto, ele vai escolher. Se ele quer escolher um desonesto, ele tem o direito a isso”, argumenta Capiberibe.

Para ele, a Lei da Ficha Limpa foi uma reação da sociedade à falta efetiva de punição dos denunciados pela Justiça. “Eu conheço vários casos no Amapá, por exemplo, várias operações da Polícia Federal em que não se chega a nenhum punido. A polícia vai lá, prende, prova, comprova, o Judiciário não julga, e fica tudo na impunidade. Aí, a sociedade começa a clamar por justiça, questiona o Parlamento, que vota uma lei, inclusive, inconstitucional. Sabidamente inconstitucional, e que complica o processo político. Eu estou preocupado com o caminho que nós estamos tomando”, diz Capiberibe.

Diplomado pela Justiça Eleitoral no último dia 14, Capiberibe disse que, assim que tomar posse como senador, vai “fazer defesa intransigente” contra o foro privilegiado. “Isso é uma pouca vergonha! Só acontece em uma sociedade elitista, de castas, como é o Brasil”, fustigou o político amapaense.

Confira os principais pontos da entrevista:


Congresso em Foco
– O senhor foi beneficiado pela interpretação do STF quanto à retroatividade da Lei da Ficha Limpa. Como o senhor analisa tal decisão?

João Capiberibe – A ficha limpa é o clamor da sociedade. A sociedade quer justiça, mas a justiça é lenta, muita das vezes não acontece, não julga. Então, vão-se criando novas leis que tampouco são aplicadas. No caso da ficha limpa, é uma lei que, na minha opinião, contraria alguns princípios constitucionais. E o Supremo, mais uma vez o Supremo, de uma forma muito atrasada, em vez de julgar em tempo hábil para evitar insegurança jurídica, vai julgar a lei seis meses depois das eleições. E o que é mais surpreendente, como no meu caso, é que a corte se reúne, toma uma decisão, e mesmo assim ela demora para se cumprir corretamente. Eu estou realmente, digamos, atônito com o que está acontecendo no Judiciário do nosso país.

CF – As decisões do Judiciário não raro vão de encontro aos anseios da opinião pública. Como o senhor se vê no contexto desta nova situação?
JC – No caso, concretamente, vamos destacar a Justiça Eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral é um tribunal político – até porque julga políticos. E os critérios nem sempre são jurídicos nesses julgamentos. Então, nós estamos complicando o processo político na medida da judicialização do processo, e eu acho que isso contraria o fundamento básico da democracia, que é o direito de o cidadão escolher. Se ele quer escolher um sujeito decente, um representante correto, ele vai escolher. Se ele quer escolher um desonesto, ele tem o direito a isso – a sociedade é feita de pessoas decentes e de pessoas desonestas. No entanto, criou-se agora essa possibilidade para impedir que todo mundo possa se candidatar. Eu acho que a lei é uma tentativa de substituir a pauta de punição pelo Judiciário.

CF – Mas a lei não preenche uma lacuna de impunidade na política?
JC – Veja o seguinte: quando um político ou um cidadão qualquer comete um crime, ele tem de ser julgado e punido. Um cidadão qualquer é julgado e punido – já o político, não. Eu conheço vários casos no Amapá, por exemplo, várias operações da Polícia Federal, desde 2004, em que até hoje não têm um único punido. A polícia vai lá, prende, prova, comprova, o Judiciário não julga, e fica tudo na impunidade. Aí, a sociedade começa a clamar por justiça, questiona o Parlamento, que vota uma lei, inclusive, inconstitucional. Sabidamente inconstitucional, e que complica o processo político. Eu estou preocupado com o caminho que nós estamos tomando.

CF – O senhor acha que recebeu tratamento desigual daquele reservado à sua mulher, deputada Janete Capiberibe, empossada na Câmara em julho?
JC – Eu a deputada Janete [Capiberibe, PSB-AP], além de marido e mulher, somos companheiros de luta política desde a época da ditadura. Somos irmãos siameses no mesmo processo, ele é exatamente igual. Nós fomos cassados sob a acusação de compra de dois votos por R$ 26, pagos em duas parcelas, tanto eu quanto ela. Veio a ficha limpa, mais tarde o Supremo decidiu que ela não vale para 2010, ela [Janete] tomou posse no dia 13 de julho.

CF – Com a interpretação do Supremo, políticos sem qualquer condenação judicial, em qualquer instância, podem dar lugar a outros com diversas condenações por motivos variados – alguns deles com julgamentos em curso, inclusive naquela corte. É o caso de Jader Barbalho, que ameaça o mandato de Marinor Brito (Psol-PA). O senhor acha isso justo?
JC – Acho que deveria ser respeitada a decisão popular. Não tem como ter uma comissão que vá dizer quem pode e quem não pode ser escolhido pelo povo. O povo vai escolher à sua maneira. Agora, se pesa alguma acusação sobre o senhor Jader Barbalho, que a Justiça o julgue. Se encontrar indícios de crime, que o condene. Agora, o que não pode é tratar a lei da maneira como ela está sendo tratada. A lei era para ter sido aplicada em 2010. O Supremo Tribunal Federal disse que não se aplica para 2010 – não se aplica para o senhor Jader Barbalho, não se aplica para mim, não se aplica para ninguém. O que está em jogo aqui é o cumprimento da lei. Volto a insistir: se um político comete um crime, [o Judiciário] tem de ser rigoroso. Na hora em que eu assumir o mandato no Senado, vou fazer uma defesa intransigente para acabar com o foro privilegiado. Isso é uma pouca vergonha! Isso só acontece em uma sociedade elitista, de castas, como é o Brasil. Temos o foro privilegiado, temos prisão privilegiada… Enquanto perdurar o foro privilegiado, não existe julgamento. O juiz da primeira instância é o mais isento, ele está na comunidade.

CF – Então o TSE não era o foro adequado para o seu caso?

JC – É tão injusto o que aconteceu conosco… Eu não tenho um único processo criminal, nenhuma acusação criminal. A deputada Janete não tem absolutamente nenhum processo, nada – nem criminal, nem cível. A única condenação foi pelo TSE, em 2004, que é uma condenação política. Eu só fui condenado na ditadura, a seis anos de prisão, e depois pelo TSE, à perda do mandato e dos direitos políticos por cinco anos. Se o Supremo não tivesse tomado essa decisão, eu iria para 16 anos de inelegibilidade, isso é absolutamente inédito. É claro, a política é uma atividade muito complicada, não é feita de anjos nem demônios. É feita de cidadãos comuns que têm virtudes e defeitos. E a política é exercida sob um certo controle. Agora, eu sou um político sem controle. Ninguém me controla, porque eu não represento grupo econômico, não tenho nenhuma relação com banqueiros, com latifundiários. Eu defendo o MST, os índios, as pessoas que mais necessitam de voz. E aí eu desafio alguns poderosos, e pago um preço muito caro por isso. É a minha opção, eu não tenho mais tempo de mudar. Se tem uma coisa que não me comove é dinheiro, bens, isso não. O que me comove é ver o povo sofrendo, é ver gente que precisa de voz, e é do lado deles que eu quero estar. E do lado deles que vou estar lá no Senado.

CF – A decisão do STF privilegiou o princípio da anualidade em detrimento dos interesses da coletividade. O senhor concorda que um preceito constitucional deve prevalecer sobre os anseios majoritários da sociedade?

JC – Essa questão da anualidade é fundamental. Até porque se o Supremo não tivesse reconhecido o princípio da anualidade, nós teríamos, em cima da eleição, que mudar um governo, por exemplo, que estivesse no poder. Poderia mudar as eleições na véspera, que é o que a ficha limpa fez. Ela alterou o processo eleitoral no ano de eleição, mexeu na regra do jogo no segundo tempo. E também criou uma enorme estabilidade no processo eleitoral. A gente precisa mudar o país, e eu dei a minha contribuição para mudar o país. Aprovei uma lei importante – inclusive, responsável por várias prisões por aí, que é a Lei da Transparência, que obrigou o Estado a abrir as suas contas na internet. E, hoje, fica mais fácil para jornalistas, e até para nós mesmos, fiscalizar os recursos. Nós temos outros meios de agir em cima do estado sem ser criando leis novas a cada momento de crise ética. A gente sabe que isso não muda, não vai mudar criando novas leis. O que muda seria aplicar corretamente as leis existentes, a começar pelo fim do foro privilegiado.

CF – O senhor afirma que a denúncia de compra de votos feita contra o senhor e a deputada Janete Capiberibe foi caluniosa, e, inclusive, acusa o senador Gilvan Borges, que o senhor irá substituir, sobre isso. Como se deu esse processo?
JC – Surgiram informações de que as duas testemunhas no processo foram compradas. Mas o senador Gilvam Borges é um coadjuvante nessa história toda. A figura principal é o senador José Sarney. É o homem que tem poder, que tem influência, e que é o meu real adversário. Gilvam é um ajudante de feiticeiro.

Fonte: UOL