Não há ninguém como Tom Zé (*)
O jovem compositor baiano, grande estrela do tropicalismo, completou 75 anos no dia 11, com a mesma disposição do início da carreira nos anos 1960 e com sua arte eleva nossos sonhos de um país menos desigual.
Por Marcos Aurélio Ruy
Publicado 13/10/2011 18:57
O começo de sua vida artística ocorreu em 1968, no show “Nós, Por Exemplo”, em Salvador, juntamente com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa. Logo parte para São Paulo, onde fixou residência e adotou essa cidade, inclusive lhe dedicando a música “São São Paulo”, vencedora do IV Festival da Record, em 1968. Na capital paulista participa do espetáculo “Arena Canta Bahia”, do teatrólogo Augusto Boal. Ainda em 1968 atua na gravação do disco “Panis Et Circenses”, que marca o início em vinil do movimento tropicalista.
Tom Zé é um dos principais nomes do tropicalismo ao lado de Caetano, Gil, Gal, Bethânia, Rogério Duprat e Jorge Mautner. Após ter estudado seis anos na Universidade de Música da Bahia mistura música erudita com Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, bossa nova, rock e muita música experimental. Aliás, o som de Tom Zé é tão experimental que o afasta do grande público por falta de compreensão. Mistura som quase atonal com poesia concreta numa obra minimalista por opção e cria belezas ímpares para nossos ouvidos e mentes.
Além dessa questão do compositor baiano produzir uma arte extremamente vanguardista, ele enfrenta problemas, pois a indústria cultural deseja apenas o que pode dar lucro imediato e o que está na onda, com raras exceções que conseguem se contrapor e se impor ao mercado fonográfico. Por isso Tom Zé fica um pouco sumido até que o norte-americano David Byrne, ex integrante do grupo Talking Heads interessa-se por sua obra e o lança nos Estados Unidos. E a visão colonial de nossa elite alça Tom Zé novamente ao mercado, possibilitando gravação de discos e o cantor reconquista seu público. “A música de Tom Zé é diferente de qualquer música brasileira que ouvi até hoje… Expande incessantemente os limites da canção popular, adotando formas inesperadas, que nos surpreendem e encantam, com percepção aguda dos acontecimentos. Olha a grande cidade com olhos – e ouvidos – de poeta. Descobre belezas estranhas. Sua música nos dá esperança”, afirma David Byrne.
Nascido Antonio José Santana Martins em Irará, Bahia, no dia 11 de outubro de 1936, Tom Zé tem o disco “Com Defeito de Fabricação”, de 1998 listado entre os dez melhores do ano pelo jornal norte-americano “The New York Times”. Grava alguns discos em inglês, com seu som hermético e poesia pop concreta. Seu trabalho mais recente é “O Pirulito da Ciência”, de 2010, onde mostra que juventude está mais na atitude do que propriamente na idade cronológica. A canção “Parque Industrial”, de 1968, define sua trajetória e visão com crítica bem-humorada da sociedade capitalista e hipócrita que vivemos: “Pois temos o sorriso engarrafado/Já vem pronto e tabelado/É somente requentar/E usar./É somente requentar/E usar,/Porque é made, made, made in Brazil/Porque é made, made, made in Brazil…”
Salve Tom Zé, parabéns pelo 75º aniversário e muitos mais ainda por vir, sempre com a mesma loucura genial, lúcida.
*Frase do crítico norte-americano Bem Ratliff, do “New York Times”
Abaixo alguns clipes:
São São Paulo (1968)
São, São Paulo meu amor
São, São Paulo quanta dor
São oito milhões de habitantes
De todo canto em ação
Que se agridem cortesmente
Morrendo a todo vapor
E amando com todo ódio
Se odeiam com todo amor
São oito milhões de habitantes
Aglomerada solidão
Por mil chaminés e carros
Caseados à prestação
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito
São, São Paulo
Meu amor
São, São Paulo
Quanta dor
Salvai-nos por caridade
Pecadoras invadiram
Todo centro da cidade
Armadas de rouge e batom
Dando vivas ao bom humor
Num atentado contra o pudor
A família protegida
Um palavrão reprimido
Um pregador que condena
Uma bomba por quinzena
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito
São, São Paulo
Meu amor
São, São Paulo
Quanta dor
Santo Antonio foi demitido
Dos Ministros de cupido
Armados da eletrônica
Casam pela TV
Crescem flores de concreto
Céu aberto ninguém vê
Em Brasília é veraneio
No Rio é banho de mar
O país todo de férias
E aqui é só trabalhar
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito
São, São Paulo
Meu amor
São, São Paulo
Parque Industrial (1968)
É somente requentar
E usar,
É somente requentar
E usar,
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação.
Despertai com orações
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção.
Tem garota-propaganda
Aeromoça e ternura no cartaz,
Basta olhar na parede,
Minha alegria
Num instante se refaz
Pois temos o sorriso engarrafadão
Já vem pronto e tabelado
É somente requentar
E usar,
É somente requentar
E usar,
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Retocai o céu de anil, … … … etc.
A revista moralista
Traz uma lista dos pecados da vedete
E tem jornal popular que
Nunca se espreme
Porque pode derramar.
É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado,
É somente folhear e usar,
É somente folhear e usar.
Companheiro Bush (2003)
Se Você Já Sabe Quem
Vendeu Aquela Bomba Pro Iraque,
Desembuche.
Eu Desconfio Que Foi O Bush.
Foi O Bush,
Foi O Bush.
Foi O Bush.
Onde Haverá Recurso
Para Dar Um Bom Repuxo
No Companheiro Bush.
Quem Arranja Um Alicate
Que Acerte Aquela Fase
Ou Corrija Aquele Fuso,
Talvez Um Parafuso
Que Ta Faltando Nele
Melhore Aquele Abuso.
Um Chip Que Desligue
Aquele Terremoto,
Aquela Coqueluche.
Se Você Já Sabe etc.