Em ato prestigiado, Amélia Hamburger é homenageada pela cidade de São Paulo
Um cristal em que a luz não se fecha em si, mas é irradiada para fora. A comparação feita pelo professor especialista em literatura, Alfredo Bosi, resume o espírito da física Amélia Império Hamburger, para quem mais importante do que saber era discutir e disseminar o conhecimento.
Publicado 27/09/2011 17:55 | Editado 04/03/2020 17:17
A professora da USP, falecida em abril deste ano, foi condecorada, in memoriam, com a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo em sessão solene proposta pelo vereador Jamil Murad (PCdoB) e realizada na noite desta segunda-feira, 26, na Câmara Municipal.
Ao longo da noite, amigos, intelectuais e políticos de diferentes áreas e matizes se revezaram na Tribuna do Salão Nobre para recordar a vida e a obra de uma das principais cientistas do país.
O vereador José Police Neto, presidente da Câmara, lembrou que Amélia teve a capacidade de “facilitar o acesso à ciência pelo povo”, casando a “linguagem popular com o conhecimento científico”.
O vereador Jamil Murad, por sua vez, ressaltou o aspecto nacional de seu trabalho e o pouco reconhecimento que a comunidade acadêmica tem na sociedade em geral. “Não se constrói uma nação sem que se desenvolva o conhecimento. Ela dedicou a vida toda a esse ideário e não poderia deixar de ser homenageada pela Câmara, uma maneira de levar o seu nome e seu legado para além do mundo acadêmico, tornando-a mais conhecida do nosso povo”.
Para Jamil, seus ensinamentos e ideais “estão mais vivos do que nunca: o Brasil ganha cada vez mais destaque no concerto das nações, na sua produção científica e tecnológica, o que não aconteceria sem o trabalho de pessoas com a Amélia Império Hamburger”.
Maria de Lourdes de Montes, prima de Amélia, resgatou o aspecto pessoal e maternal da física, que teve cinco filhos e seis netos. “Recordar Amelinha é lembrar seu olhar firme e ao mesmo tempo doce”. E, recordando trecho de poema de seu marido, José Maria Homem de Montes, destacou: “hoje é um vazio cheio de saudades”.
Alfredo Bosi destacou o trabalho de Amélia como docente. "Ela tinha uma verdadeira paixão pedagógica de transmitir seu conhecimento, de ensinar a ensinar, num debruçar-se atento sobre instituições e pessoas".
Sua amiga e parceira de trabalho, Ana Maria Almeida Carvalho, disse: “nunca senti que ela ensinava, mas que descobríamos as coisas juntas”. Amélia “tinha grande inquietação intelectual, questionava, desafiava, num contínuo esforço de criatividade e inovação”.
Olival Freire Jr., coordenador-geral da Secretaria do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia e ex-aluno de Amélia, recordou a perseguição sofrida pelo casal Ernst e Amélia Hamburger durante a ditadura militar, quando chegaram a ser presos. Ele recordou as diversas manifestações de cientistas nacionais e internacionais contra a prisão de ambos. “Com ela, aprendi que o trabalho acadêmico não pode estar dissociado da vida e que devemos valorizar a pesquisa brasileira”.
O professor de física da USP, Silvio Salinas, salientou que “são poucas as homenagens prestadas a cientistas”, destacando o que seria “pioneirismo” do vereador Jamil Murad ao propor a homenagem na Câmara. Sobre a Amélia, colocou que “tinha o fino espírito crítico, fundamental no ambiente acadêmico, e ao mesmo tempo era muito generosa”.
Finalizando as apresentações da mesa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, disse que “Amelinha era uma lutadora”. Lembrou ainda que “hoje estamos e falamos de democracia, mas nos anos da ditadura, falar na SBPC, por exemplo, era uma proeza. Não era fácil; muitos foram presos. Se a campainha de casa tocasse à noite, tínhamos muito medo”. Para o ex-presidente, “a convivência prolongada entre as pessoas não acaba com a morte”.
Ao término do ato, o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo e a Medalha Anchieta foram entregues ao marido de Amélia, Ernst Hamburger, cercado por filhos e netos. “Tudo que foi dito aqui sobre a Amelinha foi muito bonito, muito tocante. Quero agradecer a todos. A homenagem é para Amélia, não é para mim, mas essa homenagem está dando lugar para o encontro de muitos velhos amigos. Neste sentido, além do significado social mais amplo, é uma satisfação muito grande, pessoal, para todos nós”, disse.
Amélia Hamburger também foi homenageada através de vídeo feito pelos seus netos e da apresentação da pianista Juliana D’Agostini, que tocou Chopin, um dos compositores clássicos favoritos da professora de física. Compareceram também à cerimônia o secretário de Cultura da cidade de São Paulo, Carlos Augusto Calil e o secretário especial de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo, José Gregori, entre outras autoridades, representantes de entidades civis, científicas e acadêmicas e vereadores.