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Pedro J. Bondaczuk: Quando o intelecto alia-se à paixão

A importância de um livro não se mede, apenas, pelo tema que aborda. E nem pela forma com que o assunto é tratado. Também a sua extensão não é, nem de longe, relevante, por não se tratar de parâmetro confiável de avaliação.

Por Pedro J. Bondaczuk

Há volumosíssimos calhamaços, de mil páginas ou mais que, quando submetidos à criteriosa análise, se revelam vazios de ideias e desérticos em termos de pensamentos e sentimentos. Não sensibilizam, nada acrescentam e raramente o leitor consegue completar sua leitura. Não passam de perdulária verborragia.

Não que conteúdo e forma não sejam importantes. São mais do que isso: fundamentais. Mas a extensão não é. Os bons escritores, aqueles que sobrepujam o tempo e o esquecimento, dão seus recados em poucas palavras, em pouco mais que uma centena de páginas, se tanto. São, além de criativos e peritos no domínio da técnica de redação, objetivos. Põem, sem rodeios, logo de cara, o “dedo na ferida” a que se propõem a expor.

Parodiando o dramaturgo Bertholt Brecht, em uma de suas tantas peças teatrais que ainda rodam mundo, encenada nos mais requintados palcos planeta afora, pode-se afirmar, categoricamente: “Há livros com conteúdo sólido e profundo e são bons. Há outros que além do conteúdo, têm forma correta, precisa e impecável, e são melhores. Há os que além do conteúdo e da forma, primam pela fluência e pela clareza e são muito bons. Mas há os que, além de tudo isso, são escritos com paixão. Estes são imprescindíveis”.

Esse é o caso específico do excelente romance de Urariano Mota, Soledad no Recife (Boitempo Editorial) – obra ficcional, posto que baseada em fatos e personagens reais – que, por reunir todas essas características simultaneamente, tem que constar das mais refinadas e preciosas bibliotecas de pessoas inteligentes, bem-informadas, cultas e, sobretudo, sensíveis, combinação que, convenhamos, é das mais raras.

Creiam-me, não exagero. Se exagero houver na minha constatação, este é para menos, dada minha relativa inabilidade para expressar-me com a clareza e a objetividade que o assunto requer. Concordo com o escritor Alípio Freire que acentuou, no texto de “orelha” do livro de Urariano Mota: “Quando viramos a última página de Soledad no Recife, o mais indicado é que nos recolhamos a um profundo e contrito silêncio ou que nos lancemos à produção de um exaustivo ensaio literário (…)”. É o que fiz, faço agora e me proponho a fazer em breve.

No caso do verbo fazer no passado, devo confessar que terminei de ler o livro de Urariano em novembro do ano passado, tão logo ele me chegou às mãos. Quando lancei no mercado Lance fatal e Cronos e Narciso, em setembro de 2010, fiz um trato com o amigo escritor. Ele escreveria a respeito das minhas duas modestas obras e eu me propunha a fazer o mesmo em relação
ao seu romance. Trato feito, trato cumprido, certo? Errado!

Urariano fez a sua parte. Redigiu inteligente e lúcida avaliação dos meus dois livros (generosíssima, sem dúvida), enquanto eu… Estava tomado rigorosamente pela mesma sensação que Alípio teve. Ou seja, a da necessidade de recolher-me a um “profundo e contrito silêncio”. Não podia limitar-me a uma análise superficial e apressada do livro. Ademais, já havia decidido redigir, oportunamente, um ensaio literário a propósito.

O caso do verbo fazer no presente é esta minha contrita confissão de débito com o amigo, essa admissão de não haver cumprido, de imediato, o trato feito. E o tempo futuro? É o aviso de que na sequência, farei várias considerações sobre Soledad no Recife que, reunidas, poderão compor (na verdade, irão) alentado ensaio literário. Só espero ter competência suficiente para expressar-me com clareza, pelo menos a minimamente próxima da do autor deste apaixonante romance.

Ajo dessa maneira não apenas consoante recomendação de Alípio Freire, lúcida e pertinente, mas, principalmente, em respeito ao enorme talento de Urariano. Convém ressaltar que não há nenhuma subjetividade no que penso desse escritor. Afinal, mesmo sem que houvesse o menor contato pessoal entre nós (ele no Recife e eu em Campinas), ou seja, sem que houvesse um reles
aperto de mão, um abraço fraterno, um olho no olho e sem que um conheça, por exemplo, nem mesmo o timbre da voz do outro, por nunca termos conversado, tenho-o na conta de grande amigo. E de fato, ele o é. Mais do que isso até, considero-o irmão que compartilha comigo (e eu com ele) sonhos e ideais comuns. Essas coisas a gente sabe, sem a mais remota necessidade de
comprovação. Sente-as.

Urariano trata desse assunto – e de muitos outros, como amor, ódio, ciúmes, traição, idealismo, etc. etc. etc. – e faz, na página 54 de Soledad no Recife, esta lapidar constatação: “Ocorrem-nos sentimentos muitas vezes sem explicação, sem uma causa clara, se podemos alimentar a esperança de que todas as coisas tenham uma causa. As pessoas do povo têm uma frase que
expressa melhor um fato sem explicação ‘isso tem lógica’. Se tiver, não é mecânica, nem está no reino do cálculo das probabilidades”. (…).

Porquanto, como Urariano observa em outro trecho do livro: “A vida está ao lado, corre célere agora mesmo, e pede, mais que pede, exige, ordena uma interpretação, um instantâneo, um flagrante. A paralisação do voo do beija-flor. Mais grave que isso, porque passa ao largo da paralisação mecânica do movimento. Não são asas em um voo congelado. Não é o instante infinitésimo no percurso e paradoxo da flecha de Zenon. É como – se me permitem comparar mal – um olhar fixo e perseguidor. Vivo, permanente e ciclópico. No entanto, além dessa ambição e muito mais além do escrito, a vida corre, ao lado de mim”.
(…)