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Argentina: “Não daremos sequer um passo atrás”

O secretário de Relações Internacionais do partido argentino Frente Grande, Jorge Drkos, considera irreversíveis as mudanças vivenciadas pela Argentina nos últimos oito anos e não descarta uma guinada do país rumo ao socialismo.

Por Vanessa Silva, de Buenos Aires, especial para o Vermelho

Jorge Drkos ao lado do ex-presidente brasileiro
Em entrevista ao Vermelho, Drkos fala sobre as mudanças vivenciadas pela Argentina desde o início do kirchnerismo (1) no país, o que é necessário para a construção de um “país distinto” e dá como certa a vitória de Cristina Kirchner nas eleições de 23 de outubro.
 
De acordo com pesquisa divulgada na última quarta-feira (14), pela consultoria Management & Fit, a presidente argentina, Cristina Kirchner, obteria 51,9% dos votos, superando por mais de 40 pontos percentuais seu rival mais próximo, garantindo assim sua reeleição já no primeiro turno.

A pesquisa confirma o resultado obtido pela presidente na primeira etapa das eleições argentinas, as Primárias Abertas Simultâneas Obrigatórias (PASO), realizada dia 14 de agosto, ocasião em que obteve mais de 50% dos votos.

Vermelho: Quais são as mudanças que se fazem necessárias em um provável novo governo de Cristina?
Drkos: O apoio à presidente se dá, em nossa opinião, em função do fato de ela, ao longo de seu mandato, ter aprofundado e levado adiante medidas para gerar melhores condições de vida ao conjunto da sociedade argentina. Nós dizemos “nunca menos” que o governo de Cristina. Isso porque conquistamos uma situação política, institucional, econômica, social e cultural, da qual não podemos dar sequer um passo atrás. Nunca esperamos menos deste governo!

Cristina, no entanto, seguramente, terá que aprofundar muitas dessas medidas. Temos que melhorar o sistema educacional, para que cada vez mais se diminua a brecha tecnológica entre os diferentes setores da sociedade e seguramente temos que avançar também em áreas como a saúde, cultura, moradia digna e com um sistema de aposentadoria adequado aos trabalhadores de nosso país.

Vermelho: Uma coisa é governar por quatro, ou oito anos, e outra é ter um projeto de país em que são definidas políticas de longo prazo. Cristina tem hoje um projeto de nação? Um programa de longo prazo para a Argentina?
Drkos: No dia 25 de maio de 2003, quando Néstor Kirchner (2) assumiu a presidência, teve início um novo processo político no país, que foi seguido por Cristina. As ações de conjuntura para atacar os problemas mais urgentes – como o desemprego e a miséria – o avanço que a questão teve para toda a nação e o pensamento de um projeto de país integrado ao conjunto da América Latina, tudo isso está relacionado com a transformação que se iniciou a partir de 2003.

A isso, nós chamamos de “construção de um país distinto”. Nas questões internacionais, isso se dá por meio da Unasul (3). Já no âmbito nacional, pela redistribuição de renda e resposta às demandas da sociedade – com melhorias na educação, na saúde, melhores salários e inovações tecnológicas. De forma concreta, se levarmos em conta que estamos construindo um novo cenário de opinião a partir da nova lei dos meios (4) e da renovação da Justiça, seguramente poderemos dizer que tudo isso faz parte um projeto de longo prazo para o país.

Vermelho:
Sobre essas mudanças no âmbito internacional: É possível falar em integração sul-americana? Caminhamos para ela com os governos de Cristina Kirchner, Dilma Rousseff, Hugo Chávez, Evo Morales, ou ainda existem entraves que dificultam sua consolidação?
Drkos: A América Latina, neste momento histórico [com a crise nos países desenvolvidos, as guerras dos Estados Unidos em diferentes territórios – como Iraque –, e a agressão aos países da África] tem a possibilidade de gerar um espaço regional para integrar-se de uma maneira diferente neste contexto globalizado. Esse momento histórico faz com que necessitemos trabalhar coordenadamente pela busca de novos instrumentos que aperfeiçoem nossa capacidade de integração.

Vermelho: Caminhamos para isso?

Drkos: Caminhamos para isso com dificuldades lógicas. Mas é um caminho que não tem marcha à ré. É irreversível. É a única opção para que cada um de nossos países possa enfrentar a crise da melhor forma possível. Esta crise não se enfrenta de forma individual. Não há saída possível para o Brasil sem Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela. O mesmo para a Argentina, que não pode sair sozinha.

Há uma necessidade de interdependência na qual a solução de cada uma de nossas nações está na força coletiva e essa força vem da construção de um bloco cada vez mais unido e mais sólido. Ao observar isso, nos damos conta de que o continente latino-americano vive um momento excepcional porque sequer durante as guerras de libertação nacional existiu um grau de unidade e consenso que têm hoje a maioria dos líderes e presidentes de nossos países.

Vermelho: Disse que o governo de Cristina não vai dar marcha à ré, não vai retroceder. Considera então que esse passo à frente é um caminho rumo ao socialismo?
Drkos: Nesse sentido, primeiro é necessário recuperar a nação para depois pensar se pode existir um caminho para o socialismo. A Argentina, entre 2001 e 2002, esteve à beira da dissolução nacional, havia um processo de destruição da nação, que começa a se reconstruir a partir de 2003.
Então estamos nesta etapa de reconstruir a nação, uma nação que responda às necessidades de seus habitantes e, seguramente, neste caminho iremos estruturando e encontraremos novas vias. Dessa forma, podemos sim explorar a possibilidade e o caminho até formas alternativas e também estudar a possibilidade do socialismo. Posso dizer que, como integrante da Frente para a Vitória (5), este é um debate que se dará no seio desta força política.

Notas:

(1) Kirchnerismo
Nome da corrente política de centro-esquerda e de origem peronista nascida em 2003, que reúne os principais princípios ideológicos dos governos dos presidentes Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Fernández de Kirchner (2007-atual).

(2) Néstor Kirchner
O ex-presidente peronista da Aliança Frente para a Vitória, Néstor Kirchner (1950-2010), governou a Argentina entre 2003 e 2007 após a crise desencadeada pelo governo de Fernando De La Rúa. Foi responsável pela revitalização da economia e fortalecimento das relações econômicas com os
países da América Latina. Foi sucedido por sua mulher e atual presidente, Cristina Fernández de Kirchner (2007-atual).

(3) Unasul
A União de Nações Sul-Americanas (Unasul) é formada pelos 12 países da América do Sul e tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de articulação no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos.

(4) Nova lei dos meios
A nova lei dos meios de comunicação, promulgada em outubro de 2009, tem como objetivo impedir a formação de monopólio impondo limites à concentração e fixando cotas à quantidade de licenças por tipo de meios. Todo o espectro radiofônico e televisivo será dividido, ficando 33% para os governos de estados e municípios, 33% para organizações sem fins lucrativos e 33% para meios universitários e educativos.

(5) Frente para a Vitória
É uma aliança eleitoral de orientação peronista, fundada em 2003 pelo ex-presidente, Néstor Kirchner (2003-2007). A Frente também sustenta a candidatura de Cristina Kirchner (2007-atual) e é composta por diversos partidos, entre eles, o Partido da Vitória, o Partido Comunista e o partido
Frente Grande.