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M.K. Bhadrakumar: Os líbios amavam Kadafi, diz Berlusconi

Sobre a Líbia, o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi deveria ter falado há seis meses. A Itália conhece bem o Maghreb. Que sentido tem dizer agora o que disse na sexta-feira? Pelo menos, registra o que todos os governos ocidentais sabem, mas não dizem.

Por M.K. Bhadrakumar, no Indian Punchline

Sobre a Líbia, o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi deveria ter falado há seis meses. A Itália conhece bem o Maghreb. Que sentido tem dizer agora o que disse na sexta-feira? Pelo menos, registra o que todos os governos ocidentais sabem, mas não dizem – “Na Líbia, não houve levante popular. Alguns políticos ocidentais poderosos decidiram iniciar uma nova era, derrubando Kadafi. Não houve levante popular na Líbia. Kadafi era amado pelos líbios, como vi quando estive na Líbia” [1].

Berlusconi é político esperto. Não é ideólogo, claro que não, que criticasse a doutrina da “intervenção humanitária” usada como pretexto para uma intervenção ocidental. O mais provável é que tenha sido induzido a falar porque há risco de o novo regime em Trípoli favorecer as empresas de petróleo de França e Grã-Bretanha (que comandaram a ‘coalizão de vontades’ da Otan na Líbia), em detrimento da Itália, que foi parceira privilegiado da Líbia durante a era Kadafi. A era colonial, no século 19, foi repleta dessas rivalidades entre potências coloniais europeias que disputavam os despojos de guerra na África. No século 21, a história se repete.

Mas a fala de Berlusconi traz também um alerta – o regime da Otan em Trípoli não tem base popular e dependerá do apoio militar da Otan. Que tipo de estabilidade poderá ter tal arranjo?

As coisas tomarão provavelmente o rumo do que parece estar acontecendo no Iêmen. Há semelhanças entre as situações da Líbia e do Iêmen. A disputa entre clãs é o centro da narrativa política; petróleo e geopolítica misturam-se; a localização geográfica é estratégica; os grupos mais bem organizados do país são extremistas, o que faz diferença, caso o país entre em anarquia. Já há notícias de que elementos da al-Qaida estão cruzando a fronteira para a Síria, e tomando posição para recolher vantagens da volatilidade naquele país.

O que acontece se Síria, Líbano e Iraque se converterem em teatros de dramas correlacionados? A violência que mutilou a Líbia já está respingando no Sinai. O Egito está perdendo o controle sobre a Península do Sinai e, como escreveu um comentarista israelense ontem, angustiado, o espaço que “separa” Israel e Egito está-se convertendo em “fronteira abandonada aos contrabandistas de armas, traficantes de seres humanos e refugiados africanos” [2].

O mesmo se pode dizer das fronteiras entre Iêmen e Arábia Saudita, nas regiões dominadas pelos xiitas. Não surpreende que a União Africana recuse-se a aplaudir a derrubada de Kadafi [3]. (…)

Notas dos tradutores
[1] Gaddafi was loved by his people
[2] Analysis/Crises with Turkey and Egypt represent a political tsunami for Israel
[3] Al-Qaeda militants “crossing into Syria from Iraq”

O embaixador M.K. Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quaisThe Hindu e Asia Online. É o filho mais velho de M.K. Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante comunista de Kerala.

Fonte: Redecastorphoto. Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu.