Theotonio Dos Santos: Dilma como continuidade de Lula
Passados 10 meses das eleições presidenciais seria conveniente fazer um balaço das razões que permitiram uma vitória substancial da continuidade administrativa e um fracasso inquestionável das forças de oposição. Creio que este esforço nos ajudará a entender as razões que estão levando ao paroxismo esta oposição no momento atual buscando desesperadamente abrir brechas no governo Dilma e sobre tudo entre as forças políticas que formam sua base de apoio.
Publicado 02/09/2011 18:51
Talvez este balanço de 2010 nos ajude a prever o destino desta nova onda oposicionista.
Depois de um longo período de desconhecimento de sua candidatura e até de desprezo por sua pretensão, as pesquisas eleitorais mostraram uma forte tendência à afirmação da candidatura de Dilma Rousseff, chegando inclusive a apontar uma probabilidade de sua vitória no 1º turno. O aumento da aceitação de Dilma foi se firmando na medida em que os eleitores tomaram conhecimento de sua personalidade, de sua firmeza e, sobretudo, de sua obra político-administrativa à frente da Casa Civil e particularmente do PAC. Seus programas eleitorais tiveram o acerto de apresentá-la como ela é: seus marqueteiros abandonaram a idéia de forjar uma Dilma leviana, engraçadinha, tudo que os preconceitos anti-populares atribuem ao gosto popular. Vimos uma Dilma admirada por Lula, o grande eleitor, não por ser boa política eleitoreira, e sim por ser capaz, objetiva, focada, determinada.
Ai está a essência do fracasso de estratégia eleitoral da oposição comandada pelo PSDB e o DEM. Eles partiram do preconceito de que Lula era um autocrata e escolhera para sucedê-lo um poste qualquer. Segundo eles: a vitória seria esmagadora quando se confrontasse este “poste” com a inteligência, a argúcia, a experiência, a eficiência e tantas qualidades por eles atribuídas ao ex-governador de São Paulo, José Serra. São Paulo, governado pelo PSDB há 16 anos, é o mais poderoso estado brasileiro, mas também o mais decadente, prisioneiro de um modelo de desenvolvimento econômico que afoga sua população no pior trânsito do mundo, segundo pesquisas recentes, além de apresentar um conjunto de serviços públicos de péssima qualidade- educação, saúde e habitação- e uma população miserável incompatível com a riqueza deste estado, etc, etc.
Há um bom tempo que São Paulo crê que lhe cabe governar o Brasil, apesar de que nossa economia se move para outras partes do país. Confiante nesta missão indiscutível para eles, sua elite política não se prepara para o conhecimento do Brasil. Ao contrário, sua pretensão de superioridade impede seus líderes de dar importância ao resto do país. Lula escapou em boa parte desta armadilha, ao realizar uma campanha de conhecimento do país e ao manter sua personalidade de peão nordestino. E, apesar de que os marqueteiros arrumaram (isto é, elitizaram) bastante seu “look” não puderam convencê-lo de romper com suas raízes populares.
Neste contexto, é possível detalhar os erros do projeto político e eleitoral da oposição ao governo Lula:
1° erro: Dilma não era e não é um boneco da propaganda política. Sua autenticidade é seu principal atrativo, Ela levou o governo Lula aos píncaros do prestigio com 94 % de apoio ao seu governo (se somamos aos 86% de “ótimo e bom” com os 8% de “regular” apresentado nas pesquisas). Ela não pretendeu ser um imbatível administrador paulista, como Serra pretendia ser, nem um intelectual de prestigio internacional como Fernando Henrique. Ela admite, como Lula, seus erros e seus limites e o povo brasileiro terminou por aceitar e mesmo admirar esta atitude.
Um toque pessoal: quando conheci Hugo Chavez, em 2002, lhe fiz uma colocação que creio ele nunca se esqueceu: “Você parece seguir firmemente um principio de Fidel Castro: nunca realizamos nada que não estivesse antes na consciência do povo cubano”. Está é a explicação para um líder popular manter-se no poder 50 anos amado e admirado pelo seu povo. Fidel e o povo cubano enfrentaram durante 50 anos, ali do seu lado (as famosas 200 milhas), o maior poder econômico, militar e intelectual que conheceu a humanidade e o venceram até hoje. Chavez enfrentou já, por 11 anos, a mais violenta e agressiva oposição de uma rica classe média e de uma poderosa oligarquia venezuelanas com o apoio direto desta mesma super potência que dominou a sua principal riqueza (o petróleo) por 50 anos. E, contudo, lhes ganhou 9 eleições em 10 anos !!! Apesar disto a mídia internacional consegue convencer aos incautos que se tratam de dois ditadores imbecis.
2° erro – O povo brasileiro não é um bando de cordeirinhos ignorantes, dispostos a seguir as campanhas mentirosas inventadas pelos meios de comunicação do país e sua coorte de experts. Por mais que tentassem converter Dilma numa incompetente provinciana, perderam seu trabalho de anti-marketing quando não puderam impedir os brasileiros de conhecê-la…
Aqui vai mais um episódio que protagonizei. Logo no começo do segundo governo Lula eu lhe disse a Dilma: _ Você será a próxima presidente do Brasil. Ela reagiu espantada: _ Que idéia louca Theotonio. Eu estou cansadíssima. Nem quero pensar nisso … Eu lhe respondi: _ Você não pode impedi-lo. Você salvou Lula de uma administração desastrosa, orientada para atender ambições eleitorais de companheiros nos quais confiava. Você não só colocou ordem na casa, você o ajudou a governar, a definir um rumo e elaborar uma estratégia de desenvolvimento do País. Além disso, você restaurou a dignidade e a ética do governo sem que a direita pudesse te atacar em nada. (Ela interrompeu firmemente afirmando que isto é assim mesmo porque ela não lhes oferecia nenhum pretexto). Eu lhe fiz então esta consideração: Lula não pode desprezar esta conquista que consolida seu governo. Ademais você não representa nenhuma fração do PT. Você pode representar o conjunto do partido e isto é muito raro. E, finalmente você é mulher e estamos numa conjuntura de eleições de mulheres na região e no mundo. Não tem saída; Tem que ser você.
Estou seguro que ela não acreditou na minha análise, no primeiro momento. Mas talvez, em algum momento posterior, terá baixado sua resistência e aceitado seu destino. Com a mesma consequência com que tomou suas decisões políticas contra a ditadura, com o risco de sua própria vida, assumiu em plenitude a tarefa que parecia então completamente irrealista. O povo brasileiro não é imbecil como pretende a oposição e ele soube apreciar as razões que levaram Lula a apresentá-la como sua sucessora. Apresento este testemunho pessoal não para jactar-me já que fiz muitas previsões erradas na vida. Mas esse episódio pode demonstrar como grande parte dos comentaristas políticos que figuram na grande imprensa brasileira são incapazes de fazer um raciocínio político a médio prazo e cometem erros sistemáticos de previsão dos acontecimentos que lhes caberia entender. Mas isto é mais grave ainda quando pensamos nos nossos políticos, particularmente esta “elite” pretensiosa que forma a oposição. Ofuscados por seus preconceitos e seus desejos, tornam-se incapazes de compreender o embate político no qual estão participando.
3° erro: Serra e seus aliados subestimaram o critério político de Lula e a capacidade política de Dilma. Ao falharem totalmente nas suas avaliações tiveram que apoiar definitivamente sua opção política no pântano da direita. Serra tinha tentado criticar os juros altos sem criticar, contudo, a política macro-economica do real. Mas os juros altos são o último bastião desta política. Na sua origem, o plano real se apoiou nas chamadas três âncoras que fracassaram todas como ocorreu em todos os países que adotaram os princípios do Consenso de Washington.
Com um câmbio elevado a R$ 4, por dólar; uma dívida interna colossal e uma situação cambial desastrosa, com uma dívida vencida de mais de US$ 30 bilhões sem um centavo para pagá-la (o que levou ao acordo com o FMI para adiar seu pagamento que todos os candidatos presidenciais assinaram, exceto Garotinho) e com uma inflação superior a 10% numa conjuntura mundial deflacionária, podemos afirmar sem sombra de dúvida que o plano real foi um total fracasso.
A ridícula desculpa do governo derrotado eleitoralmente de que este fracasso era um resultado da possibilidade de vitória de Lula só pode ser aceita por pessoas de muito má fé e ignorantes. Qualquer pessoa sabe que este desastre estava previsto por qualquer estudioso sério da economia brasileira. Este desastre era o mesmo em toda a região, o que vem levando à derrota sucessiva dos governos que se filiaram ao Consenso de Washingon e acreditaram na imprensa oficiosa que cobriu todos seus enganos, desastres e corrupção generalizada. Se os leitores querem aprofundar nas razões econômicas, políticas, morais e intelectuais deste fracasso lhes sugiro a leitura do meu livro Do Terror à Esperança: Auge e Declínio do Neoliberalismo, Idéias &Letras, Aparecida, 2004.
É assim fácil compreender as dificuldades de recuperação política das forças que foram duramente derrotadas em 2010. Eles continuam batendo nas mesmas teclas que as levaram ao fracasso. E querem justificar seus erros em vez de assumi-los. Prepotentes, atribuem sua derrota à ignorância e ao atraso do povo brasileiro e condenam como populismo todos os esforços governamentais que favorecem a maioria da população. Seria tema de outro artigo, analisar o novo fracasso da oposição, agora diante do governo Dilma. Mas ele está assentado nas mesmas razões que levaram ao fracasso eleitoral de 2010.
*Theotonio Dos Santos é Professor emérito da Universidade Federal Fluminense, Presidente da Cátedra e Rede da UNESCO e da Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável.
Fonte: Alainet