Após cinco dias, MST desocupa fazenda grilada pela Cutrale
Depois de cinco dias, 400 integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) começaram a desocupar, nesta sexta-feira (25) ao meio-dia, a fazenda da União grilada pela Cutrale, em Iaras (a 285 km da capital paulista), como informa a página eletrônica da organização. Movimentos que integram a Via Campesina realizam ações em 17 unidades da federação nesta semana.
Publicado 26/08/2011 13:40
A área foi ocupada na segunda-feira (22) por cerca de 400 sem-terra. Na quarta (24), o juiz Mario Ramos dos Santos, da 2ª Vara Cível de Lençóis Paulista (SP), concedeu liminar à Cutrale na qual determina a reintegração de posse da fazenda.
A Justiça havia determinado ainda que o movimento deixasse a fazenda em 24 horas, mas os ativistas negociaram com a Polícia Militar a permanência no local até hoje. Nessa semana o movimento lançou uma campanha contra a Cutrale, na qual pede a internautas e simpatizantes que rubriquem três abaixo-assinados contra a empresa, que serão endereçados ao Tribunal de Regional Federal (TRF) em São Paulo, Ministério Público e Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental).
De acordo com uma das coordenadoras regionais do movimento, Cláudia Praxedes, as famílias estão saindo em ônibus rumo a Bauru, também no interior paulista, onde participam, a partir das 14h, de uma audiência pública com representantes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), da Igreja, parlamentares, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Jorge Soriano Moura, e dirigentes de centrais sindicais.
A luta continua
Foto: Mario Ângelo/Sigmapress/AE |
Integrantes do MST ocupam área da União invadida pela Cutrale, em Iaras (SP) desde segunda-feira (22). |
“A ocupação da área cumpriu o objetivo de pautar o debate sobre o uso de terras públicas para fins privados e denunciar os crimes cometidos pela Cutrale “, afirma Judite Santos, da Coordenação Estadual do MST. "Conseguimos denunciar também que o suco de laranja da Cutrale é vendido em uma caixinha bonita para os ricos, mas é produzido com base na utilização exagerada de agrotóxicos", pontua.
O ato de encerramento da jornada de lutas pela retomada das terras griladas acontece às 16h, em frente à Câmara Municipal de Bauru, com a participação de diversas entidades da sociedade civil que apóiam a retomada das terras públicas usurpadas pela Cutrale.
“A luta pela retomada das terras públicas vai continuar até que todas elas se transformem assentamentos para trabalhadores rurais sem terra”, projeta Judite.
Segundo ela, as próximas ações do Movimento serão definidas a partir dos elementos que serão apresentados na audiência pública, especialmente o posicionamento do Incra sobre as perspectivas da retomada da área e criação de assentamentos.
Foto: Mario Ângelo/Sigmapress/AE |
O protesto paralisou a produção da Cutrale. |
Nos cinco dias de ocupação, os Sem Terra construíram uma relação cordial com os caseiros que moram na fazenda. “Fizemos uma boa relação com os caseiros e doamos de alimentos produzidos nas áreas da Reforma Agrária”, destaca Judite.
No período dos cinco dias, o protesto do MST paralisou a produção da empresa Cutrale e liberou os trabalhadores das suas atividades, "assim como acontece nas greves por aumento de salários e melhores condições de vida em qualquer fábrica", esclarece o movimento em sua página eletrônica.
A fazenda
A fazenda da Cutrale faz parte do Núcleo Colonial Monção, criado em 1909, quando o governo federal comprou vários imóveis rurais na região. O movimento afirma que a área é de propriedade da União, foi grilada (obtida por meio de falsificação de documentos) por um antigo fazendeiro e vendida à empresa.
O Incra confirma que a área foi adquirida irregularmente e tenta reaver a fazenda na Justiça. Segundo o Incra, em audiência na Câmara de Conciliação da Advocacia Geral da União (AGU) em abril deste ano, ficou acordado que a Cutrale iria transferir as terras à União, o que até agora não ocorreu.
Paralelamente, o processo envolvendo a posse da fazenda tramita na 1ª Vara da Justiça Federal de Ourinhos (SP) desde agosto de 2006. “A recuperação deste patrimônio público traz a perspectiva de construir uma grande área reformada no centro do estado de São Paulo, que facilitará a integração produtiva dos trabalhadores assentados e sua articulação com os mercados locais”, diz o Incra, em nota.
A Cutrale afirma, em nota, que "já demonstrou a legalidade na aquisição dessa propriedade agrícola" e lamenta as ocupações por parte do MST. A Cutrale diz ainda que a Justiça já tomou decisão favorável à empresa sobre a posse da fazenda Santo Henrique.
Ocupação de 2009
A mesma área foi ocupada pelo MST em outubro de 2009. Imagens gravadas na época por um helicóptero da Polícia Militar mostraram os sem-terra derrubando pés de laranja com tratores –segundo os ativistas, para plantar feijão e milho aos sem-terra que ocupavam o local.
A ocupação de 2009 foi duramente criticada por ruralistas e políticos, o que gerou a abertura da CPI do MST no Congresso. Na época, o MST pressionava o então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, a assinar a atualização dos índices de produtividade da terra — antiga reivindicação dos sem-terra, que viabiliza a desapropriação de terras improdutivas –, prometida pelo presidente Lula.
Com a abertura da CPI, o movimento teve que recuar, e até agora os índices não foram atualizados. Segundo o MST, a ação desta semana integra a Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, que acontece em vários estados onde o movimento está organizado e também em Brasília.
Em janeiro deste ano, os sem-terra que ocuparam a fazenda em 2009, acusados de depredarem as instalações da Cutrale e causarem prejuízos de R$ 1 milhão, foram inocentados pela Justiça por falta de provas. A CPI do MST não detectou irregularidades entre os convênios firmados por entidades ligadas ao movimento e o governo federal.
Cutrale
Maior indústria de suco de laranja do mundo, a Cutrale controla um terço da produção mundial do setor. A empresa é brasileira, mas possui sedes e fazendas em vários países do mundo e é parceira da Coca-Cola. O atual presidente da empresa, José Luís Cutrale, é um dos homens mais ricos do meio rural brasileiro.
Ao lado da Citrovita (do Grupo Votorantim) e da Dreyfus, a Cutrale é investigada desde 1999 pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça por formação de cartel para controlar a compra de laranjas, e a produção, distribuição e exportação do suco.
Em julho de 2010, a empresa foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) a pagar R$ 800 mil ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) por não respeitar a jornada de trabalho dos funcionários.
Da redação, com informações do UOL e do MST