PC paraguaio: “Notamos um momento de reorientação política”
O Partido Comunista do Paraguai celebrou seu 7º Congresso no final do último mês de julho. A Prensa Latina conversou a respeito dessa reunião com o secretário-geral da organização política, Najeeb Amado. A conjuntura atual do país, a avaliação e as relações com o governo do presidente Fernando Lugo, a unidade política e estratégia de luta, estiveram entre os temas analisados na conversa.
Publicado 15/08/2011 09:09
A seguir, confira a entrevista.
Prensa Latina: O Paraguai está vivendo uma conjuntura interessante de reacomodação e reposicionamento. Que avaliação faz o Partido Comunista deste momento?
Najeeb Amado: Em 22 de dezembro do 2010, realizamos uma reunião do Comitê Central e demos a conhecer um documento sobre a retirada de apoio crítico ao presidente Fernando Lugo.
Desse momento em diante – entre janeiro e julho de 2011 – "temos notado, graças também às lutas populares, debates e mobilizações em diferentes lugares do país, um processo, em nossa opinião, de reorientação favorável.
Nesse sentido, observamos uma reorientação na política social com mudanças importantes na Secretaria de Ação Social, depois no Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra, e já se vinha fazendo uma política interessante no Serviço Nacional de Qualidade e Previdência Vegetal e de Sementes.
A isto se somaram algumas mudanças muito mais profundas em termos ministeriais e estruturais, como foi na chancelaria, onde questionamos duramente a política exterior do governo com o anterior chanceler, Héctor Lacognata.
Esse foi um momento importante porque o atual titular, Jorge Lara, tem uma visão bem mais sóbria dos benefícios do multilateralismo e as necessidades de um funcionamento soberano. Outras modificações estratégicas recentes ocorreram nos ministérios do Interior e Obras Públicas e Comunicações.
No primeiro, Rafael Filizzola representava um modelo de segurança favorecido pela intervenção da Colômbia e dos Estados Unidos, e no segundo, Efraín Alegre era uma espécie de porta-bandeira da restauração neoliberal.
Nós, objetivamente, vemos mudanças importantes quanto à orientação do governo num sentido democrático, o que cremos tem que demarcar hoje o debate e as lutas dentro de nosso país. A retirada do apoio crítico a Lugo é matéria de debate e a militância comunista é bastante consciente do processo pelo qual está passando o Paraguai.
Observamos, sobretudo, que a oligarquia cerra fileiras e as direções políticas tradicionais que funcionam nas cúpulas dos partidos Colorado, Liberal, Pátria Querida e União Nacional de Cidadãos Éticos cometem brutalidades.
Prensa Latina: Evidentemente, neste contexto a direita tradicional vem se organizando e reacomodando com vistas às eleições de 2013 para reassumir o governo. Como vem reagindo a esquerda para evitar isto?
Najeeb Amado: A referência principal da esquerda hoje, em nível midiático e de opinião pública, é a Frente Guasu (agrupa mais de vinte partidos e movimentos), e está se reacomodando depois da tentativa de instalar a emenda constitucional para a reeleição presidencial.
Nós dizemos que o grande desafio da Frente Guasu é se constituir em síntese que identifique essa maioria que existe no país, trabalhadora, democrática, honesta que padece e sofre neste Estado oligárquico.
Esse conglomerado deve se erguer em síntese das novas formas de fazer política, dessa nova maioria existente no país e gerar a identidade que permita a defesa majoritária e coletiva de um projeto democrático nacional abrangente.
O desafio é constituir-se em síntese dessa nova maioria, dessa nova forma de fazer política ou passar à história engrossando as fileiras dos partidos tradicionais, totalmente eleitoralizados em termos de aparelhos e sem nenhuma novidade política.
Prensa Latina: Em seu critério, a modificação constitucional (já recusada pelo Congresso) é imprescindível para continuar com o processo de mudança no país?
Najeeb Amado: Não acho que é imprescindível. O partido de fato desde o começo não viu como um elemento imprescindível a instalação da figura da reeleição para dar continuidade ao processo de mudança, porque de fato, o processo transcende notoriamente as margens do governo. O Partido Comunista em mais de uma ocasião afirmou que as riquezas do processo de mudança têm um tímido reflexo no governo.
E lastimosamente, as características do Estado oligárquico, "a inércia desse Estado e a heterogeneidade que gera tensão e conflito dentro do governo, não permite que [o processo] tenha maior refelexo e riqueza."
Achamos que a mudança se constrói desde o Poder Executivo, com políticas públicas que incluam a maioria postergada quanto ao exercício de seus direitos básicos. Muito depende do processo de encontros e reencontros, do intercâmbio sincero, fraterno, de que tipo de projeto precisa a maioria dos paraguaios para melhorar a qualidade de vida e reconstruir o sentido de nação, onde o futuro da pátria – as crianças – não fiquem largadas pelas ruas ou morram por desnutrição e outras doenças.
O desenvolvimento e o avanço do processo de mudança é visto por nós nesse sentido. De fato, o desafio que tem a Frente Guasu passa também pelo repúdio do funcionamento tradicional da política paraguaia".
É preciso recusar esta prematura eleitoralização do cenário político no qual a maioria das forças estão discutindo candidaturas presidenciais e demais candidaturas, deixando de lado discussões sobre problemas concretos e quotidianos da população que merecem a devida atenção por um simples exercício democrático e patriótico de inclusão.
Achamos que a Frente pode e deve lutar por essa dignidade política, colocando outros elementos de discussão como o emprego digno, segurança social, acesso à saúde e educação gratuitos, moradia, vestimenta e terra para produção.
Prensa Latina: Que importância tem a celebração do 7º Congresso no meio desta complexa conjuntura que vive o país?
Najeeb Amado: A reunião por vários motivos tem uma significação importante, especial para nós, porque este é o quarto congresso pós-ditadura do general Stroessner. É o primeiro encontro a que se chega com mais de 80 por cento do Comitê Central eleito no congresso anterior, "porque nos precedentes muitos camaradas eleitos estavam vivendo os últimos anos de sua vida".
É importante porque segue marcando, com passos mais firmes, o processo de reorganização e reconstrução da organização, e o caminho para essa reconstrução do partido revolucionário que precisamos hoje e demanda a história de nossa pátria.
Também é importante pela autoridade política do partido, pelo reconhecimento que gera o movimento de massas no país em torno de sua voz. Então, suas resoluções são sumamente importantes para nossa vida política interna e do povo paraguaio.
Prensa Latina: O lema escolhido para o Congresso foi “200 anos… nossa segunda independência tem futuro socialista.” Por que?
Najeeb Amado: Os 200 anos têm a ver com o Bicentenario pátrio, festejado em 14 e 15 de maio passado, daquele início do primeiro Estado nacional, popular e independente que teve o continente.
E dizemos 200 anos de nossa segunda independência porque achamos que desde 1870 vivemos sob diferentes formas de dependência política, econômica, cultural e militar".
Achamos que a segunda e necessária independência tem futuro socialista porque interpretamos que a situação de crise mundial dessa impotência civilizatória que tem hoje o capitalismo à hora de excluir a maioria, gera a necessidade de discutir qual é o projeto pós-capitalista que queremos.
Há uma multiplicidade de crises – energética, militar, ambiental, econômica e financeira – que convergem todas para a crise da forma de ver o mundo e de viver no mundo.
Esta situação gera basicamente uma espécie de bifurcação de caminhos em um pós-capitalismo que pode ser muito bárbaro ou superador em termos humanistas. Nesse sentido, é um grande desafio à imaginação e um chamado a todas as pessoas que pretendem eternizar à espécie humana.
O projeto superador em termos humanistas são o socialismo e o comunismo, também estamos falando de um comunismo do século 21, como esse estágio superior ao qual queremos chegar".
Fonte: Prensa Latina