Chifre da África: O trágico capítulo da seca
Ainda que a África tenha conseguido sobreviver a duros tempos de epidemias e guerra, há várias décadas, outro inimigo, a seca persistente, coloca a sua região nordeste à beira de uma catástrofe. Para compreender os efeitos perniciosos da escassez de chuvas, deve-se saber que se vive um momento trágico de deterioração das condições do clima, cujas causas imediatas são imputáveis algumas vezes aos africanos e outras nem tanto.
Publicado 14/08/2011 19:09
A cada instante, a natureza confirma sua capacidade de reação diante da agressividade com a qual atua o ser humano, quando, por exemplo, submete grandes zonas arborizadas a um impiedoso desflorestamento. A resposta pode ser uma mudança desfavorável no ciclo de precipitações, com a consequente desertificação dos territórios.
A erosão dos solos, até torná-los inférteis, transforma grandes extensões do ecossistema em zonas mortas, o que afeta diretamente os homens, os quais observam como desaparecem seus lugares de assentamento e com eles o seu sentido de pertencimento.
O mais importante impacto climático sofrido na atualidade na zona do Chifre da África (Somália, Etiópia, Djibouti e Eritreia) é uma seca de grandes proporções, que prejudica mais de 12 milhões de pessoas.
O problema repercute também no Quênia, onde chegam a dezenas de milhares os refugiados dos países vizinhos, na pior situação. Ali encontra-se o campo de refugiados de Dadaab, considerado o maior do mundo, mas já lotado de imigrantes.
Este acampamento, construído há 20 anos para abrigar 90 mil pessoas, está por atingir na atualidade os 400 mil habitantes, mais de quatro vezes sua capacidade.
Calcula-se que entre 1.300 e 1.500 pessoas chegam diariamente à região.
No mês passado, fizeram-no mais de 40 mil somalis, a quantidade mensal mais alta na história do acampamento.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), Uganda também começou a se ver afetada por essa trágica situação sub-regional, a pior de seu tipo nos últimos 60 anos, que já causou dezenas de milhares de mortos e coloca outros milhares em estado de urgência humanitária.
No atual panorama, com respeito à ameaça de crise alimentar de grande envergadura, recorda-se que "as planícies da Somália e de Djibouti padecem uma aridez extrema e secas frequentes, apesar de a região do Chifre da África situar-se próxima ao equador terrestre".
O pior é que esses países pobres carecem em sua maioria de infraestrutura para enfrentar tanto a chamada seca meteorológica – períodos de escassas chuvas – como a hidrológica – de longos períodos de tempo sem precipitações – e a sequela extrema, a aridez; faltam técnicas adequadas e a pobreza impede sua aquisição.
Nesse sentido, afloram as mortais armadilhas do subdesenvolvimento, a submissão socioeconômica e a limitação das aspirações de progresso, dualidade nociva que intensifica a gravidade das regiões afetadas, cada vez mais dependentes de remédios passageiros, efêmeros.
A isso soma-se a incapacidade dos Estados correspondentes de se projetarem para conseguir em pouco tempo os meios para neutralizar ou pelo menos contornar a tragédia, assunto medular e diverso que se propõe aos países mais pobres, e com o que se esclarece que o problema não é somente uma disputa com a natureza.
A complexidade do assunto destaca-se pela gravidade de suas sequelas, entre as quais os componentes sociais, políticos, econômicos, psicológicos, éticos e outros, uns mais palpáveis e imediatos e alguns camuflados, mas todos interagindo ao mesmo tempo.
Ainda que a FAO demonstre seu caráter humanitário quando diz "começamos a seguir de perto o que se passa em Uganda, onde há lugares afetados pela insegurança alimentar causada pela seca", seu papel deveria ser reforçado pelo consenso da comunidade internacional e principalmente pelo apoio dos países desenvolvidos.
Diante dos fatos, o chamado Primeiro Mundo deve assumir parte da dívida com a catástrofe anunciada no leste da África, que pode estender sua metástase pelas conhecidas práticas destruidoras dos presentes da natureza, como a camada de ozônio, com grande incidência na configuração climática do mundo.
Agora a Somália, o Quênia, a Etiópia e Djibouti estão submetidos aos efeitos negativos da seca e Uganda pode ser o próximo país afetado por uma situação alarmante de desnutrição causada pela falta de precipitações.
Segundo a organização não-governamental Oxfam, "os próximos quatro meses piorarão a situação na Etiópia, Quênia e partes do sul da Somália". A circunstância seguirá sendo classificada como emergência até o final do ano, enquanto na região meridional somali provavelmente se declare a fome.
Somália, o epicentro
Apesar do consenso quanto à urgência da convocação para salvar o oriente africano, persistem obstáculos para que flua o envio e distribuição das milhares de toneladas de víveres necessários, um deles é a rejeição da organização somali Al Chabab à distribuição da ajuda nas zonas que controla e outras são as objeções burocráticas. A Somália é um país que se classifica entre os chamados Estados falidos, pois, de fato, ali não existe autoridade central desde a derrubada do ex-presidente Mohamed Siad Barre em 1991 e os grupos armados impõem sua lei mediante a violência.
Al Chabab rechaça a existência de uma desesperada situação humanitária e nega a aceitação da ajuda alimentar, a qual ameaçou queimar. Ainda que essa postura negativa não seja geral entre todos os componentes da formação, aparece como danosa ante os olhos do mundo.
Outro aspecto que entorpece o processo é a lentidão com que operam os mecanismos burocráticos, os quais entranham formalismos que interrompem o acesso dos emigrantes aos campos. Eles permanecem longo tempo sem acesso aos benefícios dos acampamentos por falta de classificação e da documentação requerida.
A velocidade do fluxo migratório ultrapassa a capacidade de assimilação dos encarregados de tramitar essa entrada e prestar outros serviços de primeira necessidade aos refugiados.
Um aspecto central de grande importância é a reticência dos Estados desenvolvidos de contribuir ao financiamento da causa. Segundo estimativas, são necessários US$ 2,4 bilhões para enfrentar esta crise. Até finais de julho, as agências da ONU e outros sócios só tinham recebido US$ 1 bilhão dos doadores.
Da Redação África e Oriente Médio da Prensa Latina.