Publicado 09/08/2011 09:21 | Editado 04/03/2020 16:31
Certa feita, lendo um artigo do Vargas Llosa, havia reflexões sobre o efeito das ditaduras sobre o futebol. Ele tentava convencer o leitor de que em tempos de exceção dos direitos civis, o futebol se manifestava exuberante. Citava como exemplo o Brasil e a Argentina que ganharam a Copa do Mundo exatamente nos momentos de maior recrudescimento das perseguições políticas. Ainda lembrava que a melhor seleção portuguesa apareceu exatamente durante a repressão salazarista quando Eusébio comandava o forte time de Portugal.
O interessante nessas colocações do mais recente Prêmio Nobel de Literatura é que coincidentemente a melhor seleção brasileira de todos os tempos, segundo alguns especialistas no assunto, foi exatamente a de 1970, quando havia aproximadamente quinhentos presos políticos sob tortura por este Brasil afora. Naquele momento foi possível, pela primeira vez, se assistir aos jogos da Copa, a cores pela televisão. Entretanto antes do início dos jogos já um incidente político fez com que João Saldanha fosse substituído por Zagalo no comando do escrete.
Aqui no Ceará, o campeão daquele ano fora o Ferroviário, time cearense mais identificado com a esquerda pelo fato de ter como torcida a classe operária na sua maioria. Um pouco antes, em 1968, ano em que no mês de dezembro foi decretado o fatídico AI-5, também o Ferroviário chegou a campeão cearense. Nesse tempo, o time do Ceará possuía um jogador chamado Nando, irmão de Zico, que depois tornou-se uma das vítimas das perseguições políticas.
Seu nome, Fernando Antunes Coimbra, passaria despercebido de nós cearenses se não fosse essa homenagem que lhe foi prestada recentemente pelo Centro Cultural Ceará Sporting Club e pela Comissão de Anistia daqui de nosso Estado. Nando esteve aqui, recentemente, foi homenageado na Assembleia, e eu considero sua mais tocante homenagem a edição do livro "Futebol e Ditadura", que tem como sub-título "A história de Nando – o primeiro jogador anistiado do Brasil".
Esse livro traz quinze autores com seus textos sobre aqueles momentos, mas enfatizando sempre as relações entre Futebol e Ditadura. A capa traz o negror símbolo daqueles tempos em que os sonhos eram atropelados pelos agentes da repressão. É tão envolvente a leitura dos textos que alguns erros ortográficos nos passam quase despercebidos. Há depoimentos pungentes de ex-presos como José Machado Bezerra, Maria do Carmo Moreira Serra Azul e dos irmãos Pedro Albuquerque e Mário Albuquerque.
O ponto alto dos depoimentos, no entanto, fica por conta do que revela o próprio Nando, que é o homenageado da obra. As perseguições que sofreu eclipsaram sua carreira de atleta e respingaram sobre seus irmãos Zico e Edu. Nando revela sua trajetória desde quando foi professor do PNA (Plano Nacional de Alfabetização), criado por Paulo Freire, até sua prisão e de seus companheiros. Isso sem contar as perseguições aos estudantes de Filosofia, a graduação mais perseguida daqueles tempos.
Além dos já citados componentes do time de autores é bom salientar os ensaios de Aírton de Farias e Djacy Silva de Souza. Mas também não se pode negar a qualidade dos escritos de Adelita Carleial, Célio Albuquerque, Evaldo Lima, Francis Vale e Guilherme Rodrigues. Impressiona a lucidez de outros autores na interpretação do episódio como é o caso de Luiz Carlos Antero, Mariana Lobo Botelho Albuquerque, Paulo Verlaine e Sérgio Redes, que como Nando, também foi jogador do Ceará.
Nada no livro se perde, a não ser a prioridade de outros afazeres do leitor. Afinal sente-se um frêmito de expectativa de se ler tudo logo para alívio da curiosidade. No caso deste escriba, essa curiosidade surgiu já a partir de entrevista a que assisti, na televisão em que Pedro Albuquerque de forma cativante falou sobre Nando, ditadura, futebol e Sociologia. Aquela entrevista antológica foi o melhor prefácio para se chegar ao livro. Isso sem contar a própria história de vida do Nando.
Ao término da leitura, o leitor se depara com a relação dos componentes da comissão da Anistia vinculada diretamente ao Gabinete do Ministro da Justiça e que tem entre seus 24 conselheiros a figura de Mário Miranda de Albuquerque. Também merece destaque no livro, a parte iconográfica em que aparecem fotos do time do Ceará da época de Nando e dos times formados pelos presos políticos nos presídios em que estavam. Aparecem nessas fatos muitas figuras conhecidas e hoje destacadas na vida social e que como Nando estão a merecer também um tributo como esse que marcou o retorno do irmão do Zico ao nosso Ceará.
*Batista Lima é colunista semanal do Diário do Nordeste
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