Paul Craig Roberts: O caminho para a guerra
Quando principiou a segunda década do século 21, a economia estadunidense não se recuperara da Grande Recessão iniciada em dezembro de 2007. O fracasso da recuperação econômica verificou-se apesar do maior estímulo fiscal e monetário da história do país.
Por Paul Craig Roberts*
Publicado 02/08/2011 08:49
Houve um salvamento bancário de US$ 700 bilhões, um programa de estímulo de US$ 700 bilhões, um par de trilhões de "facilidade quantitativa", isto é, monetização de dívida ou impressão de dinheiro para financiar as despesas do governo. Além disso, o balanço do Federal Reserve (Banco Central) expandiu-se trilhões de dólares quando o Fed comprou títulos hipotecários e derivativos problemáticos no seu esforço para manter o sistema financeiro solvente e em funcionamento.
Segundo auditoria do Government Accountability Office do Federal Reserve, divulgada pelo senador Bernie Sanders, o Federal Reserve proporcionou empréstimos secretos a bancos dos EUA e estrangeiros que totalizavam US$ 16,1 trilhões, uma soma maior do que o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA.
Apesar do enorme estímulo fiscal e monetário, a economia permaneceu morta.
Em 2011 o déficit das despesas anuais do governo federal foi de 43% do orçamento. Por outras palavras, o governo dos EUA tinha de tomar emprestado, ou o Fed tinha de monetizar, 43% das despesas federais durante o ano fiscal de 2011. Apesar deste estímulo fiscal e monetário sem precedentes, a economia não se recuperou.
No fim da primeira década do século 21, o declínio da economia foi temporariamente suspenso pelos subsídios federais para compras de carros e de casas. O subsídio de habitação de US$ 8.000 ajudou recém-casados a comprarem as primeiras casas pois o subsídio era uma grande fatia da entrada num mercado habitacional em depressão. O subsídio à compra de carros transferiu procura futura para o presente. Quando estes subsídios expiraram, os aparelhos salva-vidas da economia foram desligados.
Problemas com informação estatística de desemprego, inflação e PIB disfarçaram o agravamento para pior da economia. Ajustamentos sazonais utilizados para aplanar os dados ao longo do ano não foram concebidos para recessão prolongada. Nem tão pouco o modelo "nascimento-morte" utilizado pelo US Bureau of Labor Statistics (BLS) para estimar empregos não relatados de novas companhias que arrancavam e perdas de companhias que abandonaram os negócios. O modelo nascimento-morte foi concebido para uma economia em crescimento e durante épocas baixas superestima o número de novos empregos criados.
O "efeito substituição" utilizado no índice de preço ao consumidor (IPC) subestima a inflação ao assumir que os consumidores substituem alimentos mais baratos por aqueles que sobem de preço. Por exemplo: se o preço de um bife em Nova York sobe, isto não é mostrado no IPC devido à suposição de que as pessoas mudam as suas compras para bife menos caro.
Cozinhando a contabilidade
A medida amplamente utilizada do "núcleo inflacionário" ("core inflation") não inclui alimentos ou energia. O núcleo inflacionário é uma medida útil para aqueles que querem dar uma visão otimista da perspectiva.
Ao subestimar a inflação, o governo pode superestimar o crescimento do PIB real, criando portanto uma perspectiva fictícia rósea. Analogamente, ao utilizar a medida do emprego conhecida como U.3, o governo subestima o desemprego.
A "manchete" da taxa de desemprego, aquela enfatizada pelos meios de comunicação e a imprensa financeira, fixava-se em 9,2% em junho de 2011. Mas esta taxa não inclui quaisquer trabalhadores desencorajados. Um trabalhador desencorajado é uma pessoa que deixou de procurar um emprego, porque não há empregos a serem descobertos. Um trabalhador desencorajado não é considerado como força de trabalho e não é contado entre os desempregados U.3. O governo federal sabe que isto é falso e tem uma medida U.6 do desemprego que conta os desencorajados a curto prazo. Esta medida, raramente informada pela mídia, fixava-se em 16,2% em junho de 2011.
O estatístico John Williams (shadowstats.com) continua a contar também os trabalhadores desencorajados a longo prazo de acordo com o modo como era feito oficialmente em 1980. Em junho de 2011, esta medida completa da taxa de desemprego nos EUA era de 22,7%.
Por outras palavras, em 2011 entre um quinto e um quarto da força de trabalho dos EUA estava sem emprego.
À medida que 2011 avançava, os Estados Unidos enfrentavam três crises econômicas simultâneas. Uma crise decorre da perda de empregos nos EUA, PIB, rendimento do consumidor e base fiscal causada por corporações deslocalizando sua produção destinada ao mercado estadunidense. Ao invés de fabricarem seus produtos em casa com trabalho norte-americano e proporcionarem empregos aos norte-americanos e receitas fiscais aos estados e localidades, corporações estadunidenses proporcionam PIB, empregos, rendimento do consumidor e uma base fiscal a países como a China, Índia e Indonésia. Esta prática significa que o estímulo econômico foi incapaz de ressuscitar a economia dos EUA, pois os norte-americanos não podem ser chamados de volta a empregos que foram exportados.
Outra crise foi a financeira resultante da desregulamentação, fraude e cobiça. A titularização de hipotecas significou que emissores de hipotecas já não tinham qualquer incentivo para averiguar a possibilidade de crédito do tomador do empréstimo, porque os emissores vendiam as hipotecas a terceiros os quais combinavam as hipotecas com outros e vendiam-nas a investidores.
Como as hipotecas foram emitidas à base de comissões (fees), quanto mais hipotecas emitidas, mas alto era o rendimento das comissões. A fim de arrecadar rendimento de comissões, alguns emissores falsificaram relatórios de crédito para tomadores de empréstimos. Com o mercado habitacional em expansão, muitas pessoas fizeram hipotecas a fim de ganhar dinheiro com a revenda das propriedades. Com os preços habitacionais a subirem rapidamente, as entradas e a fiabilidade do crédito tornaram-se preocupações do passado. A crise financeira foi agravada pela capacidade de bancos de investimentos para contornarem exigências de capital e, portanto, alavancarem seu capital incorrendo em enormes dívidas. Quando todas as bolhas estouraram, o castelo de cartas entrou em colapso.
Armagedon econômico
A terceira crise foram os déficits do orçamento federal de US$1,5 trilhão, os quais eram demasiado grandes para serem financiados sem que o Federal Reserve comprasse novas emissões de dívida do Tesouro. Conhecido como monetização da dívida, o Federal Reserve comprou os Títulos do Tesouro, notas e outros títulos através da criação de uma conta-corrente, da qual o Tesouro retiraria para pagar as contas do governo. A expansão da dívida do Tesouro despertou preocupações acerca do valor cambial do dólar e do seu papel como divisa de reserva, e despertou temores de inflação. Os preços do ouro e da prata subiram quando o dólar declinou em mercados de câmbio estrangeiros.
Qualquer uma destas crises era séria. Todas juntas, implicavam o Armagedon econômico.
Não havia caminho óbvio de saída, mas mesmo que alguém pudesse descobri-lo, o governo estava focado alhures – em guerras.
Além das operações em curso no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Iêmen e Somália, os EUA e a Otan começaram operações militares contra a Líbia em 19 de março de 2011. Tal como as guerras existentes, o objetivo real da agressão contra a Líbia não foi reconhecido, mas ficou claro que o objetivo da guerra era expulsar a China dos seus investimentos em petróleo na Líbia oriental. Ao contrário dos protestos árabes anteriores, a rebelião líbia foi um levantamento armado no qual alguns viram a mão da CIA.
A guerra líbia aumentou o risco, porque embora escondendo-se por trás do véu do protesto árabe, os EUA estavam realmente confrontando a China. Analogamente, no apoio estadunidense à rebelião armada na Síria, o objetivo de Washington era a base naval russa em Tartus. Derrubando o governo Assad na Síria e instalando ali um regime amistoso para com os EUA, poria fim à presença naval russa no Mediterrâneo.
Ocultando seus objetivos por trás dos protestos árabes na Líbia e na Síria, Washington evitou conflitos diretos com a China e a Rússia, mas as duas potências entenderam que Washington estava a atacar os seus interesses. Isto elevou a imprudência das políticas agressivas de Washington ao iniciar confrontação com duas potências nucleares, uma das quais possui poder financeiro sobre os EUA pois é o seu maior credor estrangeiro.
Os investimentos petrolíferos da China em Angola e na Nigéria eram outro dos objetivos. Para conter a penetração econômica da China na África, os EUA criaram o American African Command (Africom) nos últimos anos da primeira década do século 21. Perturbado pela ascensão da China, os EUA procuraram impedir esse país de ter fontes de energia independentes. O grande jogo que no passado sempre levou à guerra está a ser jogado outra vez.
O 11 de setembro de 2001 proporcionou a Washington uma nova "ameaça" para substituir a ameaça soviética, a qual expirou em 1991. Apesar da ausência da ameaça soviética, o orçamento militar e de segurança foi mantido alto durante uma década. O 11 de setembro de 2011 injetou crescimento rápido no orçamento militar e de segurança. Uma década mais tarde, o orçamento fixava-se em aproximadamente US$1,1 trilhão por ano, ou aproximadamente 70% do déficit federal, o qual debilitava o dólar e ameaçava a classificação de crédito do Tesouro dos EUA.
Centrada nas guerras do Oriente Médio, Washington estava a perder a guerra da economia dos EUA.
Quando a expectativa de recuperação econômica se evaporou, no decorrer de 2011, a necessidade da guerra tornou-se mais imperiosa.
*Ex-editor do Wall Street Journal e ex-assistente do secretário do Tesouro dos EUA. Publicado em CounterPunch.