60 de 61 acusações de Kruschev a Stalin são falsas, diz professor
A Verdade entrevistou, por e-mail, Grover Furr, professor da Universidade de Montclair em Nova Jersey, Estados Unidos, e autor do livro Antistalinskaia Podlost (“A infâmia antistalinista”, em tradução livre), lançado recentemente em Moscou. Grover Furr é ph.D. em literatura comparada (medieval) pela Universidade de Princeton, e, desde 1970, ensina na Universidade de Montclair, sendo responsável pelos cursos de Guerra do Vietnã e Literatura de Protesto Social, entre outros.
Publicado 01/08/2011 12:08
Suas principais áreas de pesquisa são o marxismo, a história da União Soviética (URSS) e do movimento comunista internacional e os movimentos políticos e sociais. Nesta entrevista, o professor Grover fala de sua pesquisa e afirma que “60 de 61 acusações que o primeiro-ministro Nikita Kruschev fez contra Stalin são comprovadamente falsas”.
A Verdade: Recentemente, um grande número de livros tem sido publicado atacando a pessoa e a obra de Josef Stalin. Como o senhor explica a intensificação desse antistalinismo nos EUA e no mundo?
Grover Furr: Desde o fim da década de 1920, Stalin tem sido o maior alvo do anticomunismo ideológico e acadêmico. Leon Trótsky atacava Stalin para justificar sua própria incapacidade de ganhar as massas trabalhadoras da União Soviética. A verdadeira causa da derrota de Trótsky é que sua interpretação do marxismo – um tipo de determinismo econômico extremado – predizia que a revolução estava fadada ao fracasso a não ser que fosse seguida por outras revoluções nos países industrialmente avançados.
Mas a liderança do partido preferiu o plano de Stalin para primeiro construir o socialismo em um só país. As ideias de Trótsky tiveram (e ainda têm) uma grande influência sobre todos aqueles declaradamente capitalistas e anticomunistas. Os historiadores trotskistas são muito bem acolhidos pelos historiadores capitalistas. Pierre Broué e Vadim Rogovin, os mais proeminentes historiadores trotskistas das últimas décadas, já foram louvados e ainda são frequentemente citados por historiadores abertamente reacionários.
Muitos na liderança do partido em 1930 combateram Stalin quando este lutava por democracia interna no partido e, especialmente, por eleições democráticas para os sovietes. As grandes conspirações da década de 1930 revelaram a existência de uma ampla corrente de oposição às políticas associadas a Stalin. Essas conspirações de fato existiam: os oposicionistas realmente estavam tentando derrubar o partido soviético e assassinar a liderança do governo, ou tomar o poder liderando uma revolta na retaguarda, em colaboração com os alemães e os japoneses.
Nikolai Ezhov, líder da NKVD (o Comissariado do Povo para Assuntos Internos), tinha sua própria conspiração direitista, incluindo colaboração com o Eixo. Visando aos seus próprios fins, ele executou centenas de milhares de cidadãos soviéticos completamente inocentes para minar a confiança e a lealdade ao governo soviético. Quando Stalin morreu, Kruschev e muitos líderes do partido viram que poderiam jogar a culpa por essas grandes repressões em cima de Stalin.
Eles também inventaram muitas outras mentiras escancaradas sobre Stalin, Lavrentii Béria e pessoas próximas aos dois. Quando, bem mais tarde (1985), [Mikhail] Gorbachev assumiu o poder, ele também percebeu que as suas “reformas” capitalistas – o distanciamento do socialismo em direção a relações capitalistas de mercado – poderiam ser justificadas se sua campanha anticomunista fosse descrita como uma tentativa de “corrigir os crimes de Stalin”.
Essas mentiras e histórias de horror permanecem como a principal forma de propaganda anticomunista, hoje, no mundo. A tendência é que elas se intensifiquem, pois os capitalistas estão diminuindo os salários e retirando benefícios sociais dos trabalhadores, caminhando em direção a um exacerbado nacionalismo, ao racismo e à guerra.
A Verdade: O que o levou a se interessar pela história da URSS?
Grover Furr: Quando estava na faculdade, de 1965 a 1969, eu fazia protestos contra a guerra dos EUA no Vietnã. Um dia, alguém me disse que os comunistas vietnamitas não poderiam ser “caras legais” porque eram todos “stalinistas”, e “Stalin tinha matado milhões de pessoas inocentes”. Isso ficou na minha cabeça.
Foi provavelmente por isso que, no início da década de 1970, li a primeira edição do livro O Grande Terror, de Robert Conquest. Fiquei impressionado quando o li! Mas eu já tinha um certo domínio do russo e podia ler neste idioma, pois já vinha estudando literatura russa desde o ensino médio. Então examinei o livro de Robert Conquest com muito cuidado. Aparentemente ninguém ainda havia feito isso!
Descobri, então. que Conquest fora desonesto no uso de suas fontes. Suas notas de rodapé não davam suporte a nenhuma de suas conclusões “anti-Stalin”. Ele basicamente fez uso de qualquer fonte que fosse hostil a Stalin, independentemente de se era confiável ou não.
Decidi, então, escrever alguma coisa sobre o “grande terror”. Demorou um longo tempo, mas finalmente foi publicado em 1988. Durante este tempo, estudei as pesquisas que estavam sendo feitas por novos historiadores da URSS, entre os quais Arch Getty, Robert Thurston e vários outros.
A Verdade: Seu livro Antistalinskaia Podlost foi recentemente publicado em Moscou. Conte um pouco sobre ele.
Grover Furr: Há aproximadamente uma década, fiquei sabendo da grande quantidade de documentos que estavam sendo revelados dos antigos arquivos secretos soviéticos, e comecei a estudá-los. Li em algum lugar que uma ou duas das declarações de Kruschev em sua famosa “fala secreta”, de 1956, foram identificadas como falsas do início ao fim. Daí, pensei que poderia fazer algumas pesquisas e escrever um artigo apontando alguns outros erros de seu pronunciamento da “sessão secreta”.
Nunca esperei descobrir que tudo o que Kruschev disse – 60 de 61 acusações que ele fez contra Stalin e Béria – eram comprovadamente falsas (não pude encontrar nada que comprovasse a 61ª)! Percebi que este fato mudava tudo, uma vez que praticamente toda a “história” anticomunista desde 1956 se baseia ou em Kruschev ou em escritores de sua época.
Verifiquei que a história soviética do período de Stalin que todos aprendemos era completamente falsa. Não apenas “um erro aqui e outro ali”, mas fundamentalmente uma fraude gigantesca, a maior fraude histórica do século! E meus agradecimentos ao colega de Moscou Vladimir L. Bobrov, que foi o primeiro a me mostrar esses documentos, me deu inestimáveis conselhos, várias vezes, e fez um excelente trabalho de tradução de todo o livro. Sem o dedicado trabalho de Vladimir, nada disso teria acontecido.
A Verdade: Em suas pesquisas, o senhor teve acesso direto a arquivos soviéticos abertos recentemente. O que esses documentos revelam sobre os “milhões de mortos” sob o socialismo, especificamente no período de Stalin?
Grover Furr: Considerando que pessoas morrem a todo instante, eu suponho que você esteja falando de mortes “excedentes”. A Rússia e a Ucrânia sempre experimentaram fomes a cada três, quatro anos. A fome de 1932-33 ocorreu durante a coletivização. Sem dúvida, um número maior de pessoas morreu do que teria morrido naturalmente.
No entanto, muito mais pessoas iriam morrer em sucessivas fomes – a cada três, quatro anos, indefinidamente, no futuro – se não fosse feita a coletivização. A coletivização significou que a fome de 1932-33 foi a última, com exceção da grave fome de 1946-1947, que foi muito pior, mas isso devido à guerra. E, como mencionei anteriormente, Nikolai Ezhov deliberadamente matou milhares de pessoas inocentes.
É interessante considerar o que poderia ter sucedido se a URSS não houvesse coletivizado a agricultura e não tivesse acelerado seu programa de industrialização, e se as conspirações da oposição nos anos 1930 não tivessem sido esmagadas. Se a URSS não tivesse feito a coletivização, os nazistas e os japoneses a teriam conquistado. Se o governo de Stalin não houvesse contido as conspirações direitistas, trotskistas, nacionalistas e militares, os japoneses e os alemães teriam conquistado o país.
Em qualquer um desses casos, as vítimas entre os cidadãos soviéticos teriam sido muito, muito mais numerosas do que os 28 milhões mortos na guerra. Os nazistas teriam matado muito mais eslavos ou judeus do que mataram. Com os recursos, e talvez até mesmo com os exércitos da URSS do seu lado, os nazistas teriam sido muito, muito mais fortes contra a Inglaterra, a França e os EUA.
Com os recursos soviéticos e o petróleo de Sakhalin, os japoneses teriam matado muito, muito mais americanos do que fizeram. O fato é que a URSS sob Stalin salvou o mundo do fascismo não apenas uma vez, durante a guerra, mas três vezes: pela coletivização; pelo desbaratamento das oposições direitista-trotskista-militares e também na guerra. Quantos milhões isso dá?
A Verdade: Alguns autores vêm tentando encontrar semelhanças entre Stalin e Hitler, e alguns até chegam a afirmar que o suposto “stalinismo” foi “pior” que o nazismo. Existia realmente alguma ligação entre Stalin e Hitler?
Grover Furr: Os anticomunistas e os pró-capitalistas não discutem a luta de classes e a exploração. De fato, eles ou fingem que essas coisas não existem ou que não são importantes. Mas a luta de classes causada pela exploração é o motor da história. Então omitir isso significa falsificar a história.
Hitler era um capitalista, um anticomunista autoritário de um tipo que é comum em vários países capitalistas. Stalin liderou o Partido Bolchevique e a URSS quando os comunistas em todo o mundo estavam lutando contra todo tipo de exploração capitalista. Sempre que dizemos “pior”, devemos sempre nos perguntar: “Pior para quem?”.
A URSS e o movimento comunista durante o período de Stalin foram definitivamente “piores que o nazismo” — para os capitalistas. Essa é a razão de os capitalistas odiarem tanto Stalin e o comunismo. O movimento comunista durante o período de Lênin e Stalin, e ainda por um bom tempo depois, foi a maior força de libertação humana da história. E novamente devemos nos perguntar: “Libertação de quem? Libertação do quê?”. A resposta é: libertação da classe trabalhadora de todo o mundo, da exploração capitalista, da miséria e das guerras.
A Verdade: Um dos ataques mais frequentes a Stalin é que ele seria responsável pela fome na Ucrânia, em 1932-1933, também chamada de Holodomor. Esta versão da história corresponde ao que realmente ocorreu?
Grover Furr: O “Holodomor” é um mito. Nunca aconteceu. Esse mito foi inventado por ucranianos nacionalistas pró-fascistas, junto com os nazistas. Douglas Tottle comprovou isso em seu livro Fraud, Famine and Fascism (1988). Arch Getty, um dos melhores historiadores burgueses (isso é, não marxistas, não comunistas), também tem um bom artigo sobre isso. Até o próprio Robert Conquest deixou de defender sua antiga versão de que os soviéticos deliberadamente causaram a fome na Ucrânia.
Nenhuma sombra de prova que poderia confirmar essa visão jamais veio à luz. O mito do “Holodomor” persiste porque ele é o “mito fundacional” do nacionalismo direitista ucraniano. Os nacionalistas ucranianos que invadiram a URSS juntamente com os nazistas mataram milhões de pessoas, incluindo muitos ucranianos. Sua única “desculpa” é propagandear a mentira de que eles “lutaram pela liberdade” contra os comunistas soviéticos, que eram “piores”.
A Verdade: Deixe uma mensagem para os trabalhadores brasileiros.
Grover Furr: Lutem pelo comunismo! Todo o poder à classe trabalhadora de todo o mundo!
Fonte: blog ContextoLivre