EUA: a greve silenciada de Pelican Bay
Centenas de presos em cárceres da Califórnia continuam uma greve de fome em protesto contra o isolamento e os castigos, mas a notícia está sendo ignorada pela grande imprensa e só chegou ao conhecimento público nesta segunda (18) por meio de um jornal local, meios alternativos e páginas pessoais (como blogs) na internet.
Publicado 18/07/2011 15:58
Um colega jornalista espanhol, Pascual Serrano, é da opinião de que a transcendência midiática de um determinado fato, segundo aconteça num lugar ou noutro, é uma das mais eloquentes formas de mostrar a dupla moral e a manipulação de alguns meios de comunicação. E ele tem toda razão.
Em 1 de julho, 43 presos encarcerados no chamado SHU (Security Housing Unit) começaram uma greve de fome em Pelican Bay, penitenciária estatal de máxima segurança próxima à fronteira com Oregón, e de imediato a ação multiplicou-se em 12 prisões até somar, no dia 4 de julho, mais de 6.600 internos.
Uma realidade que no princípio o Departamento de Correções e Reabilitação da Califórnia (CDCR) tentou minimizar. A greve é só de uns vinte presos, declarou porta-voz do departamento, mas pouco depois teve que se retratar e, com suas próprias estatísticas, mostrar a magnitude do acontecimento.
Na sexta-feira (15), Isaac Ontiveros, porta-voz da Coalizão em Solidariedade à Greve de Fome de Pelican Bay, anunciou que, por fim, o CDCR aceitou negociar com os líderes do jejum; no entanto, até este instante as autoridades não ofereceram nada concreto.
Nem antes nem agora houve grandes manchetes, ou, ao menos, a condenação generalizada dos meios de comunicação de um país que aprecia se autoproclamar como paladino dos direitos humanos e, em função disso, assume o direito de levantar seu dedo acusador contra outros.
O jornal californiano The Opinion, o diário alternativo Rebelião, as páginas digitais La Haine, Thecrimereport, The Huffington Post e o blog My FDL são alguns dos canais sistemáticos onde está sendo veiculo o que tem acontecido durante as semanas anteriores em 13 das 33 prisões do Estado Dourado.
Causam estupor os motivos pelos quais mais de 800 presos se mantêm hoje dispostos a chegar até as últimas consequências. Um grito de dor é lido em uma das mensagens enviadas: "queremos que nos tratem como seres humanos, não somos animais".
Por isso pedem que sejam eliminados os castigos coletivos, o interrogamento obrigatório sobre vínculos pessoais e políticos (o debriefing, em inglês), o confinamento prolongado em solitária e que sejam transladados à população carcerária geral os presos mantidos em isolamento por períodos de 10 a 40 anos ou mais.
Mas reivindicam também o acesso à luz do sol e a serviços de saúde.
Molly Porzig, uma porta-voz do grupo Solidariedade à Greve de Fome dos Presos, citada por Thecrimereport, confirmou que os encarcerados protestam contra o ambiente torturador e desumano que os rodeia.
Um relatório divulgado por especialistas em lei em 2006 advertiu que um confinamento em solitária por longo tempo, como os praticados nos cárceres norte-americanos, pode induzir ao "deterioramento mental".
E o SHU conduz a isso. Também chamado "buraco", é considerado uma prisão dentro da prisão. Ali o espaço da cela é mínimo, não existem janelas, a luz fica acesa permanentemente e se perde a noção do tempo.
Se à situação anterior são acrescentados elementos de tormento como frio, calor, desnudez, ausência de água para o vaso sanitário e o ruído, se compreenderia melhor em que condições sobrevivem aos cativos nessas unidades de segurança.
Até 1968, nos cárceres estadunidenses era comum o "strap", isto é, açoite com correia, mas hoje o mais utilizado é o SHU, cuja construção se expandiu na década dos anos noventa.
Sobre o tema, Kevin Goszola assegura no blog My FDL que nos "Estados Unidos, em um dia qualquer, há não menos de 75 mil e provavelmente mais de 100 mil presos em celas de isolamento".
Embora anunciou-se uma eventual negociação, a greve de fome ainda não foi interrompida. Inclusive, Carol Strickman, dos Serviços Legais para Presos com Filhos, denunciou que o CDCR está violando uma ordem federal ao suspender alguns ou todos os medicamentos para os grevistas.
Há os que já sofrem graves problemas cardíacos, respiratórios e de desidratação em temperaturas que costumam chegar aos 43 graus centígrados em algumas ocasiões.
Enquanto isso, numerosos familiares dos réus têm se aglomerado ao longo destes dias do lado de fora das prisões Pelican Bay e outras como uma mostra de apoio ao que ocorre nos presídios.
Similares ações produziram-se em cidades estadunidenses como San Francisco, Oakland, Seattle, Los Angeles, Harlem, Cleveland, Nova Iorque e nas canadenses de Toronto, Ontario e Montreal.
O sentimento comum é que não importa o que tenham feito. Nenhum ser humano merece um tratamento cruel e degradante, sustenta a Declaração de Direitos Humanos em seu artigo 5.
Por sua vez, Hugo Pinell escreveu do SHU à jornalista Kiilu Nyasha: "neste momento um translado à população geral seria maravilhoso, dado que meus carcerários estão decididos a me manter aqui até a morte".
Pinell foi preso em 1964, tinha 19 anos. Desde 1986 está no SHU, no cárcere de Pelican Bay, e sente falta de algo tão elementar como "voltar a ter visitas de contato", porque "faz demasiado tempo que não toco a minha mamãe nem nenhum de meus seres queridos".
Fonte: Prensa Latina