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Ex-mateiro afirma que combatentes do Araguaia foram envenenados

Para combater as forças guerrilheiras na região do Araguaia nos anos 70, o regime militar brasileiro teria utilizado elementos do que se chama ‘guerra suja’, como o uso de produtos biológicos para envenenar os combatentes de esquerda que se infiltraram na região para promover a guerrilha.

A revelação foi feita pelo ex-mateiro conhecido por Anísio. Ele afirma que a partir de 1973, em todas as bases militares do Araguaia, houve “farta distribuição do inseticida ‘Aldrin’ e a orientação do comando das operações militares de que os camponeses deveriam envenenar a comida dos insurgentes do Araguaia”.

“Sabe-se que centenas de lavradores, depois de torturados, levaram o inseticida para as suas casas”, diz Paulo Fonteles, representante paraense no Grupo de Trabalho Tocantins (GTT) que faz buscas e reconhecimento de ossadas de ex-guerrilheiros na região.

Mateiros eram os camponeses moradores dos locais onde o conflito do Araguaia ocorreu e que eram recrutados — muitos sob violência — pelas forças armadas para orientar na mata fechada os soldados que combatiam os guerrilheiros. Anísio até hoje vive no Jatobá, uma das muitas currutelas do interior do Araguaia.
O composto Aldrin é um inseticida altamente tóxico e com alta persistência no ambiente. Foi um composto muito utilizado na agricultura para o controle de pragas e cupins, lagartas e formigas cortadeiras. A intoxicação pelo inseticida é sobre o sistema nervoso central e é caracterizada por fortes dores de cabeça, mal-estar geral, vertigens, visão borrada, náuseas e vômitos. Como quase todos os produtos desse tipo, pode ser mortal se ingerido. O ‘Aldrin’ era uma ‘massa branca, dissolvida em água’. E quem ministrava o veneno, segundo Anísio, era um agente conhecido como ‘Dr. Piau’.

Pelo menos um guerrilheiro teria sido vítima desse tipo de ação. Seria Elmo Correa, o “Fogoió”, morto por envenenamento. “O Fogoió foi morto por ‘Aldrin’, isso foi na barraca do castanheiro Raimundão, na Pimenteira”, diz Anísio.

Segundo o ex-mateiro, “Fogoió” era amigo de “Raimundão” e sempre visitava o castanheiro. Outros mateiros que colaboravam com as forças armadas sabiam disso e denunciaram o castanheiro. “Isso fez com que o “Raimundão” fosse severamente torturado na Base de Xambioá. Ou ele envenenava o guerrilheiro ou pagaria com a própria vida se poupasse o combatente do veneno”, conta Anísio. Diante do dilema, o castanheiro teria aplicado o veneno com seringa em um ovo entregue ao Elmo.

“Sabe-se que o guerrilheiro caiu morto uns 2 km da casa do castanheiro e teve a cabeça cortada a facão e seus restos enterrados ali mesmo”, diz Paulo Fonteles.

O relato de envenenamentos fora dado pela primeira vez em 1980 pelo advogado Paulo Fonteles, membro do PCdoB assassinado em 1987 a mando de latifundiários, numa exposição aos caravaneiros em Marabá. O advogado e o bispo Dom Alano Penna fizeram longa abordagem sobre o clima político e as táticas da ditadura militar naquela região, então área de segurança nacional. “Mas nunca ficou claro, nos anos que se seguiram, como é que fora utilizado veneno no arsenal das muitas armas utilizadas no Araguaia pelo regime militar”, diz Paulo Fonteles, filho do ex-militante comunista.

Fonte: Diário do Pará