Paul Krugman: EUA criam desculpas e atrasam recuperação econômica
Quem ficou chocado com o relatório sobre o nível de emprego nos Estados Unidos, divulgado na última sexta-feira, e quem acreditava que estávamos indo bem e ficou desanimado com as más notícias, não estava prestando atenção no que está acontecendo. O fato é que a economia dos Estados Unidos está presa em um buraco há um ano e meio.
Por Paul Krugman*, no The New York Times
Tradução: UOL
Publicado 12/07/2011 09:36
Mas uma passividade destrutiva tomou conta do nosso discurso. Quem ligar a televisão verá imediatamente algum especialista que gosta de se iludir declarando que não se pode fazer muita coisa em relação aos problemas de curto prazo enfrentados pela economia (um lembrete: esse “curto prazo” já está no seu quarto ano), e que nós deveríamos nos concentrar no longo prazo.
Mas esta é exatamente a opinião errada. A verdade é que a criação de empregos em uma economia deprimida é algo que o governo poderia e deveria estar fazendo. Sim, há enormes obstáculos políticos para que sejam implementadas ações — especialmente o fato de a Câmara dos Deputados estar controlada por um partido que se beneficia da debilidade da economia. Mas impasse político é algo que não deveria se misturar à realidade econômica.
O nosso fracasso em criar empregos é uma escolha, e não uma necessidade — uma escolha racionalizada por um conjunto de desculpas que está sempre mudando de forma.
Desculpa número um: há um arco-íris no céu logo ali na esquina.
Vocês se lembram dos “brotos verdes”? E do “verão da recuperação”? As autoridades do governo continuam declarando que a economia está se recuperando – e Lucy continua roubando a bola de futebol do campo. Mas as ilusões de recuperação têm sido uma desculpa para não se fazer nada enquanto a crise do desemprego aumenta.
Desculpa número dois: tenham medo do mercado de ações.
Dois anos atrás, o The Wall Street Journal declarou que as taxas de juros da dívida dos Estados Unidos em breve disparariam, a menos que Washington deixasse de lutar contra a recessão econômica. Desde então, advertências de um ataque iminente dos “vigilantes das ações” têm sido usadas para atacar quaisquer gastos com a criação de empregos.
Mas a teoria econômica básica diz que as taxas de juros permanecerão baixas enquanto a economia estiver deprimida — e a teoria econômica básica está certa. A taxa de juros sobre títulos de dez anos era de 3,7% quando o Wall Street Journal fez a advertência; no final da semana passada ela estava em 3,03%.
Como foi que os suspeitos de sempre responderam? Inventando a sua própria realidade. Na semana passada, o deputado Paul Ryan, o homem responsável pelo plano do Partido Republicano para acabar com o Medicare, declarou que devemos acabar com os gastos do governo para “aliviarmos a pressão sobre as taxas de juros” — a mesma pressão, suponho eu, que empurrou essas taxas para um patamar tão baixo que se constitui quase em um recorde.
Desculpa número três: a culpa é dos trabalhadores.
O desemprego disparou durante a crise financeira e no período que a ela se seguiu. Assim, parece bizarro argumentar que o problema real está nos trabalhadores — que os milhões de norte-americanos que estavam trabalhando quatro anos atrás mas que agora não estão carecem, de alguma forma, das qualificações das quais a economia necessita.
Mas é isso o que se ouve de vários especialistas nos dias de hoje: o desemprego elevado é “estrutural”, dizem eles, e exige soluções de longo prazo (o que, na prática, significa não fazer nada).
Bem, se existisse de fato uma discrepância entre os trabalhadores que possuímos e aqueles dos quais necessitamos, os trabalhadores que contassem com as qualificações certas, e que fossem portanto capazes de encontrar empregos, deveriam estar recebendo salários maiores. Mas eles não estão. Na verdade, os salários médios caíram no mês passado.
Desculpa número quatro: tentamos estimular a economia, mas a tentativa não deu resultado.
Todo mundo sabe que o presidente Barack Obama tentou estimular a economia com um aumento enorme dos gastos do governo, e que isso não funcionou. Mas isso que todo mundo sabe não é a verdade.
Pensem só: onde estão os grandes projetos de obras públicas? Onde estão os exércitos de funcionários do governo? Atualmente há na verdade meio milhão de funcionários do governo a menos do que quando Obama assumiu a presidência.
Sendo assim, o que aconteceu com o estímulo? Grande parte dele consistiu de cortes de impostos, e não de aumento de gastos. E a maior parte do restante consistiu de auxílio a famílias em dificuldades ou a Estados e municípios que enfrentavam problemas sérios. Esse auxílio pode ter amenizado a crise, mas ele não foi aquele tipo de programa de geração de empregos do qual precisávamos e que deveríamos ter implementado. Não estou fazendo aqui uma análise fácil do passado: alguns indivíduos advertiram desde o início que os cortes de impostos seriam ineficazes e que os gastos propostos eram terrivelmente inadequados. E os fatos mostraram que eles tinham razão.
Vale a pena observar que em uma outra área na qual o governo poderia fazer uma grande diferença — ajuda aos donos de imóveis que estão em dificuldades — quase nada foi feito. O programa de alívio de hipotecas do governo Obama não chegou a lugar algum: dos US$ 46 bilhões alocados para ajudar famílias a permanecer em suas casas, menos de US$ 2 bilhões foram de fato dispendidos.
Resumindo, a economia não está consertando a si própria. E tampouco existem obstáculos reais a ações do governo: tanto os vigilantes das ações quanto o desemprego estrutural só existem na imaginação dos especialistas. E se o estímulo econômico parece ter fracassado, isso ocorreu porque nunca se tentou de fato implementá-lo.
Quem escutar o que pessoas supostamente sérias dizem a respeito da economia acreditará que o problema é: “Não, nós não podemos”. Mas a realidade é: “Não, nós não faremos”. E todo especialista que reforça tal mensagem é parte do problema.
* Paul Krugman é professor de Princeton e colunista do New York Times. Venceu o prêmio Nobel de economia em 2008