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Mauricio Dias: o herói, o cara e o coroa — ou Itamar, Lula e FHC

O ex-presidente Itamar Franco, já internado e gravemente enfermo, não viu nem ouviu, nos dias finais, Fernando Henrique Cardoso, um de seus ex-ministros da Fazenda e, posteriormente, presidente da República, colher mais uma vez, sem constrangimentos, a consagração que só faria justiça a ele. Mas foi FHC quem completou 80 anos reverenciado pela mídia como o “pai” do Plano Real.

Por Mauricio Dias, na CartaCapital

Itamar, morto no dia 2 de julho, deixou bem explicada essa história. O depoimento, importante para o bem do País e da história foi sufocado, no entanto, por uma conspiração silenciosa. Ele mostra, com a autoridade de presidente da República na criação da nova moeda, que a paternidade atribuída a FHC é usurpação.

Eis um resumo do testemunho dele, publicado na íntegra no blog Conversa Afiada, do combativo jornalista Paulo Henrique Amorim: “Para mim, Ricúpero (Rubens, ministro da Fazenda) é o principal sacerdote do Plano Real. Mais tarde tivemos ajuda, e grande, do ministro Ciro Gomes. Naquele momento, isso é o que o povo brasileiro não sabe se for ler a história do Real (…), é o senhor Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda); senhor Pérsio Arida (ex-presidente do Banco Central), não sei mais quem…”.

Prossegue Itamar Franco: “De repente, até parece que foi o doutor Cardoso (FHC) que assinou a medida provisória (do Plano Real)”. FHC deixou o governo em março e o Plano Real foi em julho de 1994. “Ele tinha assinado a cédula (como ministro da Fazenda) e eu errei deixando que assinasse. Constitucionalmente, não podia”, lamentou Itamar.

O ex-presidente finalizou o depoimento com uma frase perturbadora para FHC: “Ele entende de economia tanto quanto eu. Talvez eu entenda mais”.

A história do Real, após Itamar, a exemplo da moeda, tem também dois lados: cara e coroa. O “cara”, como disse Barack Obama, é Lula, que, após oito anos de poder, tornou-se o principal protagonista político do Brasil e personalidade de admiração mundial. Um operário metalúrgico de grande magnetismo pessoal e, por si só, exemplo de um país com imenso abismo social.

O “coroa” é Fernando Henrique Cardoso, sociólogo que, aos 80 anos, após dois mandatos presidenciais, tenta ser líder não só de uma oposição desorientada politicamente, mas igualmente um octogenário na vanguarda da juventude que luta pela descriminalização da maconha e, por isso, deve considerá-lo um “coroa” legal.

FHC, travestido de pai do Real, elegeu-se presidente em 1994 e, em típico golpe branco, manipulou o Congresso e introduziu um contrabando na Constituição, com acusação de ter comprado votos parlamentares a R$ 200 mil per capita: a reeleição. Inebriado pelo neoliberalismo que corria o mundo, ele iniciou o desmonte do Estado. Vendeu o que podia e tentou o que não podia: leiloar — a Petrobras e o Banco do Brasil.

Lula sucedeu a FHC e deu uma guinada radical. Remontou as bases do Estado e distribuiu renda. Pouca, mas como nunca antes. Anos depois de ter disputado três eleições presidenciais, Lula admitiu que ainda não estava preparado para governar o Brasil quando perdeu. Porém, após governar por oito anos, deixou claro que, aí, era o Brasil que não estava preparado para ser governado por ele.

A inclusão de mais ou menos 20 milhões num país feito para um universo de privilegiados criou um problema econômico, a demanda dos incluídos. A oposição costuma chamar isso de gastança ou “herança maldita do Lula”.