Jandira Feghali: o Código Florestal e o debate distorcido
O Rio de Janeiro viveu a Conferência da ONU para o Meio Ambiente, a Rio-92. Lá, presenciei a construção de um marco – desenvolvimento sustentável —, "um código de conduta rumo à sustentabilidade, capaz de refrear o consumismo predatório dos países ricos e eliminar a escassez extrema, não só de alimentos, como de educação, oportunidades".
Por Jandira Feghali*, no O Globo
Publicado 28/06/2011 12:53
A agricultura familiar, pequenos produtores sem empregados, corresponde, pelo IBGE, a 4,4 milhões de propriedades, 84,4% do total. Na cesta básica do brasileiro, é responsável por 87% da produção de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 34% do arroz.
A maioria encontra-se hoje na ilegalidade e é para esta, prioritariamente, que o novo Código Florestal altera regras, estimulando a recuperação das áreas. A legislação ambiental, em boa parte, fez-se por decretos, portarias e medidas provisórias que nunca foram a voto, algumas editadas 67 vezes e com vigência retroativa, tornando-as inaplicáveis.
Por isto, em 2008, foi editado decreto, gestão Lula/Carlos Minc, então ministro, reproduzido no novo texto do Código Florestal, erroneamente chamado de anistia a desmatadores, e que acabou de ser reeditado no dia 10/6, sem qualquer protesto! Nele não há perdão ou anistia, apenas ampliação do prazo de aplicação das multas para que os proprietários recuperem vegetação protegida. Findo o prazo, a lei de crimes ambientais será aplicada.
Segundo a Contag, se o decreto reproduzido no texto do novo código não fosse reeditado, 70% dos agricultores familiares parariam de plantar. Nos artigos 48 a 50 do novo texto, há benefícios aos pequenos, até quatro módulos fiscais, para recompor as áreas de preservação.
As áreas rurais consolidadas têm em julho de 2008 a referência de tamanho, vegetação nativa existente e de uso econômico. Assim, ninguém pode fracionar a propriedade para se beneficiar ou dar uso alternativo ao solo a partir desta data. Isto significa dizer que está vedada qualquer ação que amplie devastação ou desmatamento.
As Áreas de Preservação Permanente continuam as maiores do mundo (art. 4). A Reserva Legal permanece 80% na Amazônia, 35% no cerrado e 20% nas demais áreas. Qualquer manejo deve ser aprovado por órgãos ambientais e ser sustentável, impedido qualquer prejuízo à vegetação nativa ou à biodiversidade (arts 13 e 14).
A polêmica emenda 164 apenas consolidou a segurança jurídica das famílias e produtores em borda de rios, 2,2 milhões (Embrapa), massivamente pequenos, mantendo-os em suas terras e casas até a edição, pelo governo federal, do Plano de Regularização Ambiental.
Nos últimos anos, segundo o MMA, o desmatamento reduziu drasticamente áreas da Amazônia em 99%, mesmo sob a vigência do decreto de 2008, que insistem equivocadamente em chamar de anistia. O aumento em 2010 e início de 2011 foi localizado.
No sentido inverso, as mortes de sem terra, pequenos agricultores e extrativistas continuaram elevadas. Segundo a CPT, entre 1988 e 2009, foram 1.546 assassinatos, expressão da aguda luta de classes no campo. A bandeira da reforma agrária continua por nós hasteada, mas parece esquecida por lideranças que, inescrupulosamente, tentam vincular essas mortes com o debate do novo código.
O texto vem, na essência, conciliar a proteção das riquezas de nosso meio ambiente com a atividade econômica e segurança alimentar. O resultado dos 410 votos favoráveis, incluída a maioria das bancadas de esquerda, não reflete a posição de um único partido, mas a correlação de forças diante das possibilidades de acordo com os diversos partidos e governos. Na construção de uma legislação que garanta os benefícios fundamentais aos menores, neste caso aos agricultores familiares, é preciso dialogar e incorporar propostas de outros segmentos.
Como membro da Comissão de Mudanças Climáticas e da Globe International, que participará da Rio+20, tenho certeza que continuaremos na vanguarda, mirando o que nos delegou a Rio-92. Este debate é sério demais para permitir distorções de informação, má-fé ou puro marketing eleitoral. Continuaremos dialogando, e trabalharemos por ajustes, se necessário, em nome da boa-fé que move as pessoas de bem.
* Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ)