Debatedoras defendem mais participação feminina na política
A dificuldade de se conseguir financiamento para campanhas eleitorais é um dos grandes desafios que as mulheres enfrentam na arena política brasileira. A saída para isso pode ser o financiamento público de campanha. A opinião foi defendida nesta segunda-feira (20/6/11), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pela deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG) e pela pesquisadora Marina Pinheiro, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UFMG.
Publicado 21/06/2011 16:41 | Editado 04/03/2020 16:50
As duas participaram do II Debate Público Minas na Reforma Política, promovido pela Comissão Extraordinária de Acompanhamento da Reforma Política. "Hoje o mercado é o maior eleitor, pois são as grandes empresas que possibilitam e viabilizam as campanhas eleitorais", afirmou a deputada Jô Moraes, para quem a sociedade tem uma dívida com as mulheres. "O financiamento público de campanha é fundamental para diminuir essa desigualdade, tanto com as mulheres quanto com os afrodescendentes e outros grupos sociais", completou Marina Pinheiro.
Jô Moraes exibiu alguns números que comprovam a fraca participação da mulher no cenário político nacional. Ela lembrou que o voto feminino só foi consagrado no Brasil em 1932, 108 anos depois da implantação do voto masculino, em 1824. Na Alemanha, essa defasagem foi de 52 anos, segundo a deputada.
Ela comparou também o número de homens e mulheres em atuação nas diversas instâncias legislativas no Brasil: na Câmara dos Deputados, são 45 mulheres e 468 homens; no Senado, 12 mulheres e 69 homens; e nas Assembleias Legislativas, 137 mulheres e 922 homens. Nos Executivos municipais, existem 5.024 prefeitos para apenas 506 prefeitas em todo o Brasil, de acordo com Jô Moraes.
Marina Pinheiro completou que, a despeito da reserva de candidaturas femininas incluída na minirreforma política de 2009, o número de mulheres na política vem caindo. Isso ocorre porque os partidos não sofrem nenhum tipo de punição se não cumprirem a determinação legal de destinar 30% das vagas para as mulheres. Como exemplo, ela cita a própria Assembleia de Minas, que já contou com dez deputadas, número reduzido à metade na atual legislatura.
Sistema proporcional – Tanto Jô Moraes quanto Marina Pinheiro defenderam também o sistema de voto proporcional como garantia de representação democrática. Marina observou que a lista fechada, com intercalação de nomes masculinos e femininos, assegura mais igualdade de gêneros. Lembrou, como exemplo, o caso da Argentina, onde o sistema é adotado e a representação feminina no Parlamento é das maiores do mundo, oscilando entre 40% e 50%. As duas defenderam também as ações afirmativas e a ampliação do acesso da mulher ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV na propaganda eleitoral.
Para a deputada Luzia Ferreira (PPS), relatora da comissão, assim como no Congresso Nacional, os debates promovidos pela Comissão Extraordinária da ALMG também mostraram a falta de consenso no debate dos principais pontos. Luzia adiantou que pretende concluir o seu relatório a tempo de encaminhá-lo à comissão da Câmara de Deputados, que pretende apresentar suas conclusões, segundo ela, até final de julho.
Incentivadora da realização do debate sob o ponto de vista da participação das mulheres, a deputada Maria Tereza Lara (PT) destacou que o desafio agora é abrir a discussão para os municípios, "mesmo sendo o tema árido, precisa ser disseminado. E a baixa participação feminina na política não é problema só das mulheres, como querem alguns, mas de toda a sociedade", completou.
Especialistas condenam voto distrital
A possibilidade de adoção do voto distrital nas eleições proporcionais foi criticada por dois especialistas da UFMG: o professor da Faculdade de Direito, Rodolfo Viana Pereira, e o pesquisador do Centro de Estudos Legislativos, Carlos Ranulfo. Ambos acreditam que essa mudança não será suficiente para corrigir distorções e fortalecer a identidade programática dos partidos.
Para Rodolfo Viana Pereira, é possível manter o sistema proporcional com algumas correções, a fim de garantir o que ele chamou de "efeito majoritário", ou seja, o fortalecimento institucional dos partidos políticos. "É preciso diminuir o personalismo pulverizado, que tem origem num processo em que os candidatos não conseguem construir bandeiras programáticas", justificou.
Para corrigir as distorções do atual sistema eleitoral, Rodolfo Pereira propôs o fim das coligações nas eleições proporcionais, a democratização interna dos partidos, a cláusula de barreira e o financiamento público de campanha. O professor defendeu que as mudanças no sistema eleitoral sejam voltadas para o fortalecimento do Poder Legislativo, como forma de corrigir o que ele chama de presidencialismo imperial, em que o Executivo tem grande prevalência sobre o Parlamento.
Representação limitada – Para Carlos Ranulfo, a adoção do voto distrital é uma "bobagem". "No sistema distrital, o deputado é eleito com 30% dos votos. Quem ele representa?", provocou. Na avaliação do professor, o argumento de que o voto distrital contribui para aproximar representantes e representados não se justifica. Com a adoção do voto distrital, o número médio de eleitores para cada representante na Câmara dos Deputados seria de 370 mil. No caso de São Paulo, maior colégio eleitoral do País, cada distrito teria cerca de 500 mil eleitores, segundo Ranulfo.
Outro problema seria a divisão de cada Estado em distritos, uma vez que o número de deputados federais não coincide com o de estaduais. Em Minas Gerais, por exemplo, são 53 deputados federais e 77 estaduais. Como o Estado teria que ser dividido em 53 distritos (um para cada deputado federal), a solução seria conceder a alguns distritos o direito de eleger mais de um deputado estadual. "Imaginem a briga para fazer essa divisão em distritos", comentou.
Carlos Ranulfo também defendeu a cláusula de barreira, mecanismo que exige uma porcentagem mínima de votos para a Câmara dos Deputados para que um partido tenha direito a representação nas demais casas legislativas. "Todos os partidos com alguma expressão passariam por uma cláusula de barreira de 2%, que eliminaria as legendas que se aproveitam da indústria de cargos, que torna proveitoso criar uma sigla que não representa nada", afirmou.
Mesmo duvidando da possibilidade de mudanças profundas, o pesquisador acredita que a reforma política pode contribuir para aprimorar o atual sistema eleitoral. "O sistema vai continuar com muitos partidos, vai haver certa inconsistência programática, mas a reforma seria uma alternativa para reforçar o sistema de representação partidária", arrematou.
Professor propõe mudanças pontuais no financiamento
O terceiro e último tema discutido no debate público foi o financiamento eleitoral. O professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Bruno Speck, fez um diagnóstico das regras atuais de financiamento de campanhas no Brasil e propôs algumas correções. Disse acreditar, no entanto, que não são necessárias mudanças profundas. "Olhando o Brasil de fora e olhando o Brasil no contexto da América Latina, o País está numa boa situação em termos de financiamento eleitoral e avançou muito nos últimos 20 anos", declarou.
Ele relativizou uma das principais queixas da sociedade, que diz respeito ao elevado custo das campanhas. Segundo Speck, diante das dimensões do Brasil e do grande número de cargos em disputa, as campanhas não são caras. Entretanto, o professor afirmou concordar com as críticas ao desequilíbrio nas disputas, por causa do volume desigual de recursos à disposição dos diferentes candidatos. Outra queixa pertinente, de acordo com Speck, é quanto à dependência dos legisladores em relação a seus doadores privados.
Teto – Para minimizar esses problemas, Speck propôs a adoção de um teto máximo para doações, sejam elas de pessoas físicas ou jurídicas. Segundo ele, a regra atual acaba permitindo que um empresário doe mais que um cidadão comum. "É uma regra extremamente perversa e, no fim, inconstitucional, porque torna os cidadãos desiguais perante a lei, no que diz respeito ao financiamento eleitoral", disse. O professor também sugeriu um teto igual de gastos de campanha, diferenciado apenas pelo tipo de cargo em disputa e pelo local. Pela lei atual, as próprias campanhas definem seus limites, muitas vezes fictícios.
O professor da Unicamp também pôs em dúvida as vantagens de um financiamento exclusivamente público das campanhas. "O instrumento do financiamento público não tem um impacto ou direção única", afirmou. Mesmo assim, num primeiro momento, Speck disse acreditar que pode ser positiva a adoção de um sistema misto, com o candidato podendo optar pelo financiamento privado ou público.
Responsável por comentar a exposição de Bruno Speck, o sociólogo Paulo Victor Melo, do grupo de pesquisa "Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral", da UFMG, concordou com a posição do professor do Unicamp quanto à necessidade de pequenos ajustes nas regras do financiamento de campanhas. Assim como Speck, disse não ver com bons olhos uma mudança profunda. Melo preferiu destacar a importância da campanha eleitoral como principal instrumento de decisão do eleitor.
O sociólogo também aproveitou sua fala para elogiar a iniciativa da Assembleia de incluir a sociedade no debate da reforma política, por meio de consulta pública e da participação de entidades nos eventos da Comissão Extraordinária.
Nos debates, o público manifestou, principalmente, preocupação coma questão do financiamento público das campanhas, como foi destacado por representantes da Câmara de Pouso Alegre, no Sul de Minas.
Fonte: ALMG