Manuel E. Yepe: O giro inédito do golpe militar em Honduras
A implementação inicial dos acordos regionais que propiciaram um inusitado giro no desenrolar dos acontecimentos derivados do golpe de Estado em Honduras confirma que a América Latina vive hoje uma situação que é diferente e muito mais digna que a que padecia o continente antes do triunfo da revolução cubana, há pouco mais de meio século.
Por Manuel E. Yepe
Publicado 13/06/2011 02:28
Quando na noite de 28 de junho de 2009 o presidente de Honduras foi tirado de sua cama por militares fortemente armados para ser expatriado à força, se pretendia reeditar, com os métodos anteriormente infalíveis das intentonas organizadas pelo Pentágono desde o início do século 20, a imposição de um governo servia a Washingotn, aplicando nesta ocasião um corretivo em um governo considerado herege.
Em Caracas já acontecera uma demonstração de que as mudanças ocorridas na região não eram favoráveis às aventuras golpistas, mas a superpotência considerou que, sendo Honduras o elo mais frágil da cadeia independentista, e que ali poderia contar com a participação da oligarquia servil e de uma estrutura militar muito dependente do Pentágono como protagonistas – assim como uma base militar de suma importância para a estratégia imperial na região –, valia a pena tentar.
Em Honduras, os líderes que sustentavam a independência da nação como uma política de unidade indispensável para o desenvolvimento do país não haviam chegado ao governo por meio de uma luta armada aguda ou após conflitos violentos nas ruas, mas sim por meio de ajustes dos mecanismos do sistema de "democracia representativa", desenhados e impostos para garantir as vantagens imprescindíveis para que o poder permaneça sempre nas mãos das classes endinheiradas, aliadas naturais do domínio hegemônico dos Estados Unidos.
Evidentemente, nem Washington nem a oligarquia local calcularam as reservas de patriotismo e valentia que existiam em Honduras. Após o golpe, a repulsa popular ao governo "de fato" e às manobras para legitimá-lo foi cruelmente reprimida. Aumentaram as perseguições políticas, os assassinatos seletivos de líderes operários e membros da Frente Nacional de Resistência Popular, cuja influência crescia sem parar. As denúncias por violações dos direitos humanos eram constantes.
No plano regional, assim como no internacional, a diplomacia dos Estados Unidos não conseguia se estabelecer, ante a pressão que a solidariedade da nova América Latina exercia contra a legitimação da ação golpista que pretendia retroagir ao continente aos tempos nos quais Washington tratava os assuntos internos de todos os países da América conforme sua disposição e conveniência.
A Organização dos Estados Americanos, outrora caracterizada como "ministério das colônias" dos Estados Unidos, se viu impedida de prestar tal serviço de legitimação, porque as mudanças na correlação de forças no seio da organização e a crescente intensidade da solidariedade latino-americana com o povo hondurenho não a permitiram.
Em 22 de maio de 2011, na cidade de Cartegena de Indias, na Colômbia, foi assinado o Acordo para a Reconciliação Nacional e a Consolidação do Sistema Democrático na República de Honduras, por Porfírio Lobo e Manuel Zelaya, com os presidentes Santos, da Colômbia e Chávez, da Venezuela, como mediadores e testemunhas.
A agenda defendida pelo FNRP para a mediação que levou a esse Acordo incluía quatro aspectos básicos: O retorno de Zelaya e dos companheiros exilados; o respeito aos direitos humanos em Honduras; o reconhecimento do FNRP como uma força política e beligerante e a convocatória de uma nova assembleia nacional constituinte.
Ao regressar a seu país em 28 de maio, o presidente Zelaya adiantou que seu projeto político consiste em liderar uma ampla frente integrada pelo FNRP e seus aliados, um movimento de partidos políticos e grupos sociais similar ao do Uruguai no que, sem deixar cair suas bandeiras e sem perder suas identidades, se possa chegar ao poder popular nas próximas eleições. Esse será o futuro de Honduras, disse Zelaya, ao anunciar que, de início, lutará para conseguir que se realize o plebiscito para convocar uma Assembleia Constituinte que abra caminho.
Em seguida veio o debate para a reintegração de Honduras na OEA, onde brilhou por sua firmeza a posição do Equador, cujo presidente, Rafael Correa, se manteve fiel ao princípio de que os acordos não deveriam ter deixado de lado as sanções aos golpistas e ao regime por eles instaurado, pelos crimes e violações dos direitos humanos ao reprimir os protestos populares, para que não se repitam essas intentonas sufocantes na América Latina.
Ainda restam muitos direitos e avanços para reconquistar pelos hondurenhos, para que possam continuar sua luta por um futuro melhor, mas o que sem dúvida demonstra esse giro que o golpe de Estados tomou em Honduras é que a impunidade, que por tanto tempo foi caracterizada pelas ações combinadas do hegemonismo e das oligarquias da América Latina, não conseguirá continuar prevalecendo.