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A mídia errou: os espanhóis continuam em luta das praças às ruas

Passados dias de relativo esquecimento dos protestos iniciados com o 15-M por parte dos meios de comunicação, até então mais preocupados em divulgar o resultado das eleições municipais espanholas, o movimento volta a estampar as páginas das principais agências de notícia do país.

Por Fabíola Munhoz, na Carta Maior

Isso acontece quando em mais de 50 cidades da Espanha, como Madrid, Lleida, Vigo, Coruña, Murcia, Zaragoza, Alicante, Valencia y Valladolid, os indignados realizam manifestações frente às prefeituras onde hoje tomam posse os vencedores das últimas votações, a maioria pertencente a partidos de direita.

Em Madrid, os protestos foram reprimidos violentamente pela policía, que impedia o acesso dos manifestantes à Plaza de la Villa, onde fica a sede do governo da capital. Ainda assim, dezenas das cerca de 1000 pessoas que participavam do ato de rebeldia, resistiram sentadas diante do estacionamento da prefeitura, para impedir a saída de veículos oficiais depois do fim da cerimônia, o que aumentou a tensão entre os manifestantes e os agentes da Guarda Urbana.

O episódio acontece depois de outros conflitos violentos nas cidades espanholas de Salamanca, onde, na noite de ontem, cinco integrantes do 15-M foram feridos em confronto com agentes policiais, e Valladolid, em que três jovens indignados foram agredidos por um grupo que, segundo a Polícia Nacional, não faz parte do seu contingente.

Já em Valencia, a manhã da última quinta-feira foi marcada por uma manifestação dos indignados frente ao Parlamento regional, em repúdio ao início da nova legislatura, formada por dez deputados acusados de corrupção. A repressão a esse protesto resultou em 18 feridos e cinco detidos, além de ter gerado outras manifestações solidárias em Barcelona e Madrid.

Na Praça Catalunha, os acampados organizaram uma marcha na tarde da quinta-feira, para chamar a atenção da sociedade aos embates que haviam ocorrido na capital valenciana pela manhã. Simultaneamente, um debate teórico sobre auto-organização e assembléias cidadãs era realizado no centro da praça.

Ali, um senhor estudioso do tema, chamado Fernando Cardozo, indicava como principais causas da falência de uma organização ou associação cidadã, a repressão, o isolamento e as rupturas internas do movimento, que poderiam ser provocadas por: dificuldade na administração de discordâncias entre os militantes, falta de eficácia e consenso no processo de decisões coletivas, bem como ausência de horizontalidade que permita a real participação de todos.

Em seguida, ao invés de Assembleia Geral, houve um debate sobre a crise financeira, iniciado com a fala de um especialista em Economia Imobiliária chamado Ricardo Vergés, que explicou as causas da recessão econômica na Espanha a partir de dados divulgados pelo Banco Espanhol e pelo FMI. Se pudesse resumir o exposto por ele, o que faria com falhas e distorções inevitáveis em qualquer tentativa de simplificar a realidade, diria que as estatísticas oficiais comprovam que a maior dívida espanhola hoje é privada, e não pública. Esse dinheiro de particulares, investido em imóveis e obtido em hipotecas, de acordo com o economista, teria vindo de fora, ou seja, seria fruto de investimentos realizados por países com liquidez de moeda excessiva, como a Alemanha, que coincidentemente hoje cobra superávit do governo da Espanha para “resgatar” sua economia.

“Por isso tudo, não sou contra o capital, nem contra o mercado. Essas coisas sempre fizeram parte da vida do homem. O que causa a crise que a gente vê hoje é a perda de confiança nas instituições financeiras e a desinformação da sociedade”, disse Vergés.

Toda essa agitação de ideias em debate e pessoas tomando as ruas responde a um questionamento que pairava no ar, desde a sinalização de que as últimas eleições em Espanha, Portugal e França teriam a vitória de partidos de direita como resultado da abstenção dos indignados ao voto. “Como e por que lutariam os participantes do 15-M nesse novo cenário?”

Na quarta-feira, havia perguntado a dois jovens integrantes da Comissão de Educação da Acampada em Barcelona, qual sua visão futura do movimento, quando, com a retomada do poder pela classe política mais conservadora, provavelmente seria mais difícil alcançar respostas a suas reivindicações, por meio de diálogo com o governo e outras vias institucionais.

“Se ganha o partido socialista ou o de direita, não faz diferença. São todos bonecos manipulados pelos interesses de grandes empresas. Nosso objetivo é lutar contra a atual lógica econômica e contra essa estrutura de poder, que permite a corrupção. Talvez eu mesmo fosse corrupto se chegasse a ser governante dentro do sistema político que funciona hoje”, respondeu um dos jovens.

Essa opinião foi expressa no dia em que outra Assembleia Geral seria realizada para discutir, dentre outros temas, uma grande manifestação internacional, articulada por todas as “acampadas” europeias e prevista para o próximo dia 19. A reunião foi quente e demonstrou bem esse constante conflito de visões dos manifestantes, entre negociar com o poder e negar legitimidade às instituições. Um dos temas votados era sobre se deveria ou não ser feito um pedido de autorização do governo de Barcelona, para a realização dessa mobilização massiva.

“Nossa marcha vai acontecer de qualquer maneira, mas pensamos que é importante fazer esse aviso às autoridades, para que imigrantes sem papeis, idosos e pais que querem levar suas crianças, sintam-se seguros para participar da manifestação. Quanto mais pessoas participarem, melhor será para o movimento”, argumentava uma integrante da Comissão Jurídica da Acampada.

Depois de muitas intervenções de cidadãos contra e a favor, a ideia foi aprovada. Com a mesma dificuldade de se chegar a um acordo consensual, a Assembleia Geral de ontem (10/6), formada por poucas pessoas que não se deixaram espantar pela chuva, decidiram desfazer parte do acampamento da Praça Catalunha, entre hoje e amanhã. Essa ação se dará com o objetivo de concretizar a decisão coletiva do último domingo, a favor de se manter no espaço apenas uma estrutura mínima, que permita a realização de atividades diurnas, bem como a articulação e a informação do movimento.

No entanto, bastou o anúncio dessa definição, que será seguida também pelos manifestantes de Madrid, para que o jornal El País de hoje anunciasse o “desmantelamento” das acampadas de Barcelona e da capital espanhola, na Porta do Sol. O exagero simplista do uso dessa palavra para definir o que ocorrerá daqui para frente com o movimento 15-M foi rapidamente corrigido pelos indignados, que ocuparam de novo o noticiário, com as manifestações de hoje frente às prefeituras, e a reação desmedida da Polícia frente a essas revoltas.

E outros protestos são programados em Barcelona para o próximo dia 15, quando os indignados pretendem envolver o Parlamento da Catalunha com um grande cordão humano, na tentativa de impedir a votação do orçamento elaborado pelo Governo Autônomo da Catalunha, que prevê o corte de direitos sociais.

Se tudo isso gerará queda de governantes, reformas decorrentes de diálogo com os poderosos, ou a reformulação de todo um sistema político, contaminado e falsamente democrático, ainda não se sabe. Será dado um grande passo revolucionário se os indignados conseguirem, com sua força e simpatia popular, impedir que a promoção de desigualdades sociais continue a ser moeda de troca em transações perversas e dívidas imaginárias.