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EUA tentaram sabotar acordo petrolífero Venezuela-Haiti

Os Estados Unidos articularam politicamente para tentar barrar ajuda venezuelana ao Haiti em um acordo que previa vantagens na compra de petróleo. Os norte-americanos também nunca viram com bons olhos a relação do ex-presidente René Préval com países rivais dos EUA na América Latina, como Cuba e a própria Venezuela.

A informação é de uma série de despachos diplomáticos da embaixada dos Estados Unidos no país caribenho vazados pelo Wikileaks e cujo conteúdo foi reproduzido nos sites do The Nation e do Haiti Liberté.

Desde o início de seu mandato, em 2006, Préval tentou dirimir os medos da diplomacia norte-americana e se mostrar um aliado confiável. "Préval tem relações pessoais próximas a Cuba, onde realizou seu tratamento de câncer na próstata. Mas ele ressaltou à embaixada que vai administrar suas relações com Cuba e Venezuela buscando apenas o benefício do povo haitiano, sem que isso signifique uma afinidade ideológica com esses dois governos", descreve a então embaixadora Janet Sanderson, em documento datado de 26 de março de 2006. Por essa razão, segundo o cabo, ele teria priorizado uma visita aos EUA antes de sua posse ao invés de visitar os outros países da região.

Entretanto, a viagem e as garantias dadas por Préval não foram consideradas suficientes para os EUA. Logo no dia de sua posse, em 14 de maio de 2006, o presidente haitiano anunciou um acordo ao lado do vice-presidente venezuelano, José Vicente Rangel, no qual o país passaria a participar da iniciativa de cooperação energética PetroCaribe – acordo que prevê que os países caribenhos possam comprar petróleo da Venezuela em condições de pagamento preferencial.

Com o acordo, o Haiti passaria a se comprometer com o pagamento, em noventa dias, de 60% das faturas do combustível comprado dos venezuelanos. O restante, de 40%, seria pago em 25 anos, com 1% de juros e dois anos de graça. Segundo a Venezuela, esse 60% é destinado a um fundo para o desenvolvimento de programas sociais e infra-estrutura no país.

O acordo foi elogiado pela opinião pública local, que demonstrava contrariedade com o alto preço do combustível e os constantes problemas de fornecimento de energia no país. Entretanto, ele deu início a uma batalha geopolítica.

De acordo com o documento, Washington e grandes empresas petrolíferas como a Exxon Mobil e a Chevron realizaram manobras agressivas nos bastidores para fazer o acordo naufragar. O contrato, afinal, possibilitaria ao país caribenho a garantia de um fornecimento de combustível a preço baixo e diminuiria consideravelmente a dependência dos norte-americanos no setor.

A própria embaixadora ressalta que o país "economizaria 100 milhões de dólares por ano com a postergação dos pagamentos", em outro documento vazado de 7 de julho de 2006. Préval investiria esta economia em hospitais, escolas e bens de emergência. Mas os EUA se opuseram à ideia.

"A embaixada continuará a pressionar Préval para evitar a entrada do país na PetroCaribe", prometeu a embaixadora Sanderson em 19 de abril de 2006. "A embaixadora visitará o conselheiro sênior de Préval Bob Manuel hoje. No encontro anterior, ele estava ciente de nossa preocupação e alertado de que um acordo com Chávez causaria problemas conosco [os EUA]", relata Sanderson.

Em um relatório de nove dias depois, de 28 de abril de 2006, Sanderson reconheceu que Préval estava sob "enorme pressão para reduzir reformas imediatas e tangíveis na desesperada situação [energética] do Haiti".

Ela também relatou que "Préval já havia expressado seu desdém em relação a Chávez com oficiais da embaixada…. Entretanto, a possibilidade de ganho político [com o acordo] e a possibilidade de gerar renda a qual ele próprio poderia controlar parecia uma oportunidade muito grande para ser desperdiçada", afirma Sanderson.

Seriam necessários dois anos para que houvesse uma distribuição de combustível constante através da PetroCaribe, e o país teria de reorganizar seu mercado interno. Os principais obstáculos seriam ainda a embaixada e as grandes companhias petrolíferas, que controlavam o transporte naval e a distribuição de combustível no Haiti.

"Companhias petrolíferas internacionais estão cada vez mais preocupadas – tanto a Esso quanto a Texaco vão se reunir com a embaixada brevemente porque terão de comprar diretamente do governo do Haiti o petróleo delas", escreveu Sanderson em 17 de maio de 2006, concluindo que "nós vamos continuar a manifestar nossas preocupações em relação à PetroCaribe com os mais altos níveis do governo".

O diretor da Exxon no país, Christian Porter, "afirmou, em nome tanto da Exxon quanto da Chevron, que as duas companhias não estariam dispostas a comprar petróleo do governo haitiano já que elas perderiam suas margens de lucro e porque a PetroCaribe tem uma reputação pouco confiável [na pontualidade das entregas]", disse Sanderson. Em outro documento, de 13 de outubro de 2006, ela admite dificuldades em demover o governo da idéia, apesar das inúmeras tentativas.

Nesse documento, a embaixadora também detalha como as companhias petrolíferas tentaram sabotar o acordo. "Após o encontro de Préval em 27 de setembro com as quatro companhias [Exxon, Chevron, Esso e Texaco], a APP (Associação dos Profissionais do Petróleo), que as representa, recebeu um convite para se encontrarem com representantes venezuelanos que estavam no Haiti. As quatro companhias se reusaram a comparecer. Além disso, elas também receberam mensagens em separado do governo do Haiti pedindo informações a respeito de importação e distribuição no dia 9 de outubro. Até o momento, nenhuma delas respondeu".

Sanderson concluiu dizendo que o acordo com a PetroCaribe mandaria uma mensagem muito negativa para a "comunidade internacional” em um período “onde o governo do Haiti procurava aumentar os investimentos estrangeiros no país". Segundo Sanderson, Préval e seu círculo interno estavam seduzidos pelas ofertas de pagamento da PetroCaribe.

O acordo com a PetroCaribe foi aprovado pelo Parlamento e os detalhes técnicos acertados no início de 2007. Mas as companhias ainda tentaram uma última cartada para sabotar o acordo. Elas terminaram por se recusar a comprar o petróleo da PetroCaribe do governo haitiano, o que rapidamente gerou um clima de tensão. Sem sucesso. Ao fim, o Haiti acabou acertando sua entrada no pacto e é um dos 18 países-membros da PetroCaribe.

Fonte: Opera Mundi