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Empresariado peruano já pressiona presidente eleito

Com a vitória do nacionalista Ollanta Humala assegurada na eleição presidencial peruana, alguns setores conservadores já demonstram ansiedade com os novos rumos políticos do país. O mercado financeiro e alguns empresários, sem poder impedir triunfo de Ollanta nas urnas, tratam de lhe impor condições. Pressionam para que o novo governante defina rapidamente sua equipe econômica.

Ao mesmo tempo, a Confederação Geral de Trabalhadores entrou em cena com um pronunciamento que marca o viés democrático e progressista da vitória eleitoral de Humala, e e o convoca a cumprir suas promessas.

A vitória de Humala foi reconhecida ontem pelo presidente Alan García, que ofereceu seu apoio ao sucessor, ainda que sem o felicitar pessoalmente. A candidata derrotada no segundo turno , Keiko Fujimori, visitou Humala e o parabenizou. No encontro, contudo, propôs que o novo presidente mantenha o modelo econômico em curso.

Somou-se assim a pressões de políticos, empresários e jornalistas conservadores que pedem abertamente que Humala designe neoliberais conhecidos para os cargos de responsabilidades econômicas de sua administração. Alguns até sugerem nomes. Alegam que o novo governo, que assumirá em 28 de julho, deve submeter a essas pressões para dar sinais de confiança aos investidores.

Analistas políticos e empresários, entre eles Humberto Speziani, presidente da Confiep (Confederação Nacional de Instituições Empresariais Privadas, em português), cobram rapidez nesses anúncios oficiais que sinalizem que o próximo governo optará por uma condução política de conciliação nacional.

Segundo eles, o Peru não vive um momento de crise que permita mudanças radicais. Nesta segunda-feira, a Bolsa de Valores de Lima iniciou seus trabalhos registrando uma forte queda de 8,71% e chegou a suspender as operações. Os conservadores utilizam essa queda da bolsa de valores como reação ao resultado eleitoral, mas economistas ligados a Humala atribuem o ocorrido a manobras especulativas com objetivos políticos.

Humala não tem cedido às pressões e sua vice-presidenta eleita, Marisol Espinoza, anunciou uma lista de personalidades progressistas e dois diplomatas de carreira que integrarão a comissão de transição da administração pública.

No discurso de vitória, o presidente eleito disse que vai trabalhar pelo crescimento econômico com inclusão social. Ele afirmou que vai escolher os melhores técnicos e intelectuais para a composição da equipe de governo, estimulando a economia aberta e de mercado para o fortalecimento interno.

“Se Humala der sinais claros de conciliação e moderação, o setor empresarial vai se sentar para negociar com ele. Há muito espaço para negociar. O setor mineiro está disposto a pagar um imposto sobre o lucro das empresas mineradoras. Há dinheiro suficiente para ganhar”, disse ao Opera Mundi Steve Levitsky, professor de ciência política em Harvard e especialista no período de governo de Alberto Fujimori, o qual define como “autoritarismo competitivo”.

Levitsky afirmou, no entanto, que a conciliação política poderia ser um pouco mais difícil do que a econômica. Para ele, se o novo governo demonstrar disposição de formar alianças, “vários partidos políticos de centro-direita estarão dispostos a sentar-se com ele”, aposta.

Segundo o cientista político, “não há condições de que o país siga para uma mudança radical, o que acontece em momentos de crise – como no próprio Peru em 1990 ou na Venezuela em 1998. Aqui há muito descontentamento, mas não há base política ou social para isto”, afirma.

Levitsky observa a existência de condições favoráveis para que o líder da Ganha Peru possa cumprir suas promessas eleitorais. “Há dinheiro para fazer um forte investimento no lado social, algo parecido ao que Lula fez no Brasil. [A situação] é diferente de 20 anos atrás. Mas não se pode repetir facilmente [a experiência] do Brasil, ainda que [Humala] quisesse, pois não há um partido como o PT. O Estado é muito mais fraco. Será um governo de novatos, sem partido político e com um Estado que não funciona bem. Isso torna mais complicado o caminho, se comparado com Lula. Mas os recursos estão no caminho da inclusão social”.

Por sua vez, Speziani, que atua no setor pesqueiro, declarou que o empresariado peruano espera “respeito ao investimento privado, nacional e estrangeiro. Eles estão preocupados em relação aos contratos assinados pelo Estado, em particular aos de concessão”.

Segundo o líder empresarial, “se [Humala] fizer um governo parecido com o de Lula ou com o da esquerda chilena, é evidente que os empresários vão se sentir muito mais tranqüilos. Isso é o que esperamos. O Peru cresceu 8,8% no ano passado. Para baixar e eliminar a extrema pobreza, é preciso investimento peruano e estrangeiro. [O presidente] precisa nos dar tranquilidade para investir e gerar empregos”, acrescentou Speziani.

Speziani indicou que, na semana passada, recebeu seis visitas ou ligações de estrangeiros que se diziam preocupados – especialmente nos setores de mineração e hidrocarbonetos.

"Há nervosismo na bolsa, é preciso aquietá-la. Algumas medidas que Humala poderia tomar seriam a nomeação do ministro da Economia, do primeiro-ministro e do presidente do Banco Central", pediu, fazendo coro com outros setores empresarias. “Quando alguém fala em mudança de regras ou modelo e isso resultar em maior inclusão social, então está bem”, afirmou Speziani.

Já o sociólogo e analista político Santiago Pedraglio afirmou que o desafio principal de Humala será conseguir “um primeiro gabinete que expresse uma combinação de sua proposta original: distribuição [de renda]; maior justiça social; papel regulador do Estado. Com a amplitude de alianças que se requer para governar o país”. Pedraglio lembra que o candidato da Ganha Peru “obteve maioria no segundo turno, mas com as forças econômicas principais contra ele”.

Diferente de Speziani, Santiago Pedraglio sustenta que Humala não pode governar olhando apenas para os empresários. "São um componente fundamental. Mas se ele se subordinar, vai terminar com um modelo parecido com o de Alan García, o da continuidade. E esta não foi a opção [dos peruanos]. Ele deve fazer o que García prometeu e não fez: a mudança responsável. E também anunciar a nomeação do premiê ou da premiê, dar uma resposta política primeiro".

César Alarcón, vendedor de jornais no distrito de San Isidro, explicou por que votou em Ollanta Humala. "Eu, como todos os peruanos, estamos cansados de ser considerados apenas pessoas que estão aqui para servir e eles [que estão no poder] acreditam que nos resumimos a isso. Investidores estrangeiros colocam capital, obviamente. Mas não acredito que mereçam levar tanto dinheiro, a repartição de riquezas deveria ser mais justa. Acredito que Ollanta vai ser um pouco mais rígido".

Outros analistas políticos, como Eduardo Toche e Sinesio López, também recusaram as pressões e assinalaram que o novo governo, eleito pelo povo, tem o direito e a obrigação de executar seu programa de inclusão social.

Toche indicou que o acordo proposto por Humala para fazer um governo de unidade nacional se baseia no reconhecimento de que a poderosa minoria econômica deve deixar a nova administração atuar.

López recordou que Humala derrotou a uma "santa aliança" dos poderes político, econômico e mediático, ameaça não manter o modelo neoliberal fracassado em mais de 20 anos de vigência. "Os perdedores não podem impor qual é o Ministro de Economia", sentenciou Aída García Laranjeira, porta-voz da coligação que elegeu o presidente.

A vitória de Ollanta Humala motivou felicitações dos presidentes da Argentina, Bolívia, Cuba, Chile, Equador, México, Panamá, Paraguai e Venezuela, bem como da União Europeia e Espanha.

Antes da posse, em 28 de julho, Humala deve visitar o Brasil a convite da presidenta Dilma Rousseff, segundo o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia.

Com agências