Luiz Henrique Dias: Urros e Sussurros
Era preciso um pouco mais de ar para conseguir respirar o suficiente e não – como pensou, no auge de sua tragédia – morrer. Por de trás daquela parede, produzindo sussurros, urros, espasmos sonoros, estava a Maria. Vieram, então, pensamentos, lembranças: o gramado da faculdade, os passeios até a sorveteria, o cinema, o teatro.
Por Luiz Henrique Dias*
Publicado 03/06/2011 14:09
Foram sempre cúmplices, um do amor do outro, e juraram a presença pela eternidade, de mãos dadas, habitando a pupila alheia. Apresentaram-se aos pais. Namoraram seriamente e de forma responsável. Foram noivos. Casaram-se. Foram felizes. Sempre. Ela bancária. Ele representante comercial. Os filhos já estavam na universidade naquele instante, quando ele ouvia os gemidos e continha a lágrima ou o que quer que escorra dos olhos naquele momento. Pensou em pegar a faca. Mas quem seria ali, com ela? E se fosse maior que ele? Como faria? Será mesmo um homem traído mais forte, mais violento? Eram perguntas a serem respondidas naquele minuto. Os urros se multiplicavam. A velha arma – pensou. A mente atordoada o obrigava a olhar os móveis, as fotos, os objetos daquele casamento. Ele bem sabia de sua falta de tempo. De sua indisposição para bom marido. Indisposição ao sexo, inclusive. Sempre trabalhou muito e viveu pouco. Mas não justifica – bradou, dentro de seu universo de valores familiares. Essa é nossa casa. Não tem direito de assim fazer. Ela agora gemia baixo, mas com maior frequência. O homem gemia junto, ainda mais baixo. Os ouvidos de um homem traído são atentos. Buscava, pelo ruído, identificar a identidade do homem que transava com sua mulher, em sua cama, em sua casa, em seu mundo raso, mas feliz. Seria o Aroldo? O Anselmo? O João Bernardo? Não – recuou – o João Bernardo não. Maior frequência. Mais sussurros. A cama estremecia. O chão de taco rangia. Da janela a luz de lua cheia o orientava a entrar lá e matar os dois. Sem piedade. Ela de joelhos, com um tiro na nuca e uma faca enfiada na vagina e ele enforcado com a própria camisa. Seria um crime justo. Um grito longo. Um gemido profundo. Ele precisava entrar. E entrou. O prazer era tanto que ela precisou terminar para entender que, ali na porta, estava o marido. E ele, o traído, frente à traição, precisou enxugar os olhos para constatar o Moacir, o velho amigo da faculdade, deitado embaixo de sua esposa. Os dois amantes taparam as partes como puderam. Nada falaram. Ela chorava: homem, traído, arrasado. Não pensou mais na faca, na arma, na carnificina passional, virou de costas e saiu em direção à rua. Somente seguiu caminhando, enquanto, na copa do velho ipê amarelo um pássaro cantava uma doce música desconhecida.
* Luiz Henrique Dias é dramaturgo.