Em entrevista à TV Globo, Palocci nega tráfico de influência
“Não há crise política no país, nem no governo, mas uma questão política dirigida à minha pessoa”. Esta foi a leitura política que o ministro chefe da Casa Civil da Presidência da República fez sobre as acusações de enriquecimento ilícito e tráfico de influência levantadas contra ele desde que o jornal paulistano Folha de S. Paulo publicou há 18 dias reportagem sobre o rápido aumento de seu patrimônio.
Publicado 03/06/2011 21:54
Palocci se disse “tranquilo e seguro” e foi peremptório ao afirmar: “Não fiz tráfico de influência”. E pediu a “boa fé das pessoas” para com suas explicações.
O ministro negou com veemência que tenha agido no sentido de intermediar vantagens para os seus clientes a partir da posição destacada que ocupa no governo.
Porém, Palocci voltou a esgrimir o argumento de que empresários privados “consideraram útil” recorrer à sua consultoria por ter sido ministro da Fazenda durante o governo do ex-presidente Lula.
O ministro chefe da Casa Civil foi irredutível na defesa da “confidencialidade dos contratos” de sua empresa de consultoria e não revelou a sua clientela, a não ser em termos qualitativos: “São empresas renomadas”, “indústrias de vários segmentos”, “empresas de serviços financeiros, que atuam no mercado de capitais, bancos, fundos e empresas de serviços em geral”.
Palocci negou-se também a falar com precisão sobre quantitativos financeiros das transações da sua empresa e negou que tenha recebido doações para a campanha eleitoral.
Leia a entrevista concedida ao Jornal Nacional:
Jornal Nacional: Quanto a Projeto [empresa de consultoria criada por Palocci] faturou ano a ano, de 2006 a 2010?
Antonio Palocci: Todo o faturamento da empresa foi registrado nos órgãos de controle tributário tanto da Prefeitura de São Paulo, quanto da Receita Federal. Todo o serviço prestado pela empresa foi feito a partir de emissão de notas fiscais regulares e todos os impostos foram recolhidos. Se tratava de uma empresa privada, que prestava atividades privadas, que foi registrada em meu nome e de meu sócio na Junta Comercial de São Paulo. Portanto eu não tive uma atividade reservada, tive uma atividade pública. Agora, os números da empresa são números que eu gostaria de deixar reservados porque não dizem respeito ao interesse público.
Agora, os contratos, sim, aquilo que eu fiz, serviço que eu prestei, as empresas que eu atendi, as empresas que tinham contrato coma Projeto, posso falar perfeitamente sobre eles.
JN: Agora em relação aos ganhos, ministro, surgem alguns valores. A Folha de S.Paulo deu inclusive que no ano de 2010 houve um faturamento de R$ 20 milhões e nos meses de novembro e dezembro, R$ 10 milhões só nesses dois últimos meses, meses em que o senhor estava participando da transição do governo. Esses valores são verdadeiros?
AP: Os valores podem ser aproximados, eu não tenho eles nesse momento. Mas o que ocorre é que no mês de dezembro eu encerrei as atividades da empresa, dado que ia assumir um cargo na Casa Civil, no governo federal. Eu promovi um encerramento das atividades todas de consultoria da empresa, todos os contratos que eu tinha há dois anos, há cinco anos, há três anos, foram encerrados e eles foram quitados. Ou seja, aqueles serviços prestados até aquele momento foram pagos nesse momento. Por isso que há uma arrecadação maior nesse final de ano, mas são contratos de serviços prestados. Hoje, por exemplo, a empresa não tem mais nenhum contrato, nenhuma arrecadação, nenhum valor.
Por isso eu tenho esclarecido, e reafirmo aqui pela oportunidade, que a minha empresa jamais atuou junto a órgãos públicos, ou diretamente prestando consultoria para órgãos públicos ou representando empresas privadas nos órgãos públicos.
JN: Mas essas empresas para as quais o senhor trabalhou, elas tinham interesses no setor público? Estavam fazendo negócios com o setor público?
AP: Não, eu nunca participei. Quando uma empresa privada tinha negócio com o setor público, eu nunca dei consultoria num caso como esse. Até durante a semana jornalistas me perguntaram sobre isso, eu pude esclarecer casos concretos que me foram apresentados, mas em nenhum momento eu participava de um empreendimento, vamos dizer, que envolvesse um órgão público e um órgão privado. Um fundo de pensão de empresa pública com uma empresa privada, nunca participei disso. O que eu fazia era uma consultoria para empresas privadas. Se a empresa tinha uma necessidade junto a um órgão público, ela tinha lá seu departamento ou a sua prestação de serviços para isso. Eu não fazia isso porque isso a lei não me permitia e eu tinha perfeita clareza do que a lei permitia ou não permitia.
JN: Eu sei que o senhor não quer falar especificamente sobre números, mas o senhor disse que em 2010 foi mais ou menos esse valor, cerca de R$ 20 milhões. Nos anos anteriores, 2006, 2007, 2008, 2009, nesses anos. O senhor faturou quanto, próximo desse valor?
AP: Não, foram valores inferiores. A empresa foi ampliando a sua atuação, ampliando o seu faturamento naturalmente. Eu comecei a empresa em 2006, antes mesmo de ser deputado. E aí comecei a estabelecer os contratos da empresa. Mas insisto com você que isso é muito importante. Todos os contratos da minha empresa que era um empresa privada com empresas privadas. Nunca que uma empresa privada precisou de uma atividade pública ou de um órgão público, a minha empresa tenha atuado nesses casos. Porque aí eu tinha clareza que isso não poderia se realizar.
JN: Por que o senhor não divulgou a lista de clientes?
AP: É uma pergunta muito importante que você me faz. Muitas pessoas pediram para divulgar a lista de clientes. Veja, semana passada, uma empresa admitiu que teve contratos comigo. O que aconteceu? Deputados da oposição foram imediatamente apresentar acusação grave contra essa empresa, que teria conseguido restituição de impostos, em tempo recorde, por minha intermediação. Veja a gravidade da afirmação.
JN: O senhor nega isso?
AP: Não sou eu que nego. Duas horas depois, a Receita Federal divulgou um relatório, mostrando que a Receita Federal tomou a decisão em relação a essa empresa quase dois anos depois de requerida a devolução do imposto e por determinação judicial.
Eu vi o despacho, a Justiça diz que a Receita deveria prestar informações sobre aquela empresa específica porque o tempo da prestação de informações teria passado. Mas aí a Receita não apenas não recorreu como resolveu pagar de imediato quando o prazo para pagar esse imposto seria até cinco anos.
Não, a decisão da Justiça foi que a Receita Federal tomasse a decisão. Qual era a acusação? Que a empresa teria recebido em 44 dias a restituição. Agora, o processo correu, mais de um ano.
JN: A segunda restituição, porque são dois impostos, um de 2008 e outro de 2009. A entrada foi próxima. Esses 44 dias foram depois da entrada do pedido do segundo imposto. 44 dias depois, a Receita Federal mandou pagar esse segundo imposto com o primeiro que havia sido solicitado, num total de pouco mais de R$ 9 milhões.
AP: O primeiro que havia sido solicitado há quase 2 anos. Então não se pode falar em tempo recorde. Não se pode inferir, a partir daí, que eu tenha atuado no caso. Então por que eu estou dizendo isso para você? Eu não divulgo o nome de terceiros, o nome de empresas que são idôneas, são empresas renomadas nos seus setores. Porque, como há um conflito político, eu, como homem público, me disponho a dialogar nesse conflito político. Agora eu não tenho o direito de expor terceiros nesse conflito. A não ser que alguém levante um problema ocorrido em relação a uma empresa, aí sim a própria empresa vai se manifestar. Agora, eu não posso expor contratos que tive com empresas privadas renomadas nas suas áreas num ambiente de conflito político.
JN: O senhor não vai divulgar a lista de clientes?
AP: Não devo fazê-lo. Acho que não tenho o direito de fazer a divulgação de terceiros. Eu acho que eu devo assumir os esclarecimentos relativos à minha empresa.
JN: O senhor poderia, pelo menos, dizer em que setor que essas empresas atuam, que tipo de negócios foram feitos?
AP: Eu atuei em setores de indústrias, trabalhei na consultoria para vários segmentos de indústria, trabalhei no setor de serviços financeiros, no setor de mercado de capitais, bancos e empresas, fundos de mercado de capitais. Fundos trabalham principalmente com investimentos em outras empresas privadas, e trabalhei em empresas de serviços em geral. Então veja, é um conjunto de empresas que pouco tem a ver, por exemplo, com obras públicas, com investimentos públicos. São empresas que vivem da iniciativa privada e que consideraram útil o fato de eu ter sido Ministro da Fazenda, de ter acumulado uma experiência na área econômica, de conhecer a área econômica. Depois que eu deixei o ministério, fiquei quatro meses respeitando a quarentena e só depois disso passei a prestar serviço de consultoria.
JN: Muitas empresas tradicionais do ramo, com larga experiência, com dezenas de profissionais, não tiveram faturamento tão alto quanto o senhor teve em 2010. Faturamento muito alto. Não é difícil aceitar a tese que o senhor teve faturamento tão alto quando outras empresas com estrutura muito maior e profissionais competentes não tiveram esse faturamento?
AP: Eu respeito essa questão. Há muitas empresas, com profissionais muito competentes. Mas não sei se elas não têm bom faturamento, acredito que elas tenham também resultados muito importantes. A diferença da minha empresa para as demais em relação a esse ano de 2010 é que eu encerrei contratos e todo o trabalho realizado foi quitado neste momento.
JN: Mas nos anos anteriores o faturamento do senhor também era…
AP: Não eram esse valores, era menor.
JN: Era metade desse valor, 30%, 20% desse valor?
AP: Algo nesse sentido.
JN: 20%? 30%?
AP: Se você me permitir, eu respeito todas as suas perguntas. Respeite o direito de eu não falar em valores.
JN: Nós temos que considerar que as pessoas que esperam esclarecimentos, elas querem detalhes dos contratos, das negociações, dos números. Até que elas possam fazer uma análise. Porque não se pode esperar que como homem público, como homem de negócios até poderia, mas como homem público sabe que homem não precisa apenas ser honesto, precisa parecer honesto. O senhor acha que sem dar detalhes o senhor vai conseguir convencer as pessoas, a opinião pública?
AP: Meu papel é cumprir lei rigorosamente a lei. Eu não estou acima da lei. Por isso quando criei empresa segui todas as providências no sentido de ter licenças legais. Bens da empresa são registrados em cartório em nome da empresa. Tudo está literalmente registrado e adequado. Quando eu vim ao governo, eu entreguei à comissão de ética da Presidência da República todas as informações das medidas que tomei. Quais foram? Encerrei as atividades de consultoria, nenhuma atividade de consultoria é feita hoje pela empresa, nesses últimos seis meses. Portanto hoje eu não atuo. Estamos conversando sobre a atuação no passado da empresa. Hoje eu não atuo na empresa e cumpri aquilo que a lei dizia que eu devia cumprir como ministro. A comissão de ética recebeu todas as informações e disse que não havia nada de errado. A Procuradoria Geral pediu informações e mandei todas as informações que pediram. Então vamos ver a avaliação desse organismo. Quando a Receita diz que não tem pendência da minha empresa na Receita Federal, tenho certeza que você considera isso uma informação relevante. Quando o Coaf diz que não há qualquer investigação sobre minha empresa, tenho certeza que você considera isso uma informação relevante.
JN: Se não der todas as informações, não fica parecendo que alguns clientes foram atrás do senhor não atrás da expertise, mas atrás de favores futuros?
AP: Eu não acredito que nenhuma pessoa tenha essa inclinação. Eu posso te afirmar, reafirmar, categoricamente, que toda a arrecadação da empresa seu deu através de contratos. E não estou dizendo que essa informação que estou lhe dando ficará secreta. Ela será fornecida aos órgãos de controle. Isso que é uma questão fundamental que eu quero que você compreenda. Nenhuma informação da minha empresa é secreta. Não estou dizendo que não darei informações aos órgãos de controle. Estou dizendo o contrário. Todas as informações tributárias já estão nos órgãos de controle. E todas as demais informações serão prestadas à Procuradoria Geral da República. Portanto, toda a vida da minha empresa estará disponível para os órgãos de controle.
JN: O senhor hoje se considera plenamente capaz de continuar conduzindo as suas tarefas no governo, diante dessa crise?
AP: Veja, Julio, não há uma crise no governo, há uma questão em relação à minha pessoa, eu prefiro encarar assim e assumir plenamente a responsabilidade que eu tenho nesse momento de prestar as informações aos órgãos competentes e dar as minhas explicações. isso é uma coisa que cabe a mim. não há crise no país, não há crise no governo.
JN: O senhor acha que isso não tem interferido no dia a dia do governo?
AP: Não, de forma alguma, o governo toca sua vida, trabalha intensamente, há, sim, eu não vou negar que é uma questão dirigida à minha pessoa, com forte intensidade, com forte conteúdo político,